17/09/2019


Lombroso e a literatura

Misturando direito e literatura, eu já escrevi aqui sobre a “vida imitando a arte” e a “arte imitando a vida”. Hoje, vou escrever sobre a “literatura imitando o direito”, mais especificamente sobre a literatura imitando a criminologia de Cesare Lombroso (1835-1909).
Lombroso foi – e ainda o é no nosso imaginário – um famoso médico, psiquiatra, antropólogo e criminologista italiano. Nascido em Verona, Lombroso formou-se em medicina pela Universidade de Pavia. Exerceu a profissão percorrendo o seu país, vinculado a hospitais e universidades. Cientista, finalmente juntou-se à Universidade de Turim. Ali, já mais para o fim do século XIX, tem o seu melhor período produtivo. Publicou bastante: de “Gênio e Loucura” (1874) a “O crime, causas e remédios” (1894), passando por “O Homem Delinquente” (1876), sua obra mais célebre. Lombroso é considerado o iniciador da antropologia criminal. E é também tido como o fundador da Escola Positiva do Direito Penal, formando, junto a Raffaele Garofalo (1851-1934) e Enrico Ferri (1856-1929), a tríade de expoentes dessa importantíssima corrente de pensamento jurídico-científico. Lombroso faleceu em Turim, em 1906.
Entretanto, no nosso imaginário – no meu, pelo menos –, Lombroso é sobretudo lembrado pela sua descrição do “criminoso nato”, como parte de uma classificação, toda sua, dos delinquentes. Aquele sujeito disforme, assustador até, que nos acostumamos a chamar de lombrosiano. Estaria Lombroso certo nessa sua imagem morfologicamente degenerada do tal criminoso nato? Como pergunta Lemos Britto (1886-1963), em seu “O crime e os criminosos na literatura brasileira” (Livraria José Olympio Editora, 1946): “Será mesmo que os indivíduos de mãos imensas, pesadas ou disformes, são tipos nos quais se observa uma regressão atávica ao homem primitivo, ao selvagem, e que trazem diluída no sangue a vontade mórbida de matar por estrangulamento?”.
É claro que Lombroso exagerou, para dizer o mínimo, no que diz respeito aos caracteres morfológicos dos criminosos. De fato, conhecemos inúmeros autores de crimes bárbaros que em nada se parecem com o criminoso nato lombrosiano. E a classificação do professor italiano não resistiu por muito tempo às críticas dos estudiosos.
Todavia, Lombroso teve seus méritos. Antes de mais nada, como reli estes dias no “Direito Penal” (Editora Saraiva, 1990), de E. Magalhães Noronha (e como escreviam bem esses penalistas de outrora), “o de haver iniciado o estudo da pessoa do delinquente. Com ele, este deixou de ser considerado abstratamente. Foi a antropologia criminal que pôs em evidência a pessoa do criminoso, procurando investigar as causas que o levavam ao delito, ao mesmo tempo que forcejava por indicar os meios curativos ou tendentes a evitar o crime”.
Lombroso teve ainda outro mérito especial: o de ter dado azo ou material para estudo e imaginação dos literatos, como é o polêmico caso do naturalista Émile Zola (1840-1902), o autor de “A besta humana” (1890). Durante muito tempo existiu a ideia na literatura – e isso, de certa forma, ainda hoje perdura – de que os grandes delinquentes, os criminosos cruéis, possuem, para além de uma degeneração psicológica, estigmas morfológicos à moda de Lombroso e da sua antropologia criminal. E obras literárias “lombrosianas” abundam.
Especialmente interessante é o caso do nosso Pedro Américo (1843-1905) e do seu “O Foragido” (de 1899). E aqui, quando uso o “nosso”, o faço com precisão, porque esse homem das letras e da ciência, e sobretudo virtuose do pincel, é paraibano de Areia. Pedro Américo vivia na Itália no tempo em que as ideias de Lombroso perambulavam pelos arredores civilizados de então. Escritor e genial pintor, certamente aí está a explicação para Pedro Américo fixar os pormenores “lombrosianos” de suas personagens literárias.
É o caso da curandeira Cericê, apresentada como um tipo degenerado à moda das velhas feiticeiras da Itália mística. Eis a descrição, quase fotográfica, que reproduzo do livro de Lemos Britto: “Era uma cabocla de seus quarenta anos, mas cuja pele incrustada, rugosa, amarela como uma cucurbitácea madura, e variegada na testa, em torno dos lábios e nos braços de arabescos de cor azul e roxa, parecia indicar sessenta. De baixa estatura, sem ombros, volumosa e roliça até a base do tronco, era, daí para baixo, magra, seca e como lignificada sobre os pequeninos pés, dos quais um tinha quatro dedos e outro apenas três. Ajunte-se-lhe um crânio deprimido, fortes zigomáticos, nariz quase hipotético, maxilares enormes, dentes alvos a saírem-lhe da boca e uns pequenos olhos vivíssimos sem esclerótica, porque recobertos dos babados e das bordas de saco a que ficaram reduzidos as antigas pálpebras tumefactas e os tegumentos infra-orbitários, e teremos uma fraca imagem da figura tenebrosa, achavascada e quase pré-histórica desse novo Hipócrates de cabeção e saiote”.
Bom, não sou um lombrosiano. Nem seguidor nem, muito menos, um criminoso. Mas reconheço que Lombroso foi um visionário. Para o direito e para a literatura. Devemos dar a Cesare o que é de Cesare.


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/S


Belíssima palestra de André Felipe sobre os símbolos do Rio Grande do Norte


1abertura oficial feita por Joventina Simões, Presidente em exercício do IHGRN

Palestrante




Vista parcial da platéia


Projeções durante a palestra


Tela que inspirou Corbibiano Villaça na construção do 
Brasão de Armas do Estado do Rio Grande do Norte.



BRASÃO DO BRASIL HOLANDÊS


13/09/2019


Marcelo Alves
Coletiva e engenhosa

O crime é um ato reprovável que pode ser praticado por uma só pessoa. Entretanto, com relativa frequência, esse ato delituoso é praticado por mais de um indivíduo. A isso damos o nome de criminalidade coletiva. Um fenômeno que hoje vem ganhando cada vez mais relevância no cotidiano do direito.
Não que a criminalidade coletiva seja um problema novo. Pelo contrário. O grande Miguel de Cervantes (1547-1616) – que muitos apontam como superior a Shakespeare (1564-1616) no domínio da criminologia –, lá no comecinho do século XVII, já tratava do assunto. Como anota o nosso Lemos Britto (1886-1963), em seu “O crime e os criminosos na literatura brasileira” (Livraria José Olympio Editora, 1946), “Cervantes nos antecipou o conhecimento da criminalidade coletiva, exercida por intermédio das quadrilhas de salteadores e malfeitores, distinguindo-a nos seus dois aspectos ou formas principais, uma agindo no espaço rural, selvático, montanhês, outra urbana, cada qual adotando métodos e política diferentes. A primeira, nós a encontramos em Dom Quijote de la Mancha, quando este e Sancho, às portas de Barcelona, se defrontam com o bando ou a quadrilha de Roque Guinant; a segunda, sevilhana, aparece na novela Rinconete y Cortadillo (…). Quem quiser estudar a delinquência das associações de malfeitores, inclusive os chamados Sindicatos da Morte ou ‘mãos-negras’ das grandes cidades norte-americanas, há de procurar as novelas exemplares de Cervantes. Aí está, para exemplo, o grupo constituído por Maniferro, Chiquiznaque e Repolido, que são os executores das sentenças proferidas pelo bando ou por seus chefes, no século XVII”. Recomendo, por óbvio, a leitura do Quixote e das Novelas.
A questão é que a tal criminalidade coletiva tem se tornado cada vez mais engenhosa e frequente. Acho que disso todos nós já demos conta, com as pessoas falando diariamente das tais “Orcrims” (organizações criminosas), muito embora, com frequência, inadequada ou mesmo levianamente (e isso, em tempos de populismo, é um sério problema).
A ciência penal, claro, há tempos também se apercebeu disso, tentando normatizar e categorizar esse fenômeno – da criminalidade coletiva – da melhor forma possível.
O nosso Código Penal, por exemplo, disciplina o concurso de pessoas (em coautoria ou mediante participação) em seus artigos 29, 30, 31 e 62, afirmando, entre outras coisas, que, “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (art. 29, caput).
O Código também tipifica, no seu art. 288, caput, um crime de “associação criminosa” (antes chamado de quadrilha ou bando): “associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”. Dois elementos devem estar aqui presentes: (i) associação de três ou mais pessoas; (ii) com o fim específico de cometer crimes. Essa união estável dos agentes, com o fim específico de cometer crimes, distingue a associação criminosa do simples concurso de pessoas, acima referido.
Já a Lei 12.850/2013 (dita “Lei do Crime Organizado”) cuida da tal Orcrim. No seu art. 1º, § 1º, define: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. E cria, no seu art. 2º, o crime de organização criminosa: “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, com pena severa que vai de 3 a 8 anos de reclusão. A associação criminosa e a organização criminosa não se confundem. Entre outras coisas, para sua caracterização, a organização exige pelo menos 4 agentes e uma estrutura ordenada, com hierarquia entre seus membros e divisão prévia das funções de cada um deles.
Por outro lado, ainda quanto à criminalidade coletiva, tem-se a atenuante do crime cometido “sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou” (CP, art. 65, III, e). Trata-se do crime multitudinário, do qual um bom exemplo seria aquele decorrente de briga generalizada em estádio de futebol. Justifica-se a atenuação da pena pela falta de serenidade transitória de que padecem os indivíduos sob a pressão de uma multidão amotinada.
Evidentemente, nos dias de hoje, em que tanto se fala de Orcrim, em que tanto se prática multitudinariamente crimes contra a honra, precisamos estudar melhor todas essas categorias. Para não cometermos impropriedades. Para não sermos populistas. Para não cometermos injustiças.
Por derradeiro, deixem-me fazer uma confissão saudosista. Os tratados de direito penal do meu tempo de graduação cuidavam desses temas muito bem. As coisas eram mais simples, é verdade. Mas como os antigos escreviam bem – talvez porque eles tivessem lido o engenhoso Cervantes.


Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo

12/09/2019


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN IHGRN <ihgrn.comunicacao2017@gmail.com>

C O N V I T E


Caro sócio(a),

Estamos anexando o convite para a palestra desta QUINTA CULTURAL, proferida pelo confrade André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes, hoje.  dia 12/09/2019, no Salão Nobre do IHGRN.
Contamos com a sua importante participação.

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO

07/09/2019


As pedras
Os antigos já diziam: “E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão” (Mateus 7:3-5).
Embora essa lição jamais tenha sido razoavelmente aprendida na história da civilização, ela nunca foi tão esquecida como nos dias de hoje.
Nas ruas e, sobretudo, nas tais redes sociais, o que mais enxergamos agora são pessoas apontando o dedo para A ou para B, dizendo trocentos impropérios contra esses seus imaginados desafetos. Se o que dizem ou reproduzem é verdade, pouco importa. Fulano é canalha. Sicrano é ladrão. Não sei quem é maconheiro. Aquele lá é um vagabundo. Uma outra é vadia. E paro por aqui para não reproduzir as mais escatológicas estultices desses últimos tempos.
Acontece que muitíssimo disso é hipocrisia. Aquela hipocrisia direta, em que o indivíduo arrota virtudes e condutas que, em verdade, não possui ou não pratica. E sempre exige dos outros que se comportem dentro desses padrões estabelecidos, quando ele mesmo, dissimuladamente, repito, não os adota ou os extrapola. Por exemplo, em razão da minha profissão, eu mesmo já vi muita gente que sei investigada, denunciada ou mesmo condenada por crimes contra o patrimônio publico sair por aí denunciando, em manifestações ou nas redes sociais, irresponsável e hipocritamente, os mesmos crimes e pecados pelos quais responde, só que praticados (supostamente) por outrem. Como diria o velho Timbira, do “I-Juca Pirama” do nosso Gonçalves Dias (1823-1864), esse exemplo clássico de comportamento hipócrita, “Meninos, eu vi”. E bastante.
Mas há, também, a hipocrisia indireta do sujeito caolho. Ele pratica mil e um “pecados”. Só que são os seus pecados, que ele acha naturais ou, pelo menos, veniais. Mas os pecados dos outros são imperdoáveis, capitais. Ele dirige bebendo, mas tem por facínora aquele que fuma maconha (porque ele não fuma, claro). Ele sonega tributos e paga uma bolinha (aqui e acolá, apenas), mas pede pena de morte para o ladrão de galinhas. E se fossemos falar aqui da hipocrisia indireta quanto ao comportamento sexual dos outros, cem páginas não seriam suficientes. Talvez a coisa, nestes casos (de hipocrisia indireta), seja até mais perigosa, porque o hipócrita mente para si mesmo e acredita na sua própria mentira ao ponto de não mais conseguir distinguir o certo e o errado, se não com base na sua própria régua de vida.
E isso sem falar daquele que não cometeu (ainda) graves pecados porque ainda está em busca da grande chance para tanto. O crime, já se afirmou, é uma questão de oportunidade. E, como dizia o genial Millôr Fernandes (1923-2012), com sua fina ironia, “muita gente que fala o tempo todo contra a corrupção está apenas cuspindo no prato em que não conseguiu comer”.
A coisa chega ao ápice com os moralistas “profissionais” do Twitter, do Facebook e do Whatsapp. Aquele tipo que, parecendo um pregador ou uma espécie de juiz, se acha no direito de admoestar ou de julgar a todos a partir de uma moral supostamente absoluta. Ele divide o mundo entre os bons e os maus. Vive de plantão. Vive de apontar o dedo, de julgar e de condenar os outros. Mas, desconectado da realidade, cai sempre em contradição. É um ressentido. É desocupado. E quanto mais obtuso ou tolo, mais moralista, já que a tolice é direta, sem rodeios, sem sutilezas, certa de tudo. A sorte é que esse tipo de pessoa, no que realmente importa e para quem importa, nunca é levada a sério.
Na verdade, esses indivíduos são, quase sempre, falsos moralistas.
Até porque, acho que alguém já disse isso – estou na dúvida se foi H. L. Mencken (1880-1956) ou o nosso Millôr –, “a única diferença entre um moralista e um falso moralista é que o primeiro ainda não foi desmascarado” (e, se essa frase não foi dita antes, assumo a sua paternidade de muitíssimo bom grado).
Até porque, cá entre nós, quem nunca cometeu um pecado na vida, para poder, assim, honestamente, atirar esse montão de pedras (João 8:7)?

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP


D I A     D A     P Á T R I A
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes




        Do sonho nativo ao ato real do governante nacionalista D. Pedro I nasceu a INDEPENDÊNCIA DO BRASIL.
        Estávamos, então no dia 22 de setembro de 1822, nas cercanias do riacho Ipiranga, quando após a leitura de mensagens descabidas do Governo de Portugal, nosso Imperador D. Pedro I proclamou a frase célebre: Independência ou Morte. Foi consumada a nossa separação da Corte Portuguesa.
        Esse fato histórico, todavia, teve precedentes de coragem e patriotismo desde a execução de Tiradentes, primeiro revolucionário da nossa independência e, mais adiante, quando o domínio português em Lisboa insistia em pressões sobre o nosso Príncipe Regente, este rebelou-se contra a exigência do seu retorno a Portugal, e em 9 de janeiro de 1822, externou seu desejo de rompimento com os laços da terra europeia, que ficou consagrado como o “Dia do Fico”, momento em que o governante fez seu voto de amor pelo Brasil.

        Dessa atitude resultou a convocação de uma Assembleia Constituinte, organização da Marinha de Guerra e obrigou as tropas de Portugal a voltarem para o reino. Determinou também que nenhuma lei portuguesa seria colocada em vigor sem o "cumpra-se", ou seja, sem a sua aprovação. Era o passo inicial para nossa hegemonia política. No mês de dezembro de 1822, D. Pedro foi declarado imperador do Brasil.
       
        Hoje, em plena República, renovamos em 2019 a nossa esperança de um Brasil melhor, com igualdade e prosperidade.

        EU DE AMO MEU BRASIL. INCONDICIONALMENTE.


        

05/09/2019



UM SONHO A MAIS NÃO FAZ MAL


Valério Mesquita*

O ano da graça de 2019 passou da metade. No ar, esperanças, perspectivas, novas manhãs de ressurreição e fadigas de longas e crepusculares esperas. Renova-se o tempo, desta vez mais e chuvoso, sem fartura de cajus. Com relação a Macaíba, quais as novidades, além dos políticos de carreira? Em cada esquina um líder, em cada rua um partido e todos se alvoroçando porque é ano de eleição. Ninguém presta atenção ao rio Jundiaí decomposto e sujo, morrendo de inanição na rasura dos dejetos. “O Ibama só atua em Natal”, disse-me um vereador do alto de sua prosopopéia. “Não aparece nenhum fiscal fuleiro”, completou amargo e verde como se tivesse bebido a água poluída.
Passado o governo enganoso e medíocre de Robinson Faria, tá na hora de cobrar o preço da fatura. De lembrar aquilo que devem a Macaíba. Cadê a restauração do Empório dos Guarapes, gemido sufocado da história econômica do Rio Grande do Norte, sepultado no alto de uma colina. Fabrício Pedroza, fundador de Macaíba, que doou terras para construírem a igreja e o cemitério e que no governo imperial a transformou no eldorado do comércio e da indústria extrativista que superou Natal – hoje jaz esquecido, apunhalado pelo desprezo oficial. Cadê a retirada das barracas da rua Nair Mesquita, no centro da cidade? Onde estão as luzes do canteiro central da Br-304, entre Parnamirim e Macaíba, de trevo a trevo, iluminando as fábricas e os operários contra as sombras do assalto e da insegurança.
Por que ninguém se lembra do vazio e do vácuo do Hospital Alfredo Mesquita, desabitado de médicos profissionais, de novos equipamentos e leitos, ao ponto de ser acoimado de “hospital dos mártires”? Antes, era uma unidade de saúde regional e hoje é municipal. E em Macaíba, qual o lugar, o bairro, a rua onde se vive sem violência ou sem droga? Mataram Cosme e Damião. Não os santos. Mas, os policiais das avenidas e praças. E nem motos e nem veículos trafegam mais porque o pânico, o medo e a diarréia sucumbiram ante o domínio da marginalidade dos capetas que manipulam as estatísticas criminais.
Diante de todo esse quadro trágico e parafernálico ainda vale dizer que um sonho a mais não faz mal, no entardecer de um novo ano? Acho que sim. É preciso que a governadora Fátima Bezerra assuma Macaíba, como no passado o fizeram outros governadores. O município tem importância histórica, cultural, além de significativa expressão comercial e industrial.
O rio Jundiaí, no trecho em que atravessa a cidade de Macaíba, perdeu o solo, o curso, o chão, o cheiro, a visão e é ameaça à segurança dos habitantes. Entre o Parque Governador José Varela e a Praça Antônio de Melo Siqueira deixaram crescer no leito poluído imensos manguezais que enfeiam um dos mais bonitos logradouros urbanos. Essa selva esconde lixo doméstico, carcaças de animais, e é ponto de fuga de marginais do tráfico de drogas em todo o seu percurso. Os galhos já ultrapassam a altura da ponte e das balaustradas. A Tribuna do Norte já publicou excelente matéria sobre tudo que ameaça e destrói os rios Potengi e Jundiaí. Mas, o foco da minha questão e, creio, dos cidadãos macaibenses, reside exatamente nesse aluvião de perguntas: por que o Idema e o Ibama não evitam, aparando, podando, somente nesse trajeto o “matagal” entre o antigo cais do porto até a outra lateral da ponte? Por que não licenciam a prefeitura para o fazer?
A praça e o parque perderam o charme de antigamente. Ninguém enxerga ninguém, olhando de um lado para o outro. A conscientização ambiental deve ser obedecida até onde não prejudique a funcionalidade urbanística e o senso prático e plástico do mapa citadino. Um sonho a mais não faz mal.
(*) Escritor