Marcelo Alves
Aproximações e diferenças (I)
No artigo da semana passada,
eu afirmei que, embora a literatura e o direito trabalhem em universos
ou condições distintas, eles têm alguns – quiçá muitos – pontos de
convergência. Hoje vou desenvolver um pouco mais a temática, tratando,
sucessivamente, dessas aproximações e diferenças.
Antes de mais
nada, um elemento fundamental une a literatura e o direito: a
onipresença da linguagem, como principal instrumento para que elas
atinjam os seus fins. Se como bem notado por André Karam Trindade e
Roberta Magalhães Gubert (no texto “Direito e literatura: aproximações e
perspectivas para se repensar o direito”, que faz parte do livro
“Direito & literatura: reflexões teóricas”, publicado pela Livraria
do Advogado Editora em 2008), citando Francois Ost (1952-), a ninguém é
dado ignorar a lei (embora alguns espertinhos tentem fazer isso
constantemente), também a ninguém é dado, no direito, ignorar a
linguagem. Ela é a instância que funda, através da palavra e do texto,
todo e qualquer discurso, incluindo o jurídico e o literário.
E se
tanto o direito como a literatura estão intimamente relacionados à
linguagem – já que trabalham fundamentalmente com a palavra, o texto, o
discurso e a narração –, é importante também que se diga que essa
linguagem, no direito, assim como se dá na literatura ficcional, até
preexiste à realidade (a realidade jurídica, seja ela qual for), uma vez
que, sobretudo na elaboração da norma abstrata, mas também na narração
de um fato jurídico, a palavra ou texto imaginado antecede as suas
consequências jurídicas em si.
Ademais, como mais um ponto de
intersecção, esse papel central atribuído à linguagem e à palavra
vincula inexoravelmente o direito e a literatura (e seus juristas e
literatos, respectivamente) à atividade/arte da interpretação, que
sempre será necessária para se descobrir o alcance e o sentido daquilo
que foi posto no texto, seja literário ou jurídico. Com base nos
princípios da hermenêutica (a teoria ou ciência da interpretação),
juristas e literatos fazem uso dessa arte, dotada de uma técnica e de
métodos, voltada para um fim, que é, no caso dos juristas, determinar o
significado da linguagem utilizada pelo direito.
Em terceiro lugar,
tanto a literatura como o direito, embora de formas e com finalidades
diversas, lidam com relações entre os seres humanos, assim como entre
estes e os demais animais e coisas, pressupondo um aprimorado
conhecimento da condição humana, da natureza e da vida. Conforme
lembrado por André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert, desta vez
citando Arthur Kaufmann (1872-1938), “o direito não é um objeto como as
árvores e as casas. O direito é, pelo contrário, a estrutura das
relações nas quais os homens estão uns perante os outros e perante as
coisas”. E prosseguem os referidos autores, agora com as suas próprias
palavras: “a literatura igualmente se encontra ligada a esta mesma
ontologia das relações de que fala Kaufmann, visto que as relações
humanas também constituem seu objeto central, embora privilegiando sua
natureza estética. Como toda e qualquer expressão artística, a
literatura é uma transfiguração do real, isto é, a realidade recriada e
retransmitida pela narrativa, através de metáforas e metonímias. Assim,
do mesmo modo como ocorre com o discurso jurídico – que pretende dar
conta da realidade –, a narrativa, por mais ficcional que seja, é
produzida inevitavelmente a partir daquilo que lhe é fornecido pelo
mundo da vida”.
Isso tudo não significa, entretanto, que inexistam
diferenças importantes entre as disciplinas jurídica e literária. Elas
existem – e mais uma vez eu as reconheço –, embora tais diferenças não
tenham o condão de colocar em xeque a utilidade do que fazemos aqui e
agora, estudando, tudo junto e (quase) misturado, o direito e a
literatura. E sobre algumas dessas diferenças, nós conversaremos na
semana que vem. Eu prometo.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
ue pretende dar
conta da realidade –, a narrativa, por mais ficcional que seja, é
produzida inevitavelmente a partir daquilo que lhe é fornecido pelo
mundo da vida”.
Isso tudo não significa, entretanto, que inexistam
diferenças importantes entre as disciplinas jurídica e literária. Elas
existem – e mais uma vez eu as reconheço –, embora tais diferenças não
tenham o condão de colocar em xeque a utilidade do que fazemos aqui e
agora, estudando, tudo junto e (quase) misturado, o direito e a
literatura. E sobre algumas dessas diferenças, nós conversaremos na
semana que vem. Eu prometo.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SPMarcelo Alves Dias de SouzaMarcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP