02/03/2015

HOMENAGEM

Resultado de imagem para zaíra caldas biografia


ZAÍRA CALDAS



Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura



Celeiro de talentos os mais diversificados, o torrão natalense deu-nos, também, uma estrela cintilante na arte pictórica - Zaíra Caldas. É, somente ela, a única artista a introduzir o Transfigurativismo na cultura potiguar, estilo ainda não consolidado por algu­ma escola. Trata-se, ao que parece, aos olhos do leigo, da projeção na tela de uma ideia inspiradora do subconsciente não percebida pelo consciente. Ela o define como sendo "a transformação de uma imagem em outra imagem com o poder de atingir a consciêcia mais profunda. Vai além da transfiguração porque transcende do artista por uma nova autonomia plástica, possibilitando ao espectador criar múltiplas formas metamorfoseadas em diversas dimensões, dependendo de como são vistas e senti­das".

Trata-se de uma arte de pura abstração, num certo sentido. A arte abstrata teve como precursor Wassily Kandinsky, segundo autores.

O revolucionário estilo de Zaíra é novidade mundial.

Este, portanto, um modelo novo de pintura inaugurado com êxito pleno, em nos­sas galerias de arte e alhures, inclusive no Exterior, de Zaíra Caldas Pereira, virtuose das mais aplaudidas.   

Há anos que a inteligente e inspirada intelectual natalense deu a sua presença, sempre brilhante, em eventos os mais prestigiados, pela qualidade especial da sua refi­nada arte.

De longo tempo, a trajetória vitoriosa de Zaíra Caldas, navegando no oceano da arte, oceano calmo ou às vezes agitado pelos misteriosos caprichos dos ventos da inspiração criadora. Seja qual for o estado d'alma, o artista continua a sua atividade, como que repetisse a frase de Pompeu, colocada na boca de Plutarco e que se repete há séculos: "Navegar é necessário, viver que não é necessário". Expõe a sua razão Plutarco: - "Mesmo vendo o vento impetuoso da procela, Pompeu não temeu o perigo: teria que conduzir a todo custo o trigo colhido à Roma, e exortava aos bravos marinhei­ros a enfrentar o mar ameaçado pela tormenta". ("Navigare necesse est, vivere non est necesse").

O cumprimento do dever a tudo supera. Para o artista o seu trabalho está acima da própria vida.

Zaíra expôs em Paris, em Portugal, em Roma. Ganhou medalha de ouro na Bélgi­ca, na Espanha repetiram-se as ovações.

No Brasil fez exposições em diversos Estados.

No entender de Hegel, a obra de arte é uma criação do gênio, do talento. A sua criação exige talento, que é uma atividade específica, quer dizer, um dom limitado. O gênio é mais geral. “A atividade artística é inconsciente para ser eficaz. Deve presidir também destreza manual. (...) A obra de arte só é considerada tal enquanto espiritualidade, ungida pelo batismo do espírito e representando algo que ao espírito pertence e com ele se harmonize. Ela provem do espírito e existe para o espírito. Consiste em ser uma obra perene".

E adiante: "O sentimento e a idéia que em pintura inspiram uma paisagem, confe­rem a essa obra do espírito um lugar mais elevado do que o da paisagem tal como existe na natureza. Tudo quanto pertence ao espírito é superior ao que se encontra em estado natural. E não esqueçamos que a natureza de modo algum representa ideais divinos, que só a obra de arte pode exprimir".

A arte de Zaíra Caldas é toda ela espiritual e carregada também de sentimento e

emoção.

Conceituando o seu ideário artístico, assim se exprimiu a pintora Zaíra Caldas:



"O que procuro é o princípio cósmico da vida. Em frag­mentos sem definição; ousar uma estrutura de átomos numa tentativa de ir ao eterno, sabendo da impossibilidade de chegar. A absoluta forma da cor, numa sucessão pura de estética uni­versal. Ir à luz, sem esquecer as trevas. Partindo das raízes ir ao infinito absoluto deixando um rastro de luz nas manchas verme­lhas que caminham numa orgia sem glória, sem regras, obede­cendo simplesmente os impulsos da imaginação. Fragmentos involuntários numa fundamentação do sagrado, e na terrível magia transgredida do absoluto. Tangível singularidade na recriação do universo. Uma invasão de influências de elemento figurativos intencionais, que leva-me a outros símbolo, outros universos."



Por tudo dito acima, rejubilem-se os amantes da Beleza artística, que tiveram a oportunidade de contemplar as maravilhosas telas de tão inspirada pintora

01/03/2015

Marcelo Alves
Marcelo Alves


Sobre Edward Coke

Não faz muito tempo, escrevi aqui sobre William Blackstone (1723-1780), o autor dos renomados “Commentaries on the Law of England”, por muitos considerado o grande compilador e sistematizador do “common law” inglês. Na ocasião, lembrei que Blackstone, embora celebrado no ambiente do “common law” (tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos da América), é pouco conhecido entre os juristas da tradição do “civil law”. Hoje, seguindo essa toada de tentar divulgar entre nós o direito anglo-americano, vou escrever sobre o outro grande jurista inglês: Sir Edward Coke (1552-1634).

Nascido na pequenina vila de Mileham, no condado de Norfolk, Edward Coke, após a realização do ensino fundamental e médio de sua época, teve consolidada sua formação, direcionada ao estudo do Direito, no Trinity College da Universidade de Cambridge. Talentoso, sua ascensão foi meteórica. Elegeu-se Membro do Parlamento inglês em 1589 e, já em 1592, “Speaker of the House” (algo semelhante ao nosso Presidente da Câmara dos Deputados”). Um ano mais tarde foi nomeado “Attorney General of England” (cargo semelhante ao nosso Procurador-Geral da República), tendo se mostrado competente acusador em casos importantíssimos, tais como o da acusação de traição de Sir Walter Raleigh (1552-1618) e dos conspiradores da famosa “Gunpowder Plot” (a “Conspiração da Pólvora”, de 1605). Coke foi ainda “Chief Justice” (leia-se, para facilitar, Presidente) de dois importantíssimos tribunais ingleses da época: a “Court of Commom Pleas” (1606) e o “King's Bench” (1613). E esses foram apenas alguns dos cargos exercidos por esse brilhante advogado e político. Na verdade, Coke foi, certamente, o maior jurista inglês durante os reinados de Elizabeth I (de 1558 a 1603) e James I (de 1603 a 1625).

Edward Coke foi sobretudo um excepcional constitucionalista em um país de Constituição não escrita, no qual não há, pelo menos assim classicamente se diz, controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Foi um defensor da Constituição britânica mesmo em oposição às vontades do Monarca e do Parlamento. Como juiz, sua decisão no caso Thomas Bonham v College of Physicians 8 Co. Rep. 114 (Court of Common Pleas [1610]), conhecido como “Dr. Bonham's Case”, é famosíssima. Em síntese, ali é afirmado que o “common law” (leia-se: o direito primordial inglês), através de suas cortes, deve “controlar” os atos do Parlamento (leia-se: as leis) e, em sendo eles desarrazoados ou repugnantes (“repugnant”), declará-los nulos (“void”). Muito se discute sobre a real intenção de Coke com essa decisão, mas, sem dúvida, aí está uma semente daquilo que hoje chamamos de controle jurisdicional de constitucional das leis.

É verdade que, na Inglaterra, como sabemos, acabou por prevalecer o Princípio da Supremacia do Parlamento, imaginado (ou, pelo menos, enfaticamente defendido) pelo já citado William Blackstone, mais de um século depois, em seus “Commentaries on the Law of England”. Entretanto, ironicamente, a tese de Coke em “Dr. Bonham's Case” foi exportada para os Estados Unidos da América, onde ganhou o aplauso dos “Founding Fathers” daquela imensa República, sobretudo de John Marshall (1755-1835), o mais célebre dos “Chief Justices” da “US Supreme Court”. Alguns chegam a afirmar que o “Dr. Bonham's Case” foi a inspiração, até pela coincidência no uso das expressões “repugnant” e “void”, para a decisão de Marshall em Marbury v. Madison 5 US 137, 1 Cranch 137, 2 L.Ed. 60 (1803), caso no qual, segundo convencionado, está a origem do “judicial review of the constitutionality of the legislation” (que chamamos de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis - modelo difuso).

Como jurista, Edward Coke foi, também, sobretudo quando já mais velho, um grande legislador. Basta lembrar que ele foi o idealizador, como presidente da comissão criada na “House of Commons” especialmente para sua elaboração, da “Petition of Right” (1628), um dos mais importantes diplomas legais do constitucionalismo inglês ao lado da “Magna Carta” (1215) e do “Bill of Rights” (1689). A influência da “Petition of Right”, aliás, transborda as fronteiras do Reino Unido, tendo servido de inspiração, como amplamente reconhecido, para outros monumentos legais, como a Constituição americana (1787) e o seu “Bill of Rights” (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Homem das Nações Unidas (1948).

E se não bastasse isso, Edward Coke também é autor de obras “doutrinarias” fundamentais para a compreensão do “common law” com um todo. Suas duas obras mais importantes - os 13 volumes de seus “Law Reports”, conhecidos como “Coke's Reports” e os seus “Institutes of the Lawes of England” em 4 volumes (1628-1644) - foram e são ainda hoje estudados e citados tanto na Inglaterra como nos EUA. Para se ter uma ideia, durante décadas, essas duas obras foram as principais fontes de conhecimento do “common law” para os colonos e os primeiros republicanos da América do Norte.

É verdade que Edward Coke também passou por maus momentos. Foi removido de suas funções judiciais em 1620. Chegou a ser preso. Esse é preço que se paga por defender a Constituição contra o Parlamento e até mesmo contra o Rei de plantão. Mas ele retornou à cena política nos seus anos de madureza. E, desta feita, como já visto, com a “petição dos direitos do cidadão” na mão.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

28/02/2015

PARA NÃO CAIR NO ESQUECIMENTO

 

Esmeraldo Siqueira (1908 – 1987)


Médico, professor, poeta, crítico literário potiguar, nasceu em 16 de agosto de 1908 e morreu em 20 de junho de 1987.

"Expressão mais alta da nossa vida literária e científica", nas palavras de Veríssimo de Melo, Esmeraldo Homem de Siqueira nasceu em Vila Nova, hoje Pedro Velho (Rio Grande do Norte), filho do juiz Joaquim de Siqueira Cavalcanti e de dona Maria Joaquina de Siqueira Cavalcanti. Transferiu-se com seus pais para Natal em 1913, iniciando no mesmo ano seus estudos primários no Grupo Escolar Augusto Severo. Depois, estudou no colégio Santo Antônio e no Ateneu Norte-rio-grandense.

Em 1928, matriculou-se na Faculdade de Medicina do Recife onde colou grau na turma de 1933. Começou a exercer a profissão em Jardim do Seridó. De lá, nas horas vagas, escrevia e mandava para A República os seus "Intentos", série de artigos sobre literatura e filosofia. A partir de 1936, transferiu-se para Natal e passou a lecionar na Escola Normal a disciplina de História Natural. Em 1941, ingressa no quadro de professores do Ateneu Norte-rio-grandense ensinando Língua e Literatura Francesa. Para essa cadeira publicou "Letras de França" (1969), que é uma espécie de excursão didática erudita nas obras e nas vidas dos grandes autores franceses.

Intelectual polêmico e contestador, portador de uma vasta cultura científica e humanista, colaborou assiduamente nos jornais A República, Diário de Natal, Correio do Povo e Tribuna do Norte. Neste último, manteve uma coluna semanal sobre literatura e filosofia entre os anos de 1954 e 1955.

Era um homem de temperamento arredio, contrário às reverências aos poderosos e aos círculos de privilegiados, preferindo o trabalho intelectual solitário que exercia habitualmente à noite, encerrada a jornada diária pelos colégios onde ministrava aulas. Deixou dezenas de livros editados versando sobre temas da literatura clássica européia, sobretudo francesa, mas também sobre temas da cultura brasileira.

A maioria desses livros foi paga por ele próprio. Na poesia, deixou uma produção vasta e variada, lírica, satírica, romântica.

Descrevendo-o em artigo, assim se expressa seu filho Juliano Siqueira: "Esmeraldo escreveu seus poemas de acordo com seu credo literário: romântico, parnasiano, simbolista, moderno. Um humanista."

Em 1949 funda, com outros colegas, a Faculdade de Farmácia e Odontologia - primeira escola superior da Universidade Federal no Rio Grande do Norte - onde lecionou a cadeira de Botânica Farmaceutica. Foi também um dos fundadores da Faculdade de Filosofia à qual vinculou-se depois que essa instituição acadêmica foi incorporada à Universidade Federal.

Em 1957, fundada a Faculdade de Filosofia de Natal, passa a lecionar Língua e Literatura Francesa. Aposenta-se em 1958 na cadeira que ocupava na Faculdade de Farmácia. Suas aulas, cultas e descontraídas, ficaram famosas por atraírem grande número de alunos, inclusive vindos de outros cursos. Ingressou, a convite, na Academia Norte-rio-grandense de Letras, em 1949, ocupando a cadeira número 29, cujo patrono é Armando Seabra.

Obras:

Caminhos Sonoros (versos), Tipografia A. Lira, Natal, 1941;
Roteiro de uma Vida, editora Pongetti, Rio, 1968;
Música no Deserto, editora Pongetti, Rio, 1968;
Fauna Contemporânea - Sátiras, editora Pongetti, Rio, 1968;
Novos Poemas (versos), Departamento Estadual de Imprensa, Natal, 1950;
Taine e Renan (ensaios), editora Pongetti, Rio, 1968;
Sugestões da Vida e dos Livros (crítica literária) Imprensa Universitária, Natal, 1973;
Caminhos Sonoros (poesias) editora Pongetti, Rio 1941;
Poemas do Bem e do Mal (poesia), editora Pongetti, Rio, 1984;
Pretéritas (poemas) editora Pongetti, Rio, 1984;
Jorge Fernandes Desconhecido in "Revista da ANL", número 15, voluma 27, novembro de 1979/80.
Fonte:Blog Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes
 

 

O professor Esmeraldo Siqueira

Diversas gerações conviveram no Atheneu, no bairro de Petrópolis, pelos anos de 1960. Devem-se registrar os fatos vividos, dos quais…

Diversas gerações conviveram no Atheneu, no bairro de Petrópolis, pelos anos de 1960. Devem-se registrar os fatos vividos, dos quais participamos ou fomos testemunhas oculares. Foi uma época de conquistas, de manifestações literárias e mudanças políticas. Acontecências históricas, como a revolução em Cuba; os “Beatles”, Elvis Presley; as reformas de base; a UNE Volante e a bossa nova, que definiram os novos rumos.
Dentre os professores do Atheneu, à mercê de boa memória, lembramos Celestino Pimentel, Protásio; Rômulo Wanderley; Vicente de Almeida; Raimunda Bularmaqui; Evaldo; Albimar; Crisan; Rui Santos; Luiz Maranhão; professor Severino; Diva Lucena; Moacir de Gois; Ivone Barbalho; Angélica, Pe. João da Mata, Teresa Brito, Milton Amaral; Cônego Wanderley; e o professor Tião. Foram muitos. Uma figura singular, entretanto, era a do professor Esmeraldo Siqueira. Após a experiência inicial frustrada na profissão de médico em jardim de Angicos, o professor Esmeraldo retornou a Natal. Tendo de abandonar sua formação profissional, agregou-se ao magistério até o fim. Desde a recém-criada Faculdade de Farmácia ao Atheneu Norte-rio-grandense, lecionou por todos os anos. No ensino médio ocupou a cadeira de língua francesa, mesmo sem ter especialização em linguística.
De passos largos e cadenciados, tinha o guarda-chuva sempre à mão. Agnóstico, a voz firme repetia em francês, como se sua fosse, a indignação de Voltaire – Ecrisé l´infame – em referência à religião. Por seu espírito carismático e contestatório, atraía a admiração e o reconhecimento dos jovens. De temperamento forte, retrucava crítica demolidora a tudo que lhe contrariasse os princípios. Revelava o bom humor, favorecido pela graça de uma pilhéria. De literatura sua verve parnasiana facilitava a criação de versos simples, com rigor exigente quanto à métrica e a rima. Repudiava as renovações literárias, mais ainda se compromissadas com engajamento político. Dizia-se apolítico, entretanto fora udenista por gratidão. Não tencionava reprovar os alunos. Bastava que o Atheneu os ensinasse a ser macho.
Certa manhã, um grupo de alunos foi ao encontro do professor Esmeraldo. Inocentemente, passaram para ele a cópia de uma poesia contestatória, de caráter panfletário, divulgada na época. Tinha por título “I.N.Ê.S”, epíteto motivadamente revelado no subtítulo: “Impotência Neurótica, Econômica e Social”, com denúncia à situação do país. O poema que falava “dos esgotos do federalismo”, de corrupção e outras mazelas, atribuídos à vida das elites. A pretensão modernista do texto era voltado à conscientização obrerista das massas, recheado de chavões. À menor lida, o professor Esmeraldo sentiu-se provocado, devolveu o texto e sem parcimônia bradou palavrões. Repudiou aquilo como poesia, nem lhe reconheceu valor. O professor Esmeraldo baixou o centralismo democrático e não foi contestado.
No seu diletantismo, as aulas do professor Esmeraldo se concentravam em verdadeiro panegírico sobre a França que ele não conhecera. Ora fazia perorações sobre o Iluminismo; ora fazia citações sobre o romantismo e os autores preferidos. Ou se entusiasmava pela conjura política dos jacobinos. Em relação à escola realista, destacava Eça de Queiroz, cujos romances fez anotações, em especial pelas peripécias do Primo Basílio. Não economizava louvores a Machado de Assis. Exaltava Aluízio de Azevedo e Raul Pompeia. A fora disso, prevaleciam os fatos triviais e paroquianos da província, ou a inquisila que indispunha os intelectuais conterrâneos entre si. A falta de modéstia não permitia afagos entre eles.
Certo final de ano, o professor Esmeraldo reuniu duas turmas concluintes, a fim de aplicar as provas finais. Ditou questões e respostas, para uma turma e depois para a seguinte, as quais copiavam, na mesma sequência. Ao fim, o professor aplicava um rodízio de notas que ia da nota oito à nota dez e vice-versa.
Um aluno sentindo-se ofendido em seus pendores, acrescentou à resposta sua discordância daquela forma de fazer exame. Ao ler a desdita, o professor Esmeraldo desceu as escadas à procura do aluno, que se retirara, sem encontrá-lo. Transtornado, retornou à sala da prova e diante dos presentes, lavrou na prova do indigitado aluno o diagnóstico, os termos que eram apropriadamente de sua formação. Recomendava, como médico, às autoridades sanitárias a internação daquele elemento em hospital psiquiátrico. Subscreveu a sentença e autorizou que fosse arquivada.
Já decrépito, mas sem perder a graça, recebia na Rua Jundiaí a visita de ex-alunos. Tinha ainda ânimo de gozar com a vida: “Aos poucos estou sendo consumido pelos fundos, como acontece com as panelas, meus filhos.”, gracejava.

Gileno Guanabara, advogado e vice-prefeito de Extremoz
(gilenoguanabara@gmail.com)

27/02/2015

14-3-2015

Opinião


ECONOMIA NEGATIVA (OU ATIRANDO NO PRÓPRIO PÉ?)
                                                                                                                                                   
      Públio José – jornalista

Sócio efetivo do IHGRN
 
                        O que mais se tem ouvido falar ultimamente, em se tratando de noticiário econômico, é o corte de gastos que o governo está promovendo para equilibrar o orçamento. É a tesoura dos tecnocratas penetrando fundo nas entranhas do orçamento para adequá-lo, segundo as próprias bocas governamentais, à realidade vigente. As manchetes, por sua vez, têm apregoado essa medida governamental com volúpia e estardalhaço, como se o fato de o governo projetar um volume de investimento, para depois cortá-lo, tivesse um viés meramente econômico ao invés de embutir alta taxa de imprevisibilidade governamental. Os cortes chegam à casa dos bilhões e bilhões de reais. Coisa de assustar. Isso, por acaso, soa como medida racional? Ou sugere haver, no mínimo, um padrão meio doidão, meio bamboleante, no tocante ao planejamento dos investimentos e dos gastos governamentais?
                        Com isso, não estou querendo ser contra uma realidade econômica que se impõe. O que acho estranho é se anunciar, com bandas e fanfarras, um volume de investimentos que deixa todos os segmentos na maior expectativa, para, dias depois, anunciar-se cortes de tal monta que nos deixam tontos, capazes até de nos lançar em clima de bovina melancolia. Isso sem falar na prejudicial falta de credibilidade que tais iniciativas do governo passam a merecer da opinião pública, aí incluídos, principalmente, os segmentos mais interessados no assunto, como economistas, empresários, políticos e Imprensa. O que levanto, portanto, não é uma posição contrária aos cortes em si, mas tão somente uma postura crítica em relação à planejamentos fantasiosos e a facilidade com que, no Brasil, os governos anunciam vultosos investimentos sem a necessária e obrigatória substância orçamentária.
                        É lá se vão tantos milhões pra ali, tantos milhões pra acolá, outros tantos bilhões pra isso, outros tantos pra aquilo, em investimentos tão alvissareiros, que, se transformados em realidade, já teriam feito o Brasil se encarapitar na cumeeira da mansão do Primeiro Mundo. Atrelado a esse mundão de dinheiro que os governos, imprudentemente, fazem escorregar pelo vale profundo do desgoverno, são divulgados, com estrepto e foguetório, números impressionantes na criação de empregos. Aí a galera começa a sonhar. Sonhar com a compra da tv de última geração, com o celular que toca, canta, requebra, fotografa, com a ida ao shopping mais chique, com aquela viagem tão acalentada... E haja sonhos para, dias depois, vir tudo de água abaixo com mais um comunicado das autoridades. Desta feita para informar que, ao invés dos tais investimentos, a vez agora é de cortar, e cortar, e cortar. Como pode?
                        Dias desses uma revista semanal fez um levantamento do volume de obras inacabadas pelo país afora e descobriu um patrimônio incalculável de dinheiro jogado fora, de recursos desperdiçados pelos nossos governantes – irresponsavelmente. Culpar, em vista desse descalabro, somente os atuais ocupantes do poder? Nem pensar, pois tal comportamento ensejaria uma enorme injustiça, embora os de hoje também venham contribuindo para a continuidade desse fenômeno tão brasileiro. Aliás, essa visão distorcida e desprovida de rigor com o planejamento estatal, essa postura de iniciar obras sabendo, de antemão, que o dinheiro não dará para terminar vem de muito longe. E caracteriza muito bem o pensar e o agir dos nossos homens públicos desde priscas eras. Falando nisso, tem circo no pedaço? “E o palhaço que é, é ladrão de mulher!”. Olha o circooo! O circo chegooou! Olha o circooo! Legaaaaaal!!!
                                                 

26/02/2015

PROFESSOR ÁLVARO NAVARRO


Jurandyr Navarro
Do Conselho Estadual de Cultura

Fez concurso para o Atheneu Norte-Rio-Grandense, aos 31 anos de idade, para disciplina Ciências Físicas e Naturais, no ano de 1933. O velho educandário recebeu os seus ensinamentos por largo período, até a sua aposentadoria. Professor dos mais competentes ostentava como marca do seu caráter, de cidadão honrado, a cordialidade.
Além do cumprimento do dever, em sala de aula, durante o período letivo, costumava, também, proferir palestras nos chamados cursos de férias, modalidade do magistério, em uso habitual daquela época.
O primeiro natalense formado em Farmácia, originário de curso superior fundado em solo potiguar. A sua cola­ção de grau deu-se no final de 1925, pela Escola de Farmácia de Natal, criada no governo Antônio José de Melo e Souza, através Lei Estadual n° 497, de 02 de dezembro de 1920 e do subsequente Decreto n° 192 de 08 de janeiro de 1923. Em seguida, no mês de dezembro do mesmo calendário, surgiu o Curso de Odontologia, ane­xado à referida escola farmacêutica, pela Lei n° 570, sendo, por via de con­sequência mudada a denominação an­terior para Escola de  Farmácia e Odon­tologia de Natal, perdurando até o seu desdobramento em 1960, através le­gislação pertinente.
Os nomes das duas unidades de en­sino superior sofreram alteração, com o passar do tempo, em obediência à evolução universitária. (Dados confe­ridos do livro "História do Ensino Far­macêutico no Rio Grando do Norte" -1920 - 1922) da autora, professora e doutora Maria Célia Ribeiro Dantas Aguiar), neta do biografado e herdei­ra do seu anel de formatura.
Esta é a obra exclusiva e completa, até o momento, já escrita em relação ao assunto versado.
O quadro dos diplomados da primei­ra e única turma da Escola de Farmácia de Natal, teve, como Paraninfo, o médico português, então sediado em nossa cidade, Francisco Gomes do Valle Miranda. Os homenageados foram Joa­quim Torres, Antônio José de Melo e Souza e José Augusto Bezerra de Me­deiros. E os alunos concluintes, dois apenas: Álvaro Torres Navarro e José de Almeida Júnior, este último, paraibano, exercendo, depois, a profissão em Cam­pina Grande. Outros, desistiram da titu­lação, durante o curso.
A Escola de Pharmacia de Natal foi extinta, logo depois, durante o gover­no José Augusto de Medeiros, por falta de alunos.
No ano de 1947, foi criada a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Natal, pelo Decreto - Lei 682, por ins­piração do professor Luiz Soares de Araújo.
Álvaro Navarro foi docente catedrá­tico do Atheneu Norte-rio-grandense, desde a década de 1930. Lecionava a dis­ciplina Ciências Naturais e participou de inúmeras Bancas Examinadoras.
A vocação de farmacêutico fôra-lhe transmitida pelo tio materno, Joaquim Torres, proprietário, a esse tempo, da "Farmácia Torres", situada na Praça Sete de Setembro, desta Capital. Desde a adolescência que o então jovem, seu  sobrinho, ajudava-o, despachando re­médios, aplicando injeções, manipu­lando produtos químicos e adminis­trando outros procedimentos farmaco­lógicos.
Essa experiência fez dele proprietá­rio, mais tarde, da "Farmácia Navarro", no nascente bairro do Alecrim, desta cidade. Foram dois prédios, a velha e, depois, farmácia nova, situadas na mesma avenida - Amaro Barreto.
Numa, e em seguida, noutra, passou a vida inteira, ministrando a sua com­provada competência. O seu nome, como profissional, cresceu e firmou-se na sociedade natalense. Foi ele um precursor da farmacologia do Rio Gran­de do Norte, merecedor, portanto, de homenagens da nobre classe e cultuada a sua memória.
Era dotado de espírito sociável, apre­ciando os ambientes festivos em datas comemorativas. Sem se envolver, vi­brava o entusiasmo por ocasião dos mo­vimentos políticos, não ficando omisso ao debate nas rodas de amigos e conhe­cidos. A tudo acompanhava pelos jornais. Tinha inscrição na Associação de Im­prensa, o que atesta o seu interesse pela divulgação das ideias, no processo da evolução social.
Quando convocado, frequentava reu­niões da Associção dos Professores do Estado, emprestando a sua colaboração às conquistas do magistério público, que fazia parte.
A "Farmácia Navarro", o ponto de encontro das conversações com amigos, durante o dia e à noite.
Na minha meninice, costumava pas­sar, com meus irmãos, Juracy e Jahyr, dias de domingos, na acolhedora man­são do Alecrim, na convivência salutar e fraterna de suas filhas diletas. Depois, a residência foi mudada para rua Prin­cesa Isabel, na Cidade Alta.
Na condição de sobrinhos, seguíamos de perto a sua conduta socializante, não somente no seio familiar, como tam­bém, em círculo mais amplo do compor­tamento humano.
No Atheneu, acompanhando os seus passos de professor receptível às consi-derações do alunado. Suas aulas, de cla­reza meridiana, nos diversos questiona­mentos da disciplina.
No diálogo privado, dele, muito foi aprendido, dos seus úteis conselhos. In­centivava a leitura dos bons livros. Pos­suía ele, a enciclopédia da adolescência daquele tempo, em Natal: - "Tesouro da Juventude", obra maravilhosa, compos­ta, se me não engano, de dezoito volu­mes, contendo os mais diversos conhe­cimentos humanos. Recordo as sábias in­formações de Clóvis Beviláqua, na sua introdução. Desse quilate, os livros que recomendava à leitura e ao estudo.
O seu lar, espécie de jardim sempe florido e encantador, predominando o perfume da rosa da educação e o cravo do sentimeno amoroso, que dividia com a esposa, Maria da Glória e descen­dentes.
O filho caçula, José, saiu cedo de casa e foi ser médico em São Paulo. As filhas, Cleide, Maria Antônia, Cleves e Alvair, pertenciam, na época, ao seleto número das moças mais bonitas de Natal.
Os netos, o encanto da sua vida.
Partilhava com os genros, Múcio Ri­beiro Dantas, Jair Vilar, Ossian Guedes e José Mesquita, o bem viver e a ven­tura de uma família feliz.
Com eles, abria a alma, o coração e o entendimento; e, sobre todos, der­ramava a bênção de pai.





Professor do Atheneu Norte-Rio-Grandense
Sentados da esquerda para direita; Álvaro Navarro, Ismael Nazareno,
Padre Monte, Custódio Toscano, Celestino Pimentel, Hostílio Dantas, Mons.  Matha e  Edgar B