03/11/2014

Marcelo Alves


Sobre Hélio Galvão

Menino de calças curtas, nascido em 1972, eu devo ter estado na presença de Hélio Galvão (1916-1981) um bocado vezes. Ele foi grande amigo da minha família pela inteireza da sua vida. Entretanto, estranhamente, não tenho qualquer recordação da presença física dele em minha infância.

Foi por “ouvir dizer”, como costumamos falar na linguagem jurídica, que dei conta, pela primeira vez, da existência daquele grande homem. Coisa de meados ou fim dos anos 80 e começo dos 90. Saindo da adolescência, eu entrava no curso de direito da Universidade Federal do Rio Grande Norte. Eram conversas entreouvidas, comentários de meu pai e de minha mãe e, sobretudo, histórias contadas pelo meu tio Aluízio Alves (1921-2006), cuja amizade com Hélio durou, atravessando dias tristes e alegres, toda uma vida. E tudo isso foi mais que suficiente para incutir no jovem estudante de direito uma forte impressão da genialidade de Hélio Galvão.

O tempo passou. Aprendi a ouvir e a ler mais criticamente. Aprendi a pensar (pelo menos acho que sim, o que, para qualquer cartesiano, já é alguma coisa). E o que era impressão tornou-se certeza. Hélio, a exemplo dos grandes polímatas de outrora, foi um homem genial, um escritor múltiplo e grande amante dos livros, um dos maiores homens que esta terra de Poti já produziu.

Hélio Mamede de Freitas Galvão nasceu em 18 de março de 1916 na sua amada Tibau do Sul. Fez o ensino médio já em Natal. Bacharelou-se em direito, pela antiga Faculdade de Direito de Alagoas, em 1950. Casou-se com Ilíria Tavares Galvão em 22 de setembro de 1936. Tiveram quatorze filhos. Religioso, de personalidade forte e poucas palavras, foi um ótimo marido e um maravilhoso pai. Faleceu, de problemas no coração, no seu escritório, em Natal, em 20 de outubro de 1981.

Nos seus 65 anos de vida, Hélio foi, entre outras coisas, um homem público (tabelião em Pedro Velho, Presidente da Fundação José Augusto e fundador do MDB), professor (em mais de uma faculdade do que hoje é a UFRN), jurista (e especificamente advogado militante), historiador, antropólogo, sociólogo, jornalista e cronista (em “A razão”, “A Ordem”, no “Diário de Natal”, na “Tribuna do Norte” e em “A República”), membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN e imortal da Academia da Norte-rio-grandense de Letras.

Para se ter uma ideia da sua grandeza, em “Hélio Galvão (1916-1981): o saber como herança” (de 2007), sua biógrafa, Gilmara Benevides Costa, informa ser Hélio autor de quatorze livros (nove publicados em vida e cinco póstumos). Deles, destaco dois. O primeiro é a belíssima “Historia da Fortaleza da Barra do Rio Grande” (de 1999). Livro de qualidade extraordinária, em termos de conteúdo, estilo e formato, que merece ser referência em qualquer universidade ou biblioteca do mundo. Entre outras coisas, foi a partir dele, diz-se, que se consagrou, para o principal monumento da “Cidade de Natal”, a denominação de “Fortaleza” e não de “Forte”. O segundo é a edição em capa dura de “Cartas da Praia”, lançada em 2006, que agrupa, em belíssimo formato, com cerca de 400 páginas, três de seus livros de crônicas anteriores (“Cartas da Praia”, “Novas Cartas da Praia” e “Derradeiras Cartas da Praia”), crônicas essas publicadas originalmente no jornal Tribuna do Norte. As “Cartas da Praia”, além de extremamente fundamentadas, são, certamente, a obra mais lúdica de Hélio, de uma beleza poucas vezes alcançada nesta terra de Câmara Cascudo (1898-1986) .

Coincidentemente, ambos os livros - “Historia da Fortaleza da Barra do Rio Grande” e “Cartas da Praia” - estão, cada qual ao seu modo, relacionados ao mar, algo que Hélio Galvão tanto amava. Não ao “Mar Portuguez”, ao “mar sem fundo”, de Fernando Pessoa (1888-1935), mas ao mar de Natal (com sua Fortaleza na boca da barra) e, sobretudo, ao mar de Tibau do Sul, a Pasárgada de Hélio, com suas histórias e estórias, seus costumes, seus peixes, seus pescadores e seus barcos.

Hélio, ao tomar o barco que um dia todos nós iremos tomar, e navegar rumo ao desconhecido, deixou-nos, é verdade, como disse sua biógrafa, “o saber como herança”. Mas não foi só isso. Deixou-nos, também, um exemplo de homem e jurista de bem a ser seguido.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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