Síndrome da hipocrisia brasiliense
Tomislav R. Femenick – Jornalista. Do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Apesar dos percalços, a chamada melhor idade (eu quero saber quem inventou essa baboseira; é velhice mesmo) tem em si duas vantagens. A primeira é que os idosos conseguiram vencer a única opção para não envelhecer, a morte. A segunda, é que eles (nós) possuem um enorme estoque de memórias, reminiscências, lembranças de fatos passados, banais ou relevante.
Essa reflexão veio a mim lendo as últimas notícias do mundo político nacional, das marchas e contramarchas dos governantes: deputados, senadores, ministros de governo, ministros togados e outros figurantes do cenário brasiliense. Não é fácil entender essa gente. Aí veio-me à lembrança um fato acontecido há muito, muito tempo.
O ano era 1958 ou 1959, no governo de Juscelino Kubitschek, quando o dínamo das alterosas instalava a indústria automobilística no país, abria estradas, inovava nas relações políticas e construía uma nova capital federal, lá no planalto central. Havia um certo entusiasmo nacional. Somente a “banda de música” da velha UDN aparecia contestando esse ou aquele ponto do rolo compressor mineiro. Estávamos no Rio de Janeiro, mais precisamente no bar da Pérgula do Hotel Copacabana Palace. Éramos quase todos norte rio-grandenses, capitaneados pelo meu primo Mota Neto, ex-deputado federal, que conhecia o Rio de Janeiro e sua gente da “alta roda” como ninguém. Conhecia de Walter Moreira Salles, dono do Unibanco; Ibrahim Sued, cronista social; ao Fred, o garçom do Antonio’s Bar, e um monte de outros cariocas ilustres.
Mas voltemos àquele momento no Pérgula. Como não poderia deixar de ser, a conversa do grupo terminou se voltando para a construção Brasília. Uns achavam que seria bom, pois levaria o progresso para o interior do país, outros lamentavam a perda de status que irremediavelmente o Rio sofreria e outras opiniões afloraram. Só Mota Neto estava calado, até que alguém lhe perguntou: “Mota, você não fala nada”. Então ele respondeu que seu medo era que a capital isolada, lá no meio do cerrado, fizesse como que os representantes do povo também se isolassem da nação, perdessem seu vínculo com a realidade do país e passassem a viver em um mundo diferente do Brasil verdadeiro. Todos aqueles palácios, aquelas residências separadas por quadras qualificadas, aquelas moradias pagas com dinheiro público e, também, outras modalidades do viver da nova capital poderiam transformar a visão pública (atualmente, diríamos republicana) dos políticos e servidores públicos.
Sem dúvida, essa foi uma visão profética. Hoje os políticos e servidores públicos que habitam Brasília só olham para seus umbigos, se tornaram nababos e transformaram os brasileiros (a quem deveriam servir) em seus vassalos. Quer exemplos? Vamos a eles: bilhões de reais que fazem falta aos hospitais, escolas e segurança pública são destinados aos fundos partidários, que no fundo, no fundo, só visam reeleger suas excelências; pagamento de auxílio moradia para quem tem residência própria, enquanto milhares de pessoas, famílias inteiras, moram na rua; pagamento de planos de saúde com assistência ilimitada, para alguns, enquanto pessoas morrem na fila do SUS, que vive à mingua de verbas; aviões da FAB e passagens aéreas “para autoridades” pagas com dinheiro público, enquanto os trabalhadores pagam passagem de ônibus para ir trabalhar, geralmente em veículos inseguros e superlotados; professores de universidades públicas e outros servidores têm custeados seus estudos de pós-graduação, doutorados e pós-doutorados por órgãos do governo, enquanto os outros mortais pagam tudo com dinheiro do próprio bolso.
Se em Brasília é assim, não há por que nos Estados e Municípios ser diferente. Não interessa o tamanho de suas receitas, as beneficies não replicadas automaticamente. Dessa forma os penduricalhos federais se espalham por todos os entes federativos. É a síndrome da hipocrisia brasiliense.