03/08/2014

ALEJURN


ACADEMIA DE LETRAS JURÍDICAS DO RIO GRANDE DO NORTE - ALEJURN

CONVOCAÇÃO DE ELEIÇÕES

A COMISSÃO ELEITORAL designada pela Portaria n° 01/2014-P, de 10 de julho de 2014, da Presidente, em exercício, da Instituição, CONVOCA todos os Acadêmicos da ACADEMIA DE LETRAS JURÍDICAS DO RIO GRANDE DO NORTE – ALEJURN, para participarem do pleito eleitoral para a escolha dos membros da Diretoria e Conselho Fiscal da referida Academia, a ter lugar no dia 12 de setembro de 2014, em sua sede provisória sita à Avenida Afonso Pena, 1155, 2° andar – Tirol – Natal/RN (dependências da Procuradoria Geral do Estado do RN), no horário das 8 às 16 horas, para o preenchimento dos seguintes cargos: DIRETORIA: Presidente; Vice-Presidente; Secretário-Geral; Secretário-Geral Adjunto e Tesoureiro; CONSELHO FISCAL: Três (03) Membros.
 O edital com as normas editalícias completas está afixado na sede provisória da Instituição, no início indicada.

Natal/RN, 15 de julho de 2014

A Comissão Eleitoral 

FRANCISCO DE ASSIS CÂMARA
Presidente

CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES
Membro

ODÚLIO BOTELHO MEDEIROS
Membro



INSTITUTO NORTE-RIOGRANDENSE DE GENEALOGIA - INRG
CONVOCAÇÃO DE ELEIÇÕES
A COMISSÃO ELEITORAL designada pela Portaria n° 01/2014-INRG de 18 de junho do ano em curso, do Presidente da Instituição, CONVOCA todos os Acadêmicos do INSTITUTO NORTE-RIOGRANDENSE DE GENEALOGIA - INRG, inscrição no CNPJ sob o n° 12.382.295/0001-97 – NATAL-RN, para participarem do pleito eleitoral para a escolha dos membros da Diretoria e Conselho Fiscal da referida Instituição, a ter lugar no dia 13 de novembro de 2014, em sua sede provisória sita à Rua da Conceição, 623 – Cidade Alta, nesta Capital, onde funciona o “Memorial Oriano de Almeida” (anexo do IHGRN), no horário das 9 às 17 horas, para o preenchimento dos seguintes cargos: DIRETORIA: Presidente; Vice-Presidente; Secretário e Tesoureiro. CONSELHO FISCAL: Três (03) Membros Titulares e Um (01) Suplente.
 O edital com as normas editalícias completas está afixado na sede provisória da Instituição, no início indicada. O prazo para registro de chapas: até às 11 horas do dia 19 de setembro de 2014, na mesma sede.
Natal/RN, 23 de julho de 2014
A Comissão Eleitoral
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES
Presidente
JOAQUIM LUIS QUITHÉ DE VASCONCELOS
Membro
ODÚLIO BOTELHO MEDEIROS
Membro
blog Verde Vale
LÚCIA HELENA

TERTULINA, A COZINHEIRA DE VOVÓ MADALENA - UMA EXTRAORDINÁRIA. MULHER!

Lúcia Helena e vovó Madalena, no terraço da casada Hermes da Fonseca, 700, Tirol - foto 1957, numa das tantas e tantas vezes que eu chegava do colégio e corria para ver vovó (nossas casas eram vizinhas).


TERTULINA

Não se dizer quando Terta ( Tertulina ou Tertinha) chegou para trabalhar na casa dos meus avós paternos (os únicos que conheci). Eu saí de Ceará-Mirim antes de completar os sete anos e Terta já existia.
Ainda me lembro do sabor da comidinha feita por Terta. Fazia o trivial, porém, saboroso, bem preparado e estava sempre com um ar de muita paz. Na casa dos meus pais a comida também era deliciosa, mas, como diz o velho adágio: " A galinha do vizinho é bem melhor", isso é verdade.
Terta era loura e longilínea, sua voz era grave e terna, os gestos sempre de carinho para todos, até com a impertinência de vovô Olympio.
De Tertulina jamais esquecerei a carne picadinha torrada. Depois de pronta ela despejava pedaços de cenoura, batatinha e gerimum, já cozidos. O arroz-de-leite era insuperável e servido, sempre, com carne de sol assada e moída. O sarapatel exalando  um cheiro inesquecível, quando já bem cozido, na panela de barro ou alumínio, Terta colocava coentro e cebolinha verde por cima e tampava. O vapor cuidava de fazer a sua parte amolecendo os temperos. Antes de ir para a mesa, numa tirrina de louça ou vidro, ela colocava tomates inteiros e pré-cozidos. O visual era agradável.
Sempre fui um bom garfo. As empregadas de mamãe eram ótimas e se esmeravam nos doces, canjicas, pamonhas, feijoada, cozido, galinhada, galinha à cabidela,  peru cevado no quintal e depois, muito bem temperado e assado. Que deliciosas comidas!

Ainda do talento culinário de Tertinha, lembro-me do preparo de uma iguaria que jamais comi em nenhum outro lugar: ela dava uma refolgada nos pedaços de carne com ossos de tutano e colocava para cozinhar com todos os temperos, por fim, jogava os legumes. Eu gostava de ver aquele fogão à lenha com as panelas nas seis bocas fervendo.

 Na casa de vovó, a cozinha ficava já perto do quintal, as paredes tinham combogós e me lembro dos galhos das árvores abanando-se contra a inclemência do sol e fazendo piruetas como artistas plásticos fazem com pincéis. Eu ficava acompanhando aquele malabarismo enquanto o sol esbanjava seu poder. Vez ou outra, Terta saía de junto do fogão e dava uns passos pelo quintal, trazia tempero verde e tomates lindos, hortelã, tudo plantado por ela. Ao retornar ao fogão, mexia a carne com uma grande colher de pau, colhia um pouco do caldo e colocava na palma da mão para provar, em seguida, colocava pedaços de milho que cozinhariam juntamente com a forte iguaria. Tudo pronto, a mesa ficava com um lindo visual e a refeição perfeita, acompanhada de refresco de cajá, do quintal. Falando nisso, à época não havia liquidificador e Terta espremia os cajás sobre uma peneira, mexia, coava e colocava numa jarra - uma maravilha.
Do peixe (jamais suportei), camarão, carnes, galinhas e tudo o mais, ficou em mim o saboroso e farto cardápio da querida Tertulina, com o pano amarrado aos louros cabelos. Ela não era jovem, mas tinha um olhar doce e firme, mãos calejadas e a voz bem grave.
Quando vovó adoeceu e teve que amputar uma perna, ela chorava e dizia: "vou fazer muito caldo pra dona Madá...e ela vai andar de novo"...


AS VERDURAS DO COZIDO
O COZIDO DE CARNE COM MILHO
A GALINHA OU CAPÃO, SURPREENDIDO NO QUINTAL E PREPARADO COM OS COUROS, SEM JAMAIS FALTAR UMA FOLHINHA DE HORTELÃ GRAÚDO...
O cuscuz preparado por Terta , embebido no leite de coco - Deus, que coisa boa -. Por umas duas vezes comi cuscuz paulista no apartamento de Camilo Barreto e Anna. Saboroso e bem preparado!
 Naqueles momentos lembrava-me dos meus tempos de ontem com a mesa da casa dos meus pais. 
Uma noite, com o casal querido, já no apartamento da Rodrigues Alves, deliciei-me com a farta mesa numa ceia bem regional. Camilo Barreto a dizer, pilheriando, que tudo ali tinha sido preparado por ele! Um homem bom, agradável (como tantas vezes testemunhei)!
Momentos de emoção quando recordo e choro!
A carne picada, onde Terta colocava cenoura, batatinha e gerimum, servindo com farofa de cuscuz e "arroz pegado".
 
A sopa de legumes com bastante tomate.

Sempre que passo diante do local onde foram construídas a casa de vovó (*) e de papai, na Hermes da Fonseca, tenho a impressão de que aquele fogão está lá, fumegante, panelas fervendo e o almoço vai  servido com todas aquelas delícias.
Ou, quem dera, tomando uma sopinha de legumes, comendo cuscuz com leite de coco...
Fecho os olhos para ver melhor e pesco o sol para bordar a paisagem distante onde Terta e vovó se encontram, certamente,
onde as nuvens, pintadas de um azul inigualável, trazem, no mistério das coisas impressentidas, todo o fascínio de um tempo mágico, cheio de luz e sonho!

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(*) Maria Madalena Antunes Pereira

Professor JALES COSTA




JALES COSTA





Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura



Inteligência lúcida, desempenhou Jales Costa cargo de superior instância administrati­va no Tribunal de Contas do Estado. Advogado militante, ao longo dos anos, prestigiando, com seu saber jurídico e seu trabalho afanoso, a Classe que defendeu e res­guarda os direitos da Cidadania, nas nações tidas como civilizadas.

No Governo Geraldo Melo exerceu o cargo de Procurador Geral do Estado e se houve com serenidade, honradez e competência. Na docência da Universidade Federal integrou o Departamento de Direito Privado do Curso das Leis. Lecionou "Introdu­ção à Ciência do Direito", disciplina filosófica desta ciência social aplicada, dentre outras disciplinas. Neste oficio pedagógico distinguido-se como dos melhores docentes.

O estudo do direito aclara a inteligência e dá asas à imaginação criadora.

Preleciona Jean Girandorix:

"A melhor forma de exercitar a imaginação é estudar Direito: nenhum Poeta já inter­pretou a natureza tão livremente como um Advogado interpreta a Verdade".

Estudou, Jales Costa, Religião, no Curso que fez na ordem dos Irmãos Maristas. Especializou-se em Literatura, em curso de pós-graduação universitária.

Sensível às coisas do pensamento, não poderia Jales Costa alhear-se dos deleites da leitura das belas páginas literárias                                         

Enfatiza o Padre Serttilanges no seu monumental livro "A Vida Intelectual" que a virtude própria do homem de estudo é a estudiosidade. E que tudo num intelectual, deve ser intelectual.

Disso infere Van Helmont:

"Todo estudo é estudo de eternidade".

O que complementa o preceito ditado por Santo Tomás de Aquino: "Nunca deixeis de orar”.

Ainda sobre o estudo proferiu Platão, aconselhando colocar mais azeite na lâmpada do que vinho na taça. E Bossuet levantava-se de noite para encontrar o gênio do silêncio e da inspiração.           

 É que Jales apurou o espírito no estudo e dele fez hábito, uma segunda natureza. E através dele manteve aceso o cérebro de homem inteligente e ilustrado em Ciência e Religião. Os homens cultos e de Ciência são raros, mormente os de conhecimento geral, como é o caso do nosso biografado, que se adentrou pelos seus vários ramos pelo estudo diuturno, investigando as suas origens e consequências, entre os povos mais diversos. A propósito disso comentou o grande jurista Pontes de Miranda:



"Não saiu a Ciência, inteira e perfeita, dos espíritos de uma raça ou de uma civilização. Quem negará que a cultura nacional, quanto aos elementos que a compõem, seja mesclada e sintética? Os gregos tiveram mística, e nenhuma escolástica, dizia há mais de meio século Walther Rathenau; tiveram ciência, porém não técnica. Os judeus, escolástica, mas nenhuma pesquisa; os romanos, livre pensamento e técnica, porém não ciência. Egípcios e chineses, técnica, mas nem pensamento livre, nem pesquisa, nem mística interior. Ora, a contemporaneidade para chegar ao que conseguiu, utilizou tudo isso; ou melhor, foi de tudo isso que surgiu a Ciência, que é o balanço do que se verificou e do que não se verificou na vida e na experiência dos homens. A Ciência precisa do saber de todos os lugares e de todos os povos".



Abeberando-se no estudo dessas fontes foi que Jales Costa conseguiu, pela estudiosidade refletida, apurar o seu espirito nas ciências dedutivas em que brilham miríades de estrelas no firmamento das letras, do direito, da música e da poesia, da história e da religião. Através desse prisma especulativo e no campo teológico e filosófico discerniu o segredo da Esfinge do saber, na sua área de atividade, ampliando a sua liberdade cultu­ral. Tem mais liberdade na vida quem mais sabe.

A Verdade te libertará, disse Jesus Cristo!

Jean Jacques Rousseau advertia no seu "Emílio", que cérebros bem preparados são os monumentos onde com maior segurança se gravam os conhecimentos humanos.

A cultura de Jales Costa é um amálgama da Fé com a Razão. Absorveu os conheci­mentos do Medievo e do Renascimento. Daí afigurar-se cristão humanista.

Outro mérito do, seu espirito atilado é a oratória concisa, seguindo o pensamento de La Rochefoucauld – “a eloquência autêntica consiste em dizer tudo que é necessário, e nada mais que o necessário. Como repetisse La Bryère: - 'Se vous voulez dire il pleut, vous direz seulement il pleut.”




02/08/2014

SÍNTESE HISTÓRICA DA BRIOSA VILA - CONFERÊNCIA DE LÚCIA HELENA PEREIRA



"MAIS COISAS SOBRE NÓS NOS ENSINA A TERRA, DO QUE TODOS OS LIVROS, PORQUE OFERECE RESISTÊNCIA". (1)

Entrar em Ceará - Mirim é rever sua paisagem esplendorosa, seu verde alvissareiro, o cheiro peculiar de suas entranhas, SEUS RIOS! É sentir os mistérios da natureza na beleza dos verdes canaviais; na visão dos bueiros dos engenhos aromatizando o ar! É lembrar as tradições da economia rural e patriarcal tão bem desenvolvidas, à época da civilização canavieira, reunindo as famíliascom sua nobreza, sua arrogância, seus sobrados, suas louças e pratarias da Inglaterra, seus brasões, seu poderio e seu estilo bem próprio de senhores de engenhos.
 Cresci ouvindo histórias sobre a terra que me viu nascer, em 9 de julho de 1945. Lembro - me do cenário místico do vale! Essa emoção continua a palpitar dentro de mim, como a rever os pássaros nos galhos das árvores do quintal da nossa casa anunciando o alvorecer de cada dia e cortejando - nos com as suas sinfonias. Há muito a se recordar nesse aniversário de emancipação política de Ceará – MiriM. É quando se comemora o passado que fez a nossa história; o presente, mesmo com todas as apreensões da difícil e conturbada época e o futuro, no qual depositamos esperanças de dias melhores. Afinal, não vivemos sem esses tempos, sem as vozes dos nossos ancestrais, sem os gestos marcantes, sem as figuras que lá nasceram e viveram, muitas das quais marcaram seus nomes à história política, literária e sociológica do vale!
 Saí de Ceará - Mirim aos seis anos de idade. Acompanhava - me a estrada esburacada e o arvoredo acenando ao vento, talvez despedindo - se de mim. Já em Natal, na convivência diária com vovó Madalena (Maria Madalena Antunes Pereira), nas conversações habituais com meus pais e na vasta correspondência com o primo Nilo Pereira e o tio Ruy Antunes Pereira, fui redescobrindo o meu paraíso perdido. Aos dezesseis anos, quando de uma visita espontânea, num roteiro romântico pela cidade e pelos engenhos, apaixonei - me profunda e ardentemente por Ceará – Mirim, a cidadezinha de tantas memórias, de tantos afetos, dos gestos largos que ainda sinto, como a acariciarem minhas lembranças fiéis. 
Nos idos de 1983, a conterrânea Lêda Marques (juntamente com um grupo de senhoras), passou a festejar, em grande estilo, o meu aniversário. Isso repetiu - se por vários anos e Ceará - Mirim voltou, definitivamente, ao meu coração! Conforme relatos do meu pai, Abel Antunes Pereira, nos fins da década de 20, o progresso começava a interferir em tudo, menos no ar de romantismo imperando sobre o vale! Os costumes transformavam - se gradativamente. O automóvel surgia operando os milagres do desenvolvimento, mudando os hábitos da cidade pacata, silenciosa, antes só trafegada por veículos rudimentares: charretes, carros - de - bois, jumentos e cavalos de porte utilizados como transportes de mercadorias diversas. Em 1930, com a proximidade da Revolução e grandes mudanças, os chefes políticos não admitiam as novas lideranças. Os coronéis mantinham o seu poderio sobre as massas rurais, passivas e conformadas. Tudo ia seguindo as leis do tempo! Aos poucos as novas palpitações faziam pulsar o coração do povo. Tudo tornara - se diferente. A Revolução era um acontecimento que os mais velhos protestavam e os mais novos não compreendiam. Mesmo com todas as preocupações e ansiedades, o Ceará - Mirim jamais deixou de festejar suas mais importantes datas, onde os folguedos populares animavam a pequena cidade. E o pastoril conservando sua tradição: a lapinha, o fandango, o bumba - meu - boi, manifestações que o povo não esquecia. Poderia vir o progresso de onde viesse, ou os tumultos e impactos psicológicos, as tradições mantinham - se de pé. E foram chegando: a luz elétrica, o trem de ferro, o telégrafo, o caminhão! Os lampiões que ardiam suas chamas no querosene, para iluminar os casarões, os sobrados e as casas, iam se apagando! A cidadezinha foi recebendo os influxos das coisas novas. Eram os novos tempos anunciados! E, mesmo com o automóvel já circulando, os bons cavalos de sela nem, por isso deixaram de existir, depois, isso foi ficando ultrapassado. O sucesso das festas do dia 08 de dezembro, dia de N.Sra. da Conceição, padroeira de Ceará - Mirim, resistiu ao tempo. Uma festa jubilosa, a Matriz engalanada, fogos de artifícios, o dobre dos sinos ecoando pelo vale, as barracas com comidas típicas, a banda - de - música, a celebração da Missa, os bailes no clube, as pessoas passeando diante da Matriz, da praça barão de Ceará - Mirim, do Solar Antunes e do Mercado Público! Também, com igual entusiasmo, eram as festividades natalinas e do Ano Novo. Festas harmoniosas, fogos estrondando, a celebração eucarística com a Matriz ornamentada das mais exuberantes rosas, colorindo e perfumando o ambiente. Nessas festas, as noites do vale tão cheias de quietude, enchiam-se de ruídos e emoções múltiplas. E o final dessas comemorações era anunciado com a banda - de - música tocando os últimos dobrados. Relembro, então, a propósito, das palavras do meu pai: "Quanto me alegra o espírito recordar o Ceará-Mirim em todos os seus aspectos, principalmente no Ano Novo! Do alto da Matriz viam-se as casas - grandes dos engenhos. E lá estava o Guaporé, todo iluminado! E aquelas luzes davam - nos esperanças!” E relembrava, junto com ele, das amenidades daquele tempo! 
Neste meu passeio pelo passado, vale rememorar e enaltecer os patrimônios históricos embelezando o vale esmeraldino. Como não lembrar a imponência do Solar Guaporé ou Museu "Nilo Pereira", antes denominado Sítio Bonito? Era uma casa – grande, em estilo afrancesado! Pouco se sabe de sua história e quem teria sido o construtor, mas, deve remontar da segunda metade do século XIX e foi a herança deixada pelo Barão de Ceará - Mirim (Manoel Varela do Nascimento – meu trisavô) ao seu genro, Vicente Ignácio Pereira. O Dr. Vicente foi vice -presidente da província. Àquela época, enfrentou os terríveis efeitos da seca de 1877, doando o salário do referido cargo ao Hospital de Indigentes de Natal. Após sua gestão, na capital, retornou ao Ceará - Mirim, para o Guaporé. O Dr. Vicente veria a abolição dos escravos, mas não o fim do regime imperial, faleceu antes da proclamação da República e foi sepultado no cemitério de São Francisco, em Ceará - Mirim. Foi o segundo norte - rio - grandense formado em medicina, deputado provincial e jornalista. 
Ainda sobre os patrimônios históricos e culturais do vale, há de se reconhecer a importância da casa - grande do engenho Guaporé. Naqueles idos, era a casa de veraneio da  família. O interior do casarão comportava três salas de frente: o salão nobre com os retratos do Barão, o piano de cauda, paredes de veludo, uma chapeleira com espelho de cristal, mobília em jacarandá, três lustres de cristal, várias telas de artistas estrangeiros, uma cristaleira com vidros trabalhados (guardando copos e jarras de cristal em cores variadas e peças decorativas em porcelana). A sala rosa tinha uma antiga caixa-de-música trazida da Inglaterra (só com os belos clássicos); uma estante com numerosos livros, inclusive, a coleção “Tesouro da Juventude”; uma mesa grande com 12 cadeiras; uma escrivaninha com papel, caneta-de-pena e tinteiro. 
A sala azul era pequena e bem adornada, chamava atenção o tapete em duas cores: azul marinho com fundo verde e ilustrações em marrom, amarelo âmbar, violeta e grafite. Nas esquinas do Guaporé viam - se dois lampiões que davam para os jardins. Nas noites de festas a visão do sobrado destacava - se em todo o seu esplendor. Sabe - se que as pessoas deslocavam - se do solar Antunes e da cidade, para os grandes bailes e os saraus musicais e literários no Guaporé. Também, dois galgos de louça, sobre duas colunas, na entrada do velho casarão, que, segundo Nilo Pereira: “pareciam humanos, como se vissem, ouvissem e falassem”. Além do Barão e sua família, do Dr. Vicente Ignácio Pereira, também moraram na casa - grande o Dr. Riquette Pereira, sua esposa dona Augusta e os filhos. Ela, exímia pianista, conhecedora dos mais belos clássicos. O Dr. Riquette era uma figura bastante popular pela inteligência invulgar, pela vasta cultura, por falar correta e fluentemente o idioma francês e, também, por ser um charadista conhecido nacionalmente. Era leitor assíduo e apaixonado pelos grandes da literatura: Eça de Queiroz, Montaigne, Rousseau, Victor Hugo, Olavo Bilac, Castro Alves e outros. 
O solar Antunes foi construído em 1888, pelo tenente - coronel José Antunes de Oliveira, meu bisavô. Ao falecer, ficou aos cuidados da viúva Joana Soares de Oliveira que, posteriormente passou - o ao seu filho Juvenal Antunes de Oliveira (Promotor de Justiça e poeta). Em 1937 vendeu-o ao sobrinho Ruy Antunes Pereira que, após alguns anos cedeu - o ao filho Ruy Pereira Júnior. Posteriormente, num gesto desprendido e já como Prefeito da cidade, em 7 de novembro de 1975 (data do seu aniversário), Ruysinho (como é mais conhecido), passou o palacete à edilidade cearamirinense. Desde a sua restauração, tornou-se a sede oficial da Prefeitura da cidade. Ceará - Mirim foi palco de grandes nomes no cenário político, literário e industrial (da cana - de - açúcar). Um exemplo é a família Meira, com o seu patriarca Dr. Olintho José Meira, o primeiro presidente da Província e proprietário de engenho Diamante. Destacou - se por sua expressiva e luminosa cultura, que, segundo contavam, valia por uma Universidade! Os Meira sobressaíram - se política, social, profissional e intelectualmente. A maioria, desde cedo, radicada no Pará: Miguel, Augusto, Otávio, Francisco José Meira (que foi senador). A outra geração, já no Pará, seguiu - se através de Clóvis Olintho Meira, Sylvio Meira e Cécil Meira, todos falecidos. Gratifica - me destacar alguns nomes que marcaram a política de Ceará -Mirim, integrando a história de ex - senadores, ex - prefeitos e ex - deputados: Dr. Manoel de Gouveia Varela, Dr. Luís Lopes Varela, Dr. Edgar Varela, Dr. Roberto Pereira Varela (falecido em 2006), Ruy Pereira Júnior, Dr. Eider Freire Varela (radicado no Rio de Janeiro e falecido este ano), Agnelo Alves, nascido em Ceará - Mirim, no dia 16 de julho de 1932, atual prefeito de Parnamirim/RN, Terezinha Jesus da Câmara Melo e, Ednólia da Câmara Melo, atual prefeita de Ceará – Mirim. 
É um privilégio lembrar os nomes que fixaram - se na memória do povo e constituem muito do nosso orgulho pelos exemplos de honradez. É quando vale enaltecer grandes figuras: professor Dr. Abner de Brito, professor e poeta, professora e poetisa Adélle de Oliveira, escritor Edgar Barbosa, senhor Joca Barroca (proprietário do primeiro cartório da cidade), Dr. Álvaro China (que abriu a primeira farmácia de alopatia em Ceará - Mirim), senhor Raimundo Pereira Pacheco (meu avô materno) - homem de impoluta memória, dono de armazéns de tecidos finos e outras mercadorias. Lembrar, ainda, a figura do major Onofre Soares (um homem de irrepreensível lembrança), Cleto Brandão, Almir Varela, Dr. Pacheco Dantas, enfim, os Villar, os Ribeiro, os Dantas, os Pereira, os Pacheco, os Varela, os Barreto e tantos outros que fizeram a história da Briosa Vila! Falando em nomes e história, trago - lhes com um encantamento especial, um dos mais importantes nomes do cenário literário do RN, de Natal, de Pernambuco e de outros Estados, reconhecido e enaltecido! Trata - se de Nilo Pereira, filho de Fausto Pereira e Beatriz de Oliveira Pereira, proprietários do engenho Verde - Nasce. Nilo foi uma presença humana de valor inconteste, intelectual elogiado e prestigiado. Amou o vale verde que ele próprio elegeu como a sua "pátria amada". A prova disse está nos seus escritos, sobretudo nos livros - "Imagens do Ceará -Mirim", "Evocações do Ceará - Mirim" e a "Rosa Verde", retratando a paisagem telúrica, sociológica, histórica, política e sentimental do vale. Era um homem de princípios religiosos, advogado, orador, político, professor de história da UFPE, membro da Academia Norte - Rio - Grandense de Letras, de Academias de outros estados, de Institutos Históricos e Geográficos do país e da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife / PE. Foi jornalista e cronista literário dos bons! Tinha uma coluna diária no Jornal do Comércio de Recife / Pe, intitulada: "Notas Avulsas". Portador de inúmeros prêmios literários, como o "Machado de Assis", pela Academia Brasileira de Letras, por conjunto de obras, o "Edgar Barbosa", e vários outros. Deixou - nos mais de 60 obras e incontáveis artigos de jornais. Faleceu em Recife / Pe, onde residia há muitos anos, em 22 de janeiro de 1992, com 82 anos! Quero, aqui, dedicar algumas evocações sobre os meus familiares, enaltecendo a figura do meu bisavô José Antunes de Oliveira, casado com Joana Soares de Oliveira. Desse casal, o Rio Grande do Norte recebeu quatro memoráveis nomes: Ezequiel Antunes de Oliveira (médico do exército, logo cedo transferido para Belém do Pará e depois, radicando-se em São Paulo); Etelvina Antunes de Lemos (poetisa); Juvenal Antunes de Oliveira (promotor de Justiça, boêmio e poeta, radicado, desde 1909 no Acre) e a primeira mulher potiguar a publicar um livro de reminiscências e regionalismo, Maria Madalena Antunes Pereira. Nasceram todos no engenho Oiteiro. Madalena Antunes nasceu em 25 de maio de 1880. Foi casada com Olympio Varela Pereira, dando a luz a cinco filhos: Abel Antunes Pereira; Ruy Antunes Pereira; Vicente Ignácio Pereira; Maria Antonieta Pereira Varela e Joana D' Arc Pereira do Couto. Do engenho Oiteiro, Madalena Antunes mudou - se para o Solar Antunes, posteriormente, para Natal. Vivia pacatamente, escrevendo numa mesinha de vime, sob o velho terraço da casa da avenida Hermes da Fonseca, 700. Era, assim, que ela manifestava o seu talento e fantasiava os seus momentos de solidão, numa época de tantos preconceitos em relação ao papel da mulher na sociedade, na literatura e em outras atividades quase que destinadas apenas ao homem. Conviveu com intelectuais como Luiz da Câmara Cascudo, Manoel Rodrigues de Melo, Esmeraldo Siqueira, Veríssimo de Melo, Nilo Pereira (sobrinho dileto) e outros. E recebia a visita vespertina de um jovenzinho, seu fervoroso admirador, Paulo de Tarso Correia de Melo, que tão magnificamente encantava - lhe. Com a amizade desse grupo, vovó Madalena descobriu a fórmula “mágica” para editar o seu livro, o qual, em manuscritas páginas, estava concluído. Presenciei essas “cenas” por algum tempo, observando a empolgação dos intelectuais diante da perspectiva de uma mulher potiguar infiltrar - se no mundo literário. E foi desses nomes da nossa rica literatura, que ela recebeu os maiores estímulos, até que, através do contacto de Câmara Cascudo e Nilo Pereira, com um escritor pernambucano, seus manuscritos chegaram à Editora Irmãos Pongetti e o livro foi editado com o apoio da Casa Euclides da Cunha, Coleção Nisia Floresta, em 1958. Eu tinha treze anos quando vovó Madalena terminou de escrever o seu romance. Estava organizado em papel almaço, quando me deu para ler. Lembro - me da minha emoção quando recebi esse material e das palavras anotadas, em letras de forma, que diziam: “Largo é o sorriso que me acompanha e estreito o caminho daqueles que não compreendem as poesias da alma. Eu sou apenas uma mulher feliz, alguém que aprendeu a canalizar os sentimentos sem se queixar diante dos embates da vida! Madalena Antunes!” Com toda a movimentação para o lançamento do seu livro, vovó Madalena foi surpreendida com a visita da jornalista Maria Tereza, redatora - chefe da revista “Da Mulher para a Mulher” (1958). Veio notícias em jornais, intelectuais cercando-a a todo instante? E esse terraço dona Madalena”? Seus olhos oceânicos brilharam e respondeu: “Saí de um vale encantado para a cidadezinha dos Reis Magos. Com o tempo fui reunindo as minhas reminiscências e encontrando escritores que me incentivaram nessa caminhada. Deixar o Oiteiro e a velha Ceará – Mirim deu - me algumas vantagens e os primeiros vislumbres intelectuais. Por outro lado venho sentindo falta da minha paisagem de infância, da mansidão do vale, dos parentes e amigos que lá ficaram. Quanto ao terraço, nele está a fronteira do meu pequeno grande mundo, a minha “ilha”, o meu refúgio, a mangueira frondosa e bela! Afinal, as árvores também saem dos seus lugares e dão sombras e frutos. Nelas os pássaros pousam e cantam as suas lindas estrofes musicais! Quanto ao livro, creio que a vida vai escrevendo a nossa história e o Oiteiro vai me levando de volta a um tempo ameno, cheio de poesia e beleza, ao meu “templo” de gratas recordações que deixarei para as novas gerações.” Dando continuidade, Maria Tereza insistiu: “Somente as recordações e saudades do vale levaram - na a escrever um livro?” Madalena Antunes sorriu e respondeu com doçura: “Ah! Os encantamentos da infância enriqueceram as minhas evocações".
Maria Tereza exclamou com uma festa de encantamento: "Saí às pressas do Rio de Janeiro para entrevistá-la e que felicidade"!
 Vovó ofereceu - lhe um chá com outros convidados. Maria Tereza perguntou - lhe: “Como a senhora se sente ao publicar o seu primeiro livro com tantas manifestações de carinho"? "AH! menina, o feitiço do Oiteiro com suas perfumadas auroras e os luminosos crepúsculos encheram-me de inspirações! O Oiteiro, o velho engenho com o oitizeiro à beira da estrada! Aquele pedaço de céu foi o palco festivo de minhas recordações! A fonte perene dos meus sonhos de menina! Desde criança fui aprisionando minhas lembranças no coração, só não imaginava  que elas seriam impressas. Creio que isso foi seduzindo o meu espírito e privando - me da solidão comum desses novos tempos, aqui em Natal. Escrever, pelo menos para mim, é um exercício da alma, uma forma de suprir as solidões e saudades. E no Oiteiro, ficou o grande oitizeiro, o qual devo bendizer: Oh! Velho oitizeiro, figura do passado, templo de minhas primeiras impressões! Quantas coisas recordas! Oh! Árvore do pomar da minha felicidade”!
Em 1958, na Fundação José Augusto (antiga Escola de Jornalismo de Natal), Maria Madalena Antunes Pereira autografou, em grande estilo, o seu livro Oiteiro: Memórias de uma Sinhá-Moça" reunindo crônica, romance, poesia, história e regionalismo. Um livro reeditado pela A.S. Livros na II Bienal Nacional do Livro em Natal / 2003, prefaciado por mim. Madalena Antunes faleceu em 11 de junho de 1959, saindo da sua casa da Hermes da Fonseca, carregada pelas asas dos anjos, para outras dimensões. Em maio de 2001, no Palácio da Cultura de Natal, a Fundação José Augusto, através do seu presidente - jornalista e escritor Woden Madruga e o trabalho de pesquisa incansável de Heitor Lopes Varela Filho, com apoio do Governo do Estado do RN lançou a revista antológica: "Mulher Potiguar: Cinco Séculos de Presença", onde, entre as 24 mulheres homenageadas, está vovó Madalena. Da veia poética da escritora cearamirinense Maria Madalena Antunes Pereira, vieram os seus filhos: Vicente Ignácio Pereira, autor de um livro de poemas intitulado: "É Breve o Tempo das Rosas", do qual posso citar o trecho de um dos seus poemas: "Onde estarão as roseiras/ nascidas no meu caminho? roseiras que davam rosas,/ com casas de passarinhos/ rosas, sem um espinho"? Ressalto, ainda, uma imagem poemática ímpar: " Só é breve o tempo das rosas para quem não plantou roseiras!" E Ruy Antunes Pereira, escritor nato, deixou cartas tão perfeitas, como obras literárias, que sua filha, Denise Pereira Gaspar transportou - as para o livro: “Mucuripe: O Mundo Encantado de Ruy Antunes Pereira”, em novembro de 1995. Dentre cartas tão corretamente escritas, quase todas voltadas para o Ceará - Mirim e para o Mucuripe, ressoará sempre uma frase lapidar do autor, na carta de abertura do livro, dirigida à minha pessoa: "Estarei sonhando? Este vale existe? E o verde, é uma cor ou um sentimento?" Do talento da memorialista do vale do Ceará - Mirim, tivemos seu neto, Ferdinando Pereira Couto, advogado, escritor e poeta de valor absoluto. Deixou vasto material literário, jamais publicado. Quanto ao meu pai, Abel Antunes Pereira, mesmo sem haver se dedicado às letras, era fervoroso admirador dos grandes autores brasileiros, além de gostar de declamar os sonetos do seu tio materno - Juvenal Antunes – e tinha, de cabeceira: Oiteiro - Memórias de uma Sinhá - Moça, (já citado); "Vingança Não", de Júlio Dantas; "O Tesouro da Juventude" (coleção oferecida, às cinco filhas. "Os Sertões" de Euclides da Cunha, entre outros. Finalmente, como um destino traçado, coube - me a missão de pugnar pela continuidade da vocação familiar, o que venho fazendo, desde os 12 anos de idade, quando tive o meu primeiro trabalho publicado no Jornal "A República". Desse modo, venho mantendo o espírito voltado para a literatura em geral. E sinto grande orgulho, por ter sido a primeira mulher norte – rio - grandense a presidir regional e nacionalmente uma entidade cultural em 14 estados. Ao proferir palestras enfocando as mulheres que se destacaram nas letras brasileiras costumo exaltar o Rio Grande do Norte - celeiro de notáveis escritores. Em 26 de março de 2002, com alta honra, assumi a cadeira nº 08, da Academia Feminina de Letras do RN, cuja patrona é vovó Madalena. Em abril de 2002, no Salão Nobre do Instituto Histórico e Geográfico do RN, na Reunião para eleição da nova Diretoria da Academia, fiz um discurso - síntese da vida de Madalena Antunes, minha avó paterna e excelsa patrona. Em novembro de 2004 fui eleita, por unanimidade, membro do IHG / RN, tão eficientemente presidido por Enélio Lima Petrovich, um quixotesco homem da cultura do RN. 
Voltar ao Ceará - Mirim é sempre uma emoção doce e renovada. Desta feita, não pude visitar a Matriz, que, segundo relatos dos meus pais, à época de sua construção, em 1883, recebeu a visita do Bispo de Olinda, Dom José Pereira da Silva Barros, que, ao benzer o prédio, exclamou emocionado: "Estou diante de um patrimônio histórico e religioso valioso e que, pela sua beleza e imponência arquitetônica, vai marcar a história deste lugarejo encantador!" 
O tempo não apaga tudo! Há coisas que vão ficando na nossa alma, como poemas de amor. E a vida vai tecendo novos caminhos, como a aranha ardilosa vai tecendo a sua teia insondável. Mas, sempre voltamos, e, aqui estou, trazendo nos olhos e no coração as saudades dos meus pais, Abel e Áurea, a quem reverencio como arquétipos de tudo quanto possa dignificar a minha vida. Saudades de babá - Regina Dias-; das minhas companheiras de infância, Chiquinha e Bililiu, que, se não são Tonha e Patica do engenho Oiteiro de Madalena Antunes, são as filhas de Inês, a ama - de - leite das crianças da nossa família; saudades dos olheiros vingados pelos caminhos, com suas águas escuras, suas vegetações, seus aromas e aquele barulhindo das águas trazendo nostalgias, e da suave dança das piabinhas prateadas! Saudades do compadre Joaquim Gomes, tocador de rabeca, com um anel de prata mareado no dedo mindinho, gordinho e atarracado, sempre agitado e suado, ainda me lembro das bolinhas de suor no seu nariz achatado enxugando - as com um lenço quadriculado e encardido, enquanto dava o seu concerto desafinado para papai e outros compadres; saudades do apito nostálgico do trem, que Joaquim Isidro da Silva (Quincas), empregado de papai e seu irmão Lebre (orelhas enormes) diziam: “Hum! Lá vem o bicho de ferro apitando e soprando fumaça a cobra, parece inté o dono do mundo”... Saudades dos bueiros dos engenhos chorando ao alvorecer e regozijando - se ao crepúsculo; saudades da minha professora de primeiras letras, Valdecí Villar de Queiroz Soares (Valdinha); de dona Biluca, rendeira de almofadas de bilro -“venho de pés lá de Capela mode num andá de carro e trem que é coisa do cão”; saudades das chuvas descendo daquelas duas bicas (cabeças de jacarés em latão e cobre, amparando a queda d´água das telhas da frente casa - grande de minha infância). Ah! Saudades das árvores seculares; dos meus avós, tios e primos; do quintal da nossa casa; das mangas rosas que dona Amélia Barroca enfurnava em um baú forrado com folhas de bananeiras; saudades do monsenhor Celso Cicco, que me batizou na Matriz de N.Sra. da Conceição! Saudades do meu padrinho, Dr. Olavo Montenegro, médico competente. Saudades de tantas saudades, Saudades das ruas silenciosas, da gente humilde, das cadeiras nas calçadas, das estórias contadas e recontadas por Piô e Maroca (com suas almas lobateanas). Quando volto ao vale saio impregnada de poesia e beleza!
 Nessa “viagem” sentimental sinto rejuvenescer a minha alma. Volto ao Ceará - Mirim com olhos de menina, olhos de poeta e olhos de amor! Peço licença à distinta platéia, para dedicar esta mensagem aos meus pais(Abel e Áurea). 

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Lúcia Helena Pereira Escritora cearamirinense 
 (1) Antoine de Saint-Exupéry - Do livro Terra dos Homens.
 (2) Escritora.
Nota: Conferência ministrada em 23 de julho de 2005, aniversário de emancipação política de Ceará - Mirim / RN, a convite da prefeita Ednólia Melo, no clube UNISESP-C.Mirim.

01/08/2014

H  O  J  E


Marcelo Alves
Crônica/artigo:

O conselho francês

Originalmente construído pelo Cardeal Richelieu (1585-1642), o Palais Royal foi posteriormente incorporado à Coroa Francesa (e lá morou o jovem Luís XIV), passando, no século XVII, às mãos dos Duques de Orleans (que deram à França o Rei Luís Felipe). Foi ponto de jogatina e prostituição e, mais importante, epicentro da Revolução Francesa. Hoje, abriga a Comédie Française, lojas de luxo e antiquários. Com um jardim interno belíssimo, é um dos mais importantes palácios de Paris.

Pois é ali, no Palais Royal - que merece ser visitado, seja você jurista ou não -, que fica o famoso “Conseil Constitucionnel” da França (assim como ali também está o “Conseil d'État”, a Suprema Corte da Justiça Administrativa francesa), órgão essencialmente responsável por realizar o controle de constitucionalidade das leis naquele adorável país.

O Conselho Constitucional da França é composto por nove conselheiros. Três são indicados pelo Presidente da República, três pelo Presidente da Assembleia Nacional e três pelo Presidente do Senado. Não há requisito de idade ou de profissão para compor a Corte (ou seja, não precisa ser jurista ou bacharel em direito, sendo estes, pelo que sei, a minoria). O mandato é de nove anos, vedada a recondução (salvo do membro que tenha assumido, em substituição, um mandato tampão). A cada três anos, para não haver a mudança concomitante de todos os membros, três novos conselheiros são indicados (um por cada um dos Presidentes acima referidos). O Presidente do Conselho Constitucional é indicado pelo Presidente da República. Curiosamente, os Ex-Presidentes da República vivos - atualmente, Valéry Giscard d'Estaing, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy - são membros natos do Conselho, embora, por tradição, não exerçam os seus ofícios.

Tradicionalmente, diz-se que o controle de constitucionalidade exercido pelo Conselho Constitucional francês é político (e não jurisdicional), já que entregue a um órgão de natureza marcadamente política, cujas decisões têm efeitos eminentemente políticos. Razões históricas e principiológicas explicam essa visão peculiar francesa em desfavor do controle jurisdicional de constitucionalidade: um apego extremista ao princípio da separação dos poderes; a desconfiança para com Judiciário que, ao tempo da Revolução Francesa, representava o “ancient régime”; e da ideia de Sièyes (1748-1836) de um “Jurie Constitutionnarire” acima dos outros poderes do Estado. A França, assim, sempre foi o exemplo mais citado de país que adota o controle político de constitucionalidade das leis, sendo verdade que em nenhuma das várias Constituições que a França já possuiu, adotou-se, expressamente, um controle jurisdicional de constitucionalidade. Sempre o controle é confiado a um órgão com forte viés político. Sob o pálio da Constituição francesa de 1958, ainda em vigor, a responsabilidade deste controle é depositada no Conselho Constitucional.

Representando essa visão tradicional, certa vez argumentou Mauro Cappelletti (em “O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado”, publicado entre nós em 1984): “É suficientemente clara - e, de resto, mais ou menos reconhecida por numerosos estudiosos franceses - a natureza não propriamente jurisdicional da função exercida pelo Conseil Constitucionnel: e isto não apenas, como escreve um autor, pela natureza antes política que judiciária do órgão, natureza que se revela, quer na escolha e nos status dos membros que dele fazem parte, quer, sobretudo, nas diversas competências do próprio órgão e nas modalidades de seu operar; mas também e especialmente pelo caráter necessário, pelo menos no que diz respeito às leis orgânicas, do controle que se desenvolve, portanto, sem um verdadeiro recurso ou impugnação de parte (ubi non est actio, ibi non est jurisdictio!), bem como pelo caráter preventivo da função de ‘controle’ por aquele órgão exercida. Tal função vem, na verdade, a se inserir - necessariamente, no que concerne às ‘leis orgânicas’, e somente à instância de certas autoridades políticas, no que se refere a outras leis - no próprio item da formação da lei na França: é, afinal de contas, não um verdadeiro controle (a posteriori) da legitimidade constitucional de uma lei para ver se ela é ou não é válida e, por conseguinte, aplicável, mas, antes, um ato (e precisamente um parecer vinculatório) que vem a se inserir no próprio processo de formação da lei - e deste processo assume, portanto, a mesma natureza”.

Todavia, mais recentemente, tem-se enxergado por uma perspectiva diferente a situação do controle de constitucionalidade francês. É muito interessante a abordagem feita por Guillaume Drago (em “Contentieux constitutionnel français”, de 2006, publicação da editora francesa PUF), entre outros, no sentido de que, em virtude dos procedimentos legalmente adotados e de sua própria jurisprudência, o Conselho Constitucional Francês tem caminhado e se aproximado, cada vez mais (e quiçá já tenha alcançado), o modelo de Justiça Constitucional kelseniano ou europeu. Sem dúvida, outrora hostil por tradição política a toda forma de controle jurisdicional das leis, a França, em 1958, dá um primeiro passo em um caminho sem volta rumo ao modelo de Justiça Constitucional europeu. Tem-se, no Conselho Constitucional Francês, a essência do modelo kelseniano: um único tribunal, chamado Conselho (Constitucional), competente para apreciar, de modo concentrado, direto e em abstrato, a constitucionalidade de atos normativos, embora, não se negue, em caráter essencialmente preventivo (e não repressivo).

Não sei você, caro leitor, mas, de minha parte, tendo a concordar com essa abordagem mais recente, que chamarei de evolutiva. Sobretudo levando em conta o novo o art. 61-1 da Constituição francesa, inserido pela Lei Constitucional de 23 de julho de 2008. Com fundamento nele, desde 2010, caso surja, em processo perante uma corte - não importa se da Justiça Comum ou da Justiça Administrativa -, a alegação de que uma disposição legislativa viola os direitos e liberdades garantidos pela Constituição, o Conselho Constitucional pode ser provocado, pelo “Conseil d'État” ou pela “Cour de cassation” (a Suprema Corte da Justiça Comum francesa), a decidir prejudicialmente essa questão constitucional. Trata-se, claramente, de hipótese de controle repressivo ou “contrôle a posteriori” (como prefere chamar o próprio Conselho Constitucional francês).

E que tal conversamos mais sobre isso outro dia? Quem sabe num bate-papo nos jardins do Palais Royal...

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP