20/07/2017



RELEMBRANDO BOB MOTTA

Valério Mesquita*

Morreu Bob Mota, o poeta do povo. Foi autor consagrado que dispensa ladainhas. Publicou mais de quinze cordéis e manteve coluna semanal “Cantinho do Zé Povo” em jornais de Natal e de outros municípios. O irrequieto Roberto Coutinho da Motta foi acolhido no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte como notável pesquisador das raízes da nossa cultura popular e por tanto brasileira, pela demonstração da exuberância da fala do povo, da sua capacidade de fabular que nasce da mitologia do cotidiano.
Seu livro “Preservando o Matutês” teve uma segunda edição devido ao sucesso alcançado pelo primeiro volume que o tornou mais conhecido e respeitado nos meios culturais e de comunicação. Inclusive, participou das duas últimas edições do FESERP – Festival Sertanejo da Poesia – Prêmio Augusto dos Anjos, em Aparecida, Paraíba, classificando-se com os poemas matutos: “A Queima de Espinho” e “Meu Chapéu de Couro”, em oitavo e sexto lugar, entre 195 e 208 participantes respectivamente. Ganhou o título de cidadão da Câmara Municipal de Boa Vista/PB.
Mais ainda, com honra para o Rio Grande do Norte, ele integrou a equipe do humorista Tom Cavalcante, como redator free lancer, de 1999 a 2000, colaborando com piadas, causos, poemas matutos e paródias de sua autoria.
O segundo volume é enriquecido com mais oito cordéis sobre fatos ocorridos no dia a dia do Brasil e do mundo, como fiel observador do panorama visto de cima da ponte Newton Navarro. Vale dizer, que o autor resgatou com lucidez e seriedade um patrimônio espantosamente rico de nossas raízes prestes a ser esquecido. Os verbetes acrescidos e anotados com riqueza de detalhes, fixam para sempre o autor como um estudiosos inigualável da linguagem popular pura e genuína, como as águas inaugurais dos velhos tempos do nordeste brasileiro. Os olhos do autor, ao longo de sua vida estiveram sempre fixos na direção do relâmpago do sertão do Cariri resistindo, pesquisando e defendendo a poética maneira de ser da gente, confirmando a perene identidade de suas raízes.
Ninguém, mais que o nosso Bob, merece o título de HERÓI DO SERTÃO, não por andar na caatinga feito justiceiro armado, mas por haver recolhido, junto ao povo, um linguajar – o “matutês – resultante de contingências históricas, sociais, econômicas e, principalmente, culturais”.
Bob Motta conduziu a sua obra como fruto de uma pesquisa enriquecida pela verve e bom humor tanto potiguar quanto do Cariri paraibano, tal e qual um ato de amor e de coragem.
Amor às raízes de sua região, o Nordeste, à fala arguta da gente simples do sertão, à riqueza vocabular de homens humildes que muitas vezes, sem saber, utilizam expressões verbais extraídas do português camoniano do século XVI.
Teve a coragem de registrar – quando a atenção do grande público é conduzida para a problemática urbana ou cosmopolita – a presença atuante e preponderante de uma realidade rural que se impunha pela riqueza do imaginoso e poético.
Em todas as suas obras, é constante a imagem do sertão e dos sertanejos, das figuras tradicionais, folclóricas, e acima de tudo, pela exuberância fala do povo, da sua capacidade de fabular.
O poeta viveu de 1958 a 1981, ao lado de seu pai, o saudoso empresário João Francisco da Motta, “Seu Motta”, no sertão do Cariri paraibano. Em 1981, com o seu falecimento, Bob ainda ficou por lá até 1991. Sua sensibilidade, sua capacidade de glosar e “gozar” são alimentadas pela seiva inesgotável de humor nordestino que parece fundamentar-se na aspereza e na ternura da geografia, das plantas, das macambiras, dos xiques-xiques e das amorosas. E pontualmente do verde escuro das serras que se tornam azuis na neblina do amanhecer e se avermelham no incêndio do crepúsculo.
Nesse cenário o autor edificou sua existência e sua literatura. Sempre, em seu ouvido secreto cantará a voz do matuto narrando  “causos” no alpendre, diante da noite imensa, ritmado pela sanfona do forró de pé de serra. Não faltarão as imprecações jocosas durante o jogo de sueca, as sonoras flatulências sertanejas sublinhando as sentenças seculares.
Bob Motta, herói de letras, sílabas, palavras, com talento, deixou um legado, um acervo robusto de linguagem popular, como sua perene identidade com a gente nordestina.

(*) Escritor.

17/07/2017

AMANHÃ - DIA 18



15/07/2017


PERDEMOS O CANTO E O ENCANTO

Valério Mesquita*

Claro que me refiro à campanha política eleitoral nas ruas, nas praças, nos dias e noites, nas estações de rádio e televisão. Se comparada às dos anos sessenta, setenta, e colocadas na vitrine a performance, a beleza plástica, humana, visual e emocional – a de hoje não vai valer sequer 1,99. A oratória fluente, candente e sedutora de ontem que enfeitiçava o povo, dividido nas cores e gestos dos seus líderes, apontava caminhos e ideais que não retornam mais. Enquanto a de agora forma uma grossa cascata de interesses, os líderes daquele tempo sabiam atravessar as noites escuras como se soubessem mais do que o próprio peso, o peso das sombras, a cor do vento e o segredo das estações da política. Aluízio, Dinarte, Georgino, Lamartine, José Augusto, catalisavam e irradiavam energias criadoras, como Djalma Marinho, Dix-Huit Rosado e Cortez Pereira ofertavam cultura e saber humanístico.
Se alguém redarguir que o melhor político é o político morto, respondo que não. Vale, atualmente, aquele que sabe humanizar o horror do mundo. Silenciar a memória de um líder ou o seu tempo é a maior revelação de nossa omissão e covardia. Aluízio Alves, por exemplo, com suas músicas, passeatas, carreatas, sabia decifrar os signos da política. Traçava as marcas do seu talento vasto no mesmo tom de sua ira, modelando aí a sua imagem pessoal, naquele mundo de temperaturas e temperamentos em que viveu – de pressões e tensões, tal e qual um meteoro lírico da natureza humana, impossível de ser reinventado. Já Dinarte Mariz foi fiel à palavra dada e à humanidade tida. Em sua vida viveu as descobertas sucessivas dos homens e das coisas do Rio Grande do Norte. Os dois líderes acharam a palavra que, dita nas ruas, nas estradas e nos campos, envolvia a unidade do gênero humano.
Hoje não. Reina a dispersão. A alma não é vasta e a obra é imperfeita, parafraseando Fernando Pessoa. Teríamos perdido os caminhos e os sonhos? São raríssimos os sobreviventes do carisma, do glamour, do charme, das passadas tradições da arte política potiguar, emocional e lírica. Mas, concordo com a assertiva de que a legislação eleitoral pôs freios e desligou a alta voltagem da vibração popular e os curtos-circuitos da classe política, caídos na vala comum da improvisação, da futilidade e da lei de Gérson. Participei, desde 1960, de muitas lutas políticas sem nunca haver perdido na memória e nos olhos o brilho das multidões em delírio, sem medo de atravessar as ruas. Acabou-se, - pode o leitor averiguar - pois é difícil se achar hoje a íntima e apaixonada identificação entre o eleitor e o candidato. Morreu aquela parceria de relação íntima e confiável que preside a sensibilidade de cada um.
Eu digo isso porque é o que fica e se transfunde na condição humana de optar, escolher e votar no candidato. O político parece haver largado o sotaque do povo e dos seus costumes, que o “feiticeiro” Aluízio sabia fazer com humor e ironia. Embora entenda que o político às vezes é como o fogo (“se renova das cinzas”). Vemos hoje na propaganda novos vultos e ambientes difusos, mas também a sociedade viúva ainda de líderes verdadeiros. As lideranças viraram sublegendas. Parece haverem desaprendido o caminho das pedras e das veredas dos votos. A minha esperança é a de que os agentes partidários da atualidade possam reinventar o fluxo virtual da sua atividade sem a politiquice militante, inspirando-se na autenticidade de espírito dos velhos líderes, com grandeza interior. Porque eles foram dotados de poderes mágicos, a ponto de terem no semblante e nos gestos o sentido e o rumor do humano, da paisagem e do tempo. Sem nostalgia, ouço ainda as canções eternas e chego à conclusão, apesar de tudo, que todos eram felizes e não sabiam. E viva Lulu Santos: “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia...”.


(*) Escritor

11/07/2017

GUSTAVO SOBRAL

Diário de notícias

06/07/2017

DE VALÉRIO PARA TICIANO




RELEMBRANDO TICIANO DUARTE



Valério Mesquita*




Certos homens adquirem uma visibilidade tão marcante em seu campo de atuação que se tornam imprescindíveis aos seus contemporâneos, na medida em que suas opiniões e convicções passam a determinar modos de ver e de interpretar os acontecimentos da vida social, política e cultural. É que aos olhos deles nada daquilo que importa passa ao largo.

Assim vejo e identifico o meu primo-irmão Ticiano Duarte. Desde a antiga Rua 13 de Maio, depois Princesa Isabel, quando o conheci efetivamente e melhor, lá pelos idos de 1950. De 1954 em diante fui revê-lo na rua Voluntários da Pátria, nº 722, Cidade Alta, telefone 2901. Ele era já expressão do “batepapo” no Grande Ponto, seu fiel ancoradouro, onde se tornara notário público e destemido navegante das ruas e avenidas da política potiguar. Bacharel em Direito da Faculdade de Maceió, tornou-se decano do jornalismo da imprensa potiguar, atividade da qual desfrutou de ilibada notoriedade por sua isenção e imparcialidade nos juízos dos acontecimentos da política. Seu memorialismo ganhava ritmo de crônica e embasamento de historiador. Em seus escritos é possível intuir aquele saber de experiências, traço que distingue o verdadeiro homem de visão de um mero prestidigitador de quimeras.

Foi presença fecunda na imprensa norte-rio-grandense. A colaboração de Ticiano Duarte para a Tribuna do Norte rendeu, numa primeira seleção, o livro “Anotações do meu caderno” (Z Comunicação/Sebo Vermelho, 2000), reunindo os principais fatos políticos dos últimos 70 anos do século passado no Rio Grande do Norte. A precisão das análises, a escolha dos protagonistas,

a evolução dos acontecimentos e o retrospecto dos episódios que marcaram profundamente as vicissitudes da política potiguar encontraram ali o seu cronista mais atento e informado, criterioso e verdadeiro. Nesse livro, objetivamente intitulado “No chão dos perrés e pelabuchos”, avultam as mesmas qualidades que consagraram “Anotações do meu caderno”, com a única diferença de que agora ele se deteve com mais vagar na descrição de perfis e na análise comparativa dos fatos, mesmo separados por décadas. Vultos inesquecíveis da vida pública estadual, como Djalma Maranhão, Georgino Avelino, Café Filho, Aluízio Alves, Odilon Ribeiro Coutinho (“mistura de tabajara e potiguar”), Tales Ramalho (“paraibano por acidente, norte-rio-grandense pelas grandes ligações familiares, e pernambucano por adoção”) são algumas das estrelas de primeira grandeza dessa constelação de escol. Cronista, para quem a política não pode se dissociar da ética, sob pena de naufragar nos desmandos de governantes e correligionários, Ticiano fez o elogio dos políticos exemplares perfilando a figura de Café Filho em toda a sua trajetória. Ao fazer o elogio da lealdade e da coerência, ele retirou do limbo o nome de Walfredo Gurgel, ressaltando que “o seu governo foi um exemplo de seriedade no trato e na gestão da coisa pública. Todo o Rio Grande do Norte sabe desta irrefutável verdade e nem mesmo seus adversários podem omiti-la, por mais que o tenham combatido no campo das diferenças partidárias”.

Em “No chão dos perrés e pelabuchos” Ticiano encontrou silhuetas de políticos esquecidos pela história, mas preservados, por exemplo, numa Acta Diurna de Luís da Câmara Cascudo, como Hermógenes José Barbosa Tinoco, deputado do Partido Liberal que a voragem do tempo soterrou; os entreveros entre pelabuchos e perrés que incendiaram o paiol das agremiações políticas dos anos trinta, que não escaparam à argúcia focada pelo memorialista.

Ele propõe e reforça as teses daqueles que defendem a necessidade de uma urgente reforma política a fim de repor o país nos trilhos da ética e inaugurar uma nova era política de honestidade e honradez. O seu viver espelha na obra que escreveu a lucidez dos seus testemunhos de luta.

(*) Escritor