06/03/2014


MÁRIO TAVARES

Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura

Nascido em Natal onde iniciou os primeiros passos no estudo da Música, continuando-o no Recife e ultimando-o na então Capital brasileira. Impulsionado pelo ardor febril da aristocrática profissão, conseguiu diplomar-se pela tradicional Escola Nacional de Música. A partir daí, aperfeiçoando continuamente o entendimento musical, percorreu, durante sua existência, trilha luminosa de triunfos os mais animadores, sentindo, final­mente, o êxtase da glória na arte da melodia e da sonoridade musical.

Num período de um decênio -1950-60 - atuou, com rara desenvoltura, na Orques­tra Sinfônica Brasileira. Teve a oportunidade de exercer a docência no Conservatório Pró-arte, em Niterói e na escola Villa-Lobos.

Mário Tavares é considerado o maior intérprete do insigne compositor Villa-Lobos. Prêmios inúmeros recebeu o emérito músico natalense, em concursos nacionais. Foi Regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, assinala Leide Câmara.

Representou o Brasil no V Seminário Internacional de Música de Câmera de Zechron Yaac. Recebeu a Medalha "Gabriela Mistral", no Chile, sendo premiado, tam­bém, em Porto Rico, Bogotá, Romênia e Bulgária pelos seus méritos invulgares como Maestro de nível internacional. Todas essas nacionalidades, por intermédio de dirigen­tes políticos e embaixadores, reconheceram o valor do grande Regente brasileiro, ou-torgando-lhe honras as mais distintas.

"Exaltação a Natal", poema sinfônico-coral é de sua autoria, com letra de Fagundes de Menezes. A sua apresentação pública deu-se, em nossa Capital, por ocasião das festividades do Quarto Centenário, tendo sido interpretado pela Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, no Teatro "Alberto Maranhão" e na Catedral pela Orquestra do Coral Canto do Povo, sob a Regência de Mário Tavares.

A Música, a arte da sonoridade, enlevou a alma sensível do ilustre Maestro. Para quem estuda e vive a Música deve experimentar o seu sabor todo especial.

Carlos Beauquier, na sua "Fisiologia da Música", tece o seguinte comentário sobre as maravilhosas combinações de ondas e vibrações, comparando às outras artes, nos termos:


"Tais combinações de sons e de movimentos equivalem aproximadamente o que é para a vista a arte pura da decoração, da ornamentação; os caprichosos arabescos, os florões, os de­senhos, os estofos, de tapeçaria, etc. Há, na Música,  ideias filosóficas de sentimentos, de imitação, de propósito literário, quanto no estampado de um rico tecido de damasco ou de brocardo, ou nas pinturas decorativas das velhas catedrais... Estes desenhos, que o decorador tira da imaginação, feitos com linhas e cores, o músico os compõe com os sons. Desenha com o ritmo e pinta com a harmonia. Uma sinfonia não passa, pois, de um vasto painel decorativo, cujas linhas estão em movimento, um quadro que se descobre sucessivamente... A impressão geral da música sobre o ouvido é a mesma do caleidoscópio sobre a vista"


Em relação ao sentimento humano, todas as artes que tocam a vida afetiva dão a mesma sensação de prazer. Todas elas exaltam os sentidos. O poeta, o pintor, o músi­co se comovem com um verso, uma tela, uma melodia...

Mário Tavares experimentou, na alma, a emoção e o perfume embriagador desta arte que envolve uma auréola de Beleza.

O ilustre filho do Rio Grande do Norte foi Membro da Academia Nacional de Músi­ca.

A operosa e brilhante atividade artística do grande Regente conquistou o aplauso dos seus conterrâneos. E a memória cultural guardará, com desvelo, o nome de Mário Tavares, orgulho da nossa arte divina.






04/03/2014


O polonês que não gostava de dogmas
 
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, contador e historiador
 
Dois poloneses contribuíram para a queda do império soviético. De forma direta, Karol Józef Wojtyła, o Papa João Paulo II, profundamente arraigado aos dogmas da igreja católica, minou o poder político dos comunistas. De forma indireta e não intencional, Michal Kalecki, um economista marxista, porém antidogmático, ao estudar as causas e efeitos das contradições internas do capitalismo, terminou por contribuir para encontrar os meios de regeneração capitalista, depois de suas crises periódicas.
Aliás, economistas comunistas e socialistas sempre estudaram o comportamento do capitalismo. Não é à toa que a principal obra de Karl Marx se chama “O capital”, cujo primeiro volume foi editado em 1867. Somente para citar alguns expoentes, nos anos 1910 Rosa Luxemburgo publicou “A acumulação capitalista” e Lênin o seu “Imperialismo: fase superior do capitalismo”. Em 1922/24 o soviético Nikolai Dmitrievich Kondratiev, comunista de carteirinha, desenvolveu a “teoria dos ciclos econômicos”, segundo a qual no modo de produção capitalista existiriam períodos (com duração média 54 anos) com duas fases que se contrapõem. Na primeira os preços sobem e a taxa de desemprego se reduz. Na fase seguinte há queda de preços e cresce a taxa de desemprego, o que força o reordenamento da produção e da distribuição de riqueza; recriando as força do capitalismo. Obviamente suas conclusões não agradaram e Kondratiev foi deportado para a Sibéria, aonde veio a morreu em um campo de trabalho forçado. Nas últimas décadas do século passado Michel Aglietta, um marxista francês, despontou como o novo arauto da debacle capitalista, principalmente com o livro “Regulación y crisis del capitalismo”.
O que há de comum a todos eles é a busca do fim desse modo de produção. Quando não o encontram, tentam explicam porque o capitalismo sempre acaba vencendo as crises e se impondo, embora que remodelado.
Mas, voltemos a Michal Kalecki. Todo o seu pensamento é alicerçado em conceitos marxistas, tendo por base, se não a luta, porém o conflito de interesses das classes sociais. Suas teses, em parte muita parecidas com as de Keynes, foram desenvolvidas paralelamente ao do economista inglês, sem que houvesse interação entre os dois. Para o polonês, o âmago dos problemas da economia capitalista é o equilíbrio da demanda efetiva; a igualdade da procura por bens e serviços com a capacidade de pagamento dos consumidores. Assim, quando essa correlação de força é quebrada (procura x capacidade de pagamento) eclodem as crises, cuja solução exigiria uma forte intervenção do Estado na economia, incentivando o aumento da produção e emprego e, consequentemente, o aumento da massa de salários e capacidade de pagamento das pessoas. 
Para Kalecki, sempre que os investimentos privados sejam insuficientes para manter essa adequação, o Estado deve intervir no sistema produtivo, via financiamento das empresas ou assumindo diretamente a tarefa de gerar empregos. Para isso teria que aumentar o endividamento do governo, via lançamento de títulos públicos, cujo pagamento futuro seria facilitado pelo aumento da arrecadação de tributos, resultante do aumento da produção e circulação das mercadorias e serviços. Ao assumir essas ideias ele quebrou o dogmatismo do credo marxista e, indiretamente, ensinou o capitalismo a reviver e se fortalecer, ao final de cada uma das suas crises sistêmicas. 
Pagou caro por isso. Em 1968 o governo da Polônia, controlado pelos dogmáticos soviéticos, afastou Kalecki de todos os cargos público.
Tribuna do Norte. Natal 02 mar 2014.
O Mossoroense. Mossoró, 27 fev 2014.

03/03/2014


115 anos de Luís da Câmara Cascudo
Por: Severino Vicente
 
Na minha modéstia visão de pesquisador provinciano, para se medir um grande homem não há quadro comparativo. Cada um tem seu próprio universo para exercitar sua grandeza estrelar. O mundo do espírito, do intelecto, da compreensão do fenômeno humano no dizer de Teillard de Chardin. Estes foram e continuarão sendo o campo onde as qualidades do mestre Luís da Câmara Cascudo serão sempre lembradas. O universo político do homem, o ecúmeno, a área onde se exerce e são estimadas as qualidades desenvolvidas no mundo intelectual.

Luís da Câmara Cascudo, este sábio sem fronteiras, tem características específicas para as gentes tropicais que somos e as amorenadas que vivem entre os trópicos.

O Estado do Rio Grande do Norte notadamente as instituições de natureza cultural, devem a este notável homem de cultura, projetando o Estado e sua querida Natal e o Brasil no mundo da pesquisa, mormente no universo do folclore e da cultura popular. De seu gabinete de trabalho, na província que amava da qual nunca se afastou, apesar das constantes solicitações de importantes universidades, instituições cultural do Brasil e do mundo que queriam manter seu nome em altura ideal, preferiu ficar em Natal, exercendo ao máximo sua capacidade mental, o amor e o prazer pelo trabalho.

Cascudo foi o primeiro intelectual tropical em toda extensão, num mundo em que ainda se preferia pensar que a ciência, o conhecimento puro, a eficácia intelectual, a proficiência do pesquisador seriam o apanágio das gentes das regiões temperadas, onde os longos invernos, com as baixas temperaturas propiciavam o estudo, estimulavam a cultura e o progresso material, porque, para os europeus, a cultura e o progresso eram um privilégio desse mundo de luzes e de preconceitos anti-tropicais.

Parece-me que foi Tolstoi que aconselhou: “buscai o universal, escrevendo sobre tua aldeia”. Cascudo provou que o gênio e o talento são superiores aos preconceitos, que não há barreiras intransponíveis, para o trabalho honesto, a pesquisa séria mesmo realizada num idioma de menor projeção universal.

Luís da Câmara Cascudo consagrou-se nas primeiras décadas do século XX como a figura do intelectual tropical esboçada por Debret na terceira década do século XIX. Rede pronta para recebê-lo a qualquer hora do dia ou da noite, de pijama, chinelas e charuto entre dedos em sua casa de teto alto e portas abertas, rodeadas de plantas e da brisa morna de Natal.

Nesta visão de ente tropical por excelência, fica mais fácil compreender Cascudo com sua prosa densa e rica como a própria floresta que tanto assustou a vassalagem da Coroa Portuguesa. Como a música de outro gênio, Villa Lobos, a prosa cascudiana flui em catadupas como a intensa renovação das florestas dos trópicos em solos fertilizados pela constante digestão das folhagens.

Meus amigos: muito me emociona estar aqui nesta tarde de verão dionisíaco, baconiano, como representante da mais importante instituição de estudos do folclore brasileiro, a Comissão Nacional de Folclore.

Receba minha amiga Anna Maria Cascudo Barreto e familiares o abraço do Brasil e me dê o privilégio de transmitir aos amigos estudiosos do Folclore Brasileiro do Amazonas à Paraíba, o abraço fraterno de Luís Câmara Cascudo e da Cidade do Natal.
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Palestra realizada em 30 de dezembro 2013, Instituto Luís da Câmara Cascudo.
Severino Vicente
Presidente da Comissão Nacional de Folclore
Cidade do Natal, 30 de dezembro de 2013
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EDUCAÇÃO POPULAR  -  A alavanca que mudaria o mundo
O legado de Paulo Freire no Brasil, hoje.
Geniberto Paiva Campos – Brasília – Março / 2014
1. Paulo  Freire faz parte daquela estirpe de educadores que periodicamente aparecem para mudar o que está bem estabelecido e fazer o processo educacional avançar.
Juntamente com Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, estes na educação de nível superior, Paulo Freire, na alfabetização de adultos, conseguiu mudar a nossa forma de pensar sobre  o tema – EDUCAÇÃO – que em várias  pesquisas de opinião pública, ainda hoje, aparece como item prioritário da lista de preocupação de todos os brasileiros.
Desde o período colonial evidenciava-se o “atraso” do Brasil em direção ao “progresso”.  Retórica permanente, a qual identificava as soluções mágicas capazes de fazer o país alcançar níveis aceitáveis de desenvolvimento. Foi assim com as ferrovias. Iriam fazer com que o país deixasse de engatinhar para, enfim, caminhar altaneiro rumo ao progresso.  Mas o milagre esperado não aconteceu. As “estradas de ferro não trouxeram o progresso, nem o país começou a andar” ( Faoro, R. 2007). Ainda segundo Faoro, esgotadas outras fórmulas mágicas, surgiu a “Ciência” , como o toque infalível “capaz de resolver todos os problemas”. Era a ciência como salvação, o valor mais alto da cultura humana. Talvez um mea culpa pela crença anterior, de resto inútil, na escolástica e no bacharelismo. Mas como fazer a “ciência” caminhar num país de iletrados?
Percebeu-se, então, que cabia um olhar prioritário, urgente, sobre o grave problema do analfabetismo. O qual se espalhava, como praga sem controle, por toda a população, particularmente entre os mais pobres e desfavorecidos. E que atingia, igualmente, os adultos.
Para espanto de todos, revolta e indignação de alguns, o Brasil entrava no século XX com níveis inaceitáveis de analfabetismo. Coincidentemente, também  não tínhamos Universidades dignas desse nome. Havia sim, um aglomerado de faculdades isoladas, uma espécie de federação de escolas de nível superior. Uma coincidência cronológica, talvez cronológica só aparentemente, acolhe duas experiências decisivas na Educação brasileira. Logo no início da década de 1960 é criada a Universidade de Brasília/UnB, representando o coroamento do esforço didático e político de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.  E começa, em seguida, numa  pequena cidade do Rio Grande do Norte, Angicos, a experiência de “Alfabetização de Adultos em 40 horas”, pelo método Paulo Freire. Sobre a trajetória épica da UnB muito já sabemos.
Falemos, portanto, da atualidade e do legado do educador brasileiro Paulo Freire. E do contexto histórico no qual o seu método seria  aplicado.
2. Meados da década de 1950, após o segundo governo Getúlio Vargas, no complexo período de saída da II Guerra Mundial, o Brasil vivia o governo JK. Ambos eleitos, democraticamente, pelo voto direto dos brasileiros. Depois de tantas turbulências políticas entrava-se, enfim, num período áureo, em que tudo parecia dar certo. Dizia-se, á época, que os deuses conspiravam para que a nação brasileira tivesse o seu encontro consigo mesma. Nunca esteve tão em alta a confiança e orgulho dos brasileiros no seu país. Numa sequência temporal de eventos felizes nas mais diversas áreas, o Brasil mostrou porque éramos chamados de “a pátria do futebol”: a taça do mundo era finalmente nossa. E fomos campeões de tênis em Wimblendon, com Maria Esther Bueno; a construção da Nova Capital, Brasília seguia a passos céleres, em breve estaria vivo e habitável um dos mais belos monumentos urbanos, a Capital da Esperança; a Bossa Nova e a sua nova  batida do samba encantava os brasileiros e  causava forte impacto no exterior; o Cinema Novo dava os seus primeiros passos, talvez já anunciando a conquista da Palma de Ouro em Cannes, com o “Pagador de Promessas”, belo filme, dirigido por Anselmo Duarte, com temática brasileira. Os brasileiros tinham todos os motivos para se orgulhar do seu país. E nosso desenvolvimento seria também célere: “50 Anos em 5”,  de acordo com o slogan do período JK.
E, no entanto, persistiam os níveis inaceitáveis de analfabetismo na população brasileira.

3.  No Recife, início dos anos 1960, estava em curso um movimento de educadores, com foco  no ensino básico. Com vínculos acadêmicos e na área executiva do governo local, esses educadores entrariam para a história como um dos grupos que mais ousou na área da inovação educacional no Brasil. O professor Paulo Freire fazia parte do grupo, o qual incluía, entre outros expoentes, Germano Coelho, Anita Paes Barreto, Paulo Rosas, Silke Weber. Eram pessoas com formação no exterior, com grande sensibilidade  social, quase todos ligados à Igreja Católica, que á época, vivia uma fase de grande abertura para o social, através do  Concílio Vaticano II, sob a égide do papa João XXIII.
A educação de adultos era uma das preocupações desse grupo, que ficaria conhecido como o “Movimento do Recife”. Uma pergunta pertinente, nunca bem esclarecida: por que o “Método Paulo Freire” de alfabetização de adultos não foi testado primeiramente na capital pernambucana? Uma explicação possível, de difícil confirmação: teria havido um impasse didático – pedagógico sobre a utilização de cartilhas na aplicação do Método. O seu idealizador se mostrava claramente contrário. Afinal, a “cartilha”, usada tradicionalmente no processo de alfabetização, era entendida como uma espécie de carta de navegação, também chamada “portulanos”. O papel desse instrumento didático, portanto, era o de criar uma trilha a ser percorrida pelo alfabetizando, com todas etapas  previamente sinalizadas. O que deixava muito pouco por conta da criatividade dos estudantes. Restringindo, dessa forma a sua liberdade de ação. Outros aspectos polêmicos do método: as escolas, denominadas “círculos de cultura”, com forte integração comunitária, não previam, obrigatoriamente, prédios escolares clássicos para o seu funcionamento. A “escola” imaginada por Paulo Freire podia funcionar em clubes, associações de bairros, residências particulares ou qualquer local disponível. Outra característica: o método era essencialmente baseado no aluno. O professor incentiva, orienta. Mas o aprendizado não ocorre de forma passiva , com assimilação acrítica dos conceitos didáticos. Outro aspecto essencial: o método repassava não só o “texto”, mas o “contexto”. Formando, assim, uma “consciência crítica” no estudante. (O que foi, maliciosamente,  propositadamente, confundido com politização ou partidarização. Estigmatizando o processo de alfabetização com um viés ideológico, o qual atendia aos objetivos de manutenção do status quo dos donos do poder).
Era preciso portanto coragem, e muita abertura para o novo, para por em prática   a aplicação de um método tão ousado  em suas inovações. Foi o que Paulo Freire encontrou no  então secretário de educação do Rio Grande do Norte, Calazans Fernandes. E na sua imediata sintonia com um jovem estudante de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Marcos Guerra, quase  adolescente, que enfrentou o desafio de assumir a coordenação do projeto pioneiro na cidade de Angicos/RN . O êxito do programa de alfabetização projetou-se no tempo, criando um protótipo de intervenção em políticas públicas, que se mostrou válido em diversas circunstâncias históricas.
 
4. A simples exposição desses conceitos mostra o quanto Paulo Freire estava á frente do seu tempo. Por isso, ao analisar, hoje, os atuais processos de comunicação, transmissão de conhecimentos e técnicas inovadoras de ensino/aprendizagem, baseados na “Conectividade”, surge a figura de Paulo Freire, projetando a atualidade dos seus já cinquentenários conceitos pedagógicos. Nos quais  o papel  do professor é compartilhado com os alunos. Cedendo, parcialmente, a importância docente,  priorizando a inventividade e a iniciativa do aluno, além  de  valorizar a sua capacidade e o seu ritmo próprio de aprendizado. E, sobretudo, o seu potencial de interação com elementos eletrônicos disponíveis, fonte indispensável, permanentemente acessível, de informações e conhecimentos. Neste momento, evoca-se naturalmente o legado de Paulo Freire. A sua incrível capacidade de visualizar o futuro. Orientando cidadãos conscientes, comprometidos com a Modernidade. Preparados, inteligentemente, para um mundo novo e desafiador.
Esta a herança, o legado histórico da ousadia do professor Paulo Freire.

01/03/2014


ADERBAL DE FIGUEIREDO 

Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura

Nascido em Aquidaban, município do Estado de Sergipe, formado pela então Fa­culdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1922. Ainda cursando as últimas disciplinas, foi interno do Hospital de São João Batista, e da Assistência Pública de Niterói. Depois, da Assistência Pública do então Distrito Federal e, em seguida, do Hospital Central da Marinha. Neste último concurso obteve a primeira colocação dentre inúmeros concor­rentes. Posteriormente, foi Monitor do Hospital da Santa Casa de Misericórdia.

Já diplomado, foi exercer o seu primeiro cargo na condição de médico, como Inspetor Sanitário Rural do Saneamento e Profilaxia Rural de Sergipe, vindo, então, para o Rio Grande do Norte onde se fixou no município de Caicó.

Na antiga Vila do Príncipe, instalou, com sucesso, o Posto de Profilaxia Rural e saneamento. Desse seu trabalho resultou uma medida de higiene pioneira naquela cida­de: conscientizou aquela então atrasada comunidade a instalar o sistema de fossas sanitárias.

Entretanto, o maior feito do grande médico beneficente, foi a construção do Hospi­tal de Caicó, a primeira unidade desse tipo na região do Seridó e talvez em todo hiterland do Rio Grande do Norte. Esta Casa de Saúde foi inaugurada com a presença do Presi­dente da República, Washington Luiz, quando visitou o nosso Estado, no Governo José Augusto.

Transferiu-se, Aderbal de Figueiredo para Natal, onde fixou residência, casando-se com a prendada senhorita Dulce Meira e Sá, filha do Desembargador Francisco Meira e Sá.

Na Capital potiguar trabalhou como profissional no então Departamento de Saúde Pública e foi Diretor do Gabinete Médico Legal. Nesse mesmo calendário, assumiria função no Hospital Juvino Barreto, então sob a direção criteriosa de Januário Cicco, sendo dirigente da Clínica de Urologia.

A fim de aperfeiçoar os seus conhecimentos e a técnica operatória, viajou para a Capital Francesa onde cursou ginecologia cirúrgica com o famoso professor Jean Louis Faure. Na própria Paris especializou-se, também, em cirurgia geral, sob a direção magisterial do médico renomado, em toda Europa, professor Gosset; sendo discípulo, também, dos doutores Maurice Chevassu e Marion, enaltecidos mestres da medicina da época.

Retornando a Natal, seria o novo Chefe da Clínica Cirúrgica do seu melhor Hospi­tal, o "Miguel Couto".

Em plena atividade profissional, adoecera do coração, cedendo o lugar ao então jovem médico Onofre Lopes, seu Assistente.

Falecia pouco tempo depois. Era o ano de 1944.

Aderbal de Figueiredo não tinha somente como atividade exclusiva a profissão de médico. Dotado de espírito social, frequentava os círculos mais importantes da socieda­de natalense, participando de clubes e entidades culturais.

Vivendo em plena ditadura Vargas e advogando a liberdade de pensar livremente, jamais deixou de externar a sua repulsa aos atos atentatórios à boa política. Por tal atitude corajosa, teve de enfrentar prisão no Quartel do 29º B.C., durante cerca de um mês, por se manifestar adesista à Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932. Politicamente pertenceu às fileiras do Partido Popular, legenda sob a chefia, na época, de José Augusto, vencedora do pleito em 1935.

Possuía Aderbal de Figueiredo, conforme escritos da sua viúva d. Dulce, de Luís da Câmara Cascudo, de Onofre Lopes e Clóvis Travassos Sarinho possuía Aderbal, do que pude deduzir da sua personalidade, uma auréola de simpatia contagiante. As aren­gas existentes entre colegas natural em todas profissões, nele teve o conciliador. Na sociedade natalense, todas as classes, por seus representantes mais autênticos, o admiravam, não somente pela competência na área médica, mas, sobretudo, pela lha­neza de trato.

Dele, disse Câmara Cascudo, seu amigo confidente:

“Aderbal conhecia História, arqueologia, numismática, como um técnico. Ultima­mente estava lendo Folclore. Lia em vários idiomas que aprendera. Era original em dizer, opinar, propor. Autodidata, estudava sempre, com uma sorridente curiosidade pela cultura humanística. Podia falar, como um mestre, sobre os assuntos mais distantes, prataria francesa, Dantzig, história do Corredor polonês, cirurgia, processos novos de narcose, a Clínica dos irmãos Mayo, corantes, vitaminas, moléstias profissionais, no­ mes de cientistas longínquos, suas figuras, ações, originalidades dos métodos, modifi­cações”.    

           
 A palavra de d. Dulce Meira e Sá de Figueiredo:
 
"Aderbal deve ter sido o primeiro médico que em Natal fez os primeiros embalsamamentos. Pacientes, os franceses Barrier, em 5 de setembro de 1935 e Lievre Pierre, em 27 de maio de 1936. Também foi o primeiro a fazer uma operação cesariana em Natal, tendo a nascida tomado o nome de Cesarina".

Travassos Sarinho e Januário Cicco também depuseram em relação a tão nobilitante figura humana. Disse este, no seu sepultamento: "Em Caicó, vencendo mu­ralhas de sacrifício com a caridade do seu coração e com a força do seu espírito, fundou o seu Hospital, hoje é uma instalação de grande proveito, de grandes alcances e de piedade humanas. E aquele: "- Não sendo, embora, filho do Rio G. do Norte, pelo que fez na terra potiguar, o seu nome não poderia ficar esquecido quando se pretende pôr em destaque a ação dos mais ilustres médicos do Estado".

Sobre o sítio do Tirol, d. Dulce atendeu o desejo do marido, doando-o a Ordem das Freiras Salesianas, onde hoje funciona o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.

Grande benemérito foi Aderbal de Figueiredo! A sua lembrança ficará perpetuada na classe médica que serviu com amor e dedicação humanitárias; e, também, perpetuada ficará a caridade da sua alma sensível devotada aos menos afortunados.