12/06/2016




“Monte Castelo” é uma canção da banda de rock Legião Urbana, que constou do álbum “As Quatro Estações”, lançado em outubro de 1989. Composta pelo mais famoso integrante da banda, o Renato Russo, a música traz citações do poeta português Luís Vaz de Camões (Soneto 11), além do primeiro versículo do capítulo 13 da 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios (Novo Testamento da Bíblia). A letra da canção fala da importância do amor, do amor entre os seres humanos. Monte Castelo é o nome do local onde a FEB (Força Expedicionária Brasileira) ganhou sua principal batalha durante a Segunda Guerra Mundial - ou seja, uma alusão a um ato de desamor da humanidade. Esse nome, então, ao contrário da maioria dos títulos das músicas, é uma referência antagônica à mensagem da letra, que transcrevo a seguir. Acrescento ainda o versículo bíblico citado, e o belo soneto do imortal bardo lusitano.


MONTE CASTELO
Renato Russo

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria

É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece

O amor é o fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria

É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder

É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
É um ter com quem nos mata a lealdade
Tão contrário a si é o mesmo amor

Estou acordado e todos dormem
Todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face

É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria


1ª Epístola de Paulo aos Coríntios, cap. 13 vers. 1:
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.”


SONETO 11
Luís Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

__________________
Eugenio Bezerra Cavalcanti Filho (colaborador)

11/06/2016


A CONCORRÊNCIA DOS ALUNOS PARA A APRESENTAÇÃO DE MÚSICA ERUDITA NAS AUDIÇÕES MENSAIS, NAS ESCOLAS
Por Jansen Leiros

Vale à pena voltar no tempo para lembrar que naquela época, (década de cinquenta) a música erudita, considerada elitista, por ser oriunda dos salões aristocráticos, tinha seu lugar garantido na preferência do alunado, das escolas de elite.
De fato, a vontade dominante era a de concorrer para as apresentações mensais, nas referidas escolas, que se esmeravam no sentido de que suas apresentações mensais fossem, na  sua  maioria, os elementos “points” de suas escolas, e seus alunos, de piano e de violino, considerados portadores dos apreciáveis dotes artísticos, merecedores dos aplausos da cidade, ou merecedores dos galardões dos ganhadores de prêmios artísticos, ou coisa parecida!
Assim, a disputa estava inserida na condição da fama perseguida ou buscada, através dos valores da arte. 
A disputa dos melhores lugares para concorrer às audições mensais, em suas escolas, era o ponto máximo  dessa participação.
A disputa se prendia à circunstância de que a peça musical a ser executada, devia de ter, em seu bojo, o conteúdo técnico e artístico necessário à apreciação do texto artístico.  
Depois, desse detalhe, viria a postura do artista, sua indumentária, sua gestuália ou sua mesura técnica, principalmente quanto ao dedilhado, ao uso dos pedais, o envolvimento psicológico e sua transmissão à plateia. E finalmente, o envolvimento do artista com o expectador, formando um amálgama psicológico que não é visto, mas percebido pelas faculdades dos sensitivos.
Os valores técnicos, da fama ou do prestígio de seu compositor, também entram na apreciação, como um todo.
Deveria de ser apreciada em razão das dificuldades técnicas  demonstradas, por ocasião de sua execução, diante do público ouvinte.
Só assim, o leitor poderá apreciar o complexo do enfoque do objeto artístico, de seu conteúdo! Da pujança de seu elemento astral e seu envolvimento fluídico! Perispiritual! Analisemos esses apontamentos, com nossa memória analítica!   Reflitamos!

Quando da apresentação de uma peça musical, para análise de seu conteúdo artístico, objetivando a aferição de um lugar para a qual for a mesma apontada; uma colocação entre as demais aferições quanto ao conteúdo técnico, os avaliadores escolhidos para a apreciação de seu conteúdo, de seu contexto musical, tendo em vista o grau de dificuldades apresentadas, se inicia com sua execução.  Nela - a execução- são apreciadas as dificuldades encontradas, quer na grafia musical, quer na qualidade da execução, quanto ao dedilhado, quanto à expressão, quanto à gestuália artística e quanto aos sentimentos transmitidos pelo executor.

Nessa avaliação, são apreciados os movimentos do Regente e a postura dos demais artistas concorrentes. O resultado aritmético, apontará o vencedor do concurso. Essa é a maneira de se avaliar ou apreciar o conteúdo musical de uma partitura, cujo mecanismo será guardado na memória dos participantes. Eis como se deve apreciar o conteúdo de um concurso artístico. 

09/06/2016



Assunto: Curiosidades do Império brasileiro.
Curiosidades do Império brasileiro, conforme as fontes: Biblioteca Nacional, IMS, Coleção Teresa Cristina, Diário de Pedro II, Correspondências do acervo do Museu Imperial de Petrópolis, Biografias como As Barbas Do Imperador, Imperador Cidadão, Filho de uma Habsburgo, Chico Xavier e D. Pedro II, Cartas da Imperatriz, Teatro de Sombras, Construção da Ordem, D. Pedro II Ser ou Não Ser, Acervo Museu Histórico Nacional entre outros.
O Imperador pegava empréstimos no Banco do Brasil para pagar suas viagens. Sua tolerância com a imprensa era grande. Hoje qualquer deputado estadual tem mais regalias com recursos públicos do que a família imperial à época. Moralmente, regredimos.
(1880) O Brasil era a 4º Economia do Mundo e o 9º Maior Império da História.
(1860-1889) A Média do Crescimento Econômico era de 8,81% ao Ano.
(1880) Eram 14 Impostos, atualmente são 92.
(1850-1889) A Média da Inflação era de 1,08% ao Ano.
(1880) A Moeda Brasileira tinha o mesmo valor do Dólar e da Libra Esterlina.
(1880) O Brasil tinha a Segunda Maior e Melhor Marinha do Mundo. Perdendo apenas para Inglaterra.
(1860-1889) O Brasil foi o primeiro país da América Latina e o segundo no Mundo a ter ensino especial para deficientes auditivos e deficientes visuais.
(1880) O Brasil foi o maior construtor de estradas de Ferro do Mundo, com mais de 26 mil Km.
Outras :
1. A média nacional do salário dos professores estaduais de Ensino Fundamental em (1880) era de R$ 8.958,00 em valores atualizados.
2. Entre 1850 e 1890, o Rio de Janeiro era conhecido na Europa como "A Cidade Dos Pianos" devido ao enorme número de pianos em quase todos ambientes comerciais e domésticos.
3. O bairro mais caro do Rio de Janeiro, o Leblon, era um quilombo que cultivava camélias, flor símbolo da abolição, sendo sustentado pela Princesa Isabel.
4. O Maestro e Compositor Carlos Gomes, de "O Guarani" foi sustentado por Pedro II até atingir grande sucesso mundial.
5. Pedro II tinha o projeto da construção de um trem que ligasse diretamente a cidade do Rio de Janeiro a cidade de Niterói. O projeto em tramito até hoje nunca saiu do papel.
6. Em 1887, Pedro II recebeu os diplomas honorários de Botânica e Astronomia pela Universidade de Cambridge.
7. Ratificando boatos, D. Pedro II e o Barão/Visconde de Mauá eram amigos e planejaram juntos o futuro dos escravos pós-abolição. Infelizmente com o golpe militar de 1889 os planos foram interrompidos.
8. Oficialmente, a primeira grande favela na cidade do Rio de Janeiro, data de 1893, 4 anos e meio após a Proclamação da República e cancelamento de ajuda aos ex cativos.
9. Na época do golpe militar de 1889, D. Pedro II tinha 90% de aprovação da população em geral. Por isso o golpe não teve participação popular.
10. José do Patrocínio organizou uma guarda especialmente para a proteção da Princesa Isabel, chamada "A Guarda Negra". Devido a abolição e até mesmo antes na Lei do Ventre Livre , a princesa recebia diariamente ameaças contra sua vida e de seus filhos. As ameaças eram financiadas pelos grandes cafeicultores escravocratas.
Mais estas:
1. O Paço Leopoldina localizava-se onde atualmente é o Jardim Zoológico.
2. O Terreno onde fica o Estádio do Maracanã pertencia ao Duque de Saxe, esposo da Princesa Leopoldina.
3. Santos Dumont almoçava três vezes por semana na casa da Princesa Isabel em Paris.
4. A ideia do Cristo na montanha do corcovado partiu da Princesa Isabel.
5. A família imperial não tinha escravos. Todos os negros eram alforriados e assalariados, em todos imóveis da família.
6. D. Pedro II tentou ao parlamento a abolição da escravatura desde 1848. Uma luta contra os poderosos fazendeiros por 40 anos.
7. D. Pedro II falava 23 idiomas, sendo que em 17 era fluente.
8. A primeira tradução do clássico árabe "Mil e uma noites" foi feita por D. Pedro II, do árabe arcaico para o português do Brasil.
9. D. Pedro II doava 50% de sua dotação anual para instituições de caridade e incentivos para educação com ênfase nas ciências e artes.
10. D. Pedro Augusto Saxe-Coburgo era fã assumido de Chiquinha Gonzaga.
11. Princesa Isabel recebia com bastante frequência amigos negros em seu palácio em Laranjeiras para saraus e pequenas festas. Um verdadeiro escândalo para época.
12. Na casa de veraneio em Petrópolis, Princesa Isabel ajudava a esconder escravos fugidos e arrecadava numerários para alforriá-los.
13. Os pequenos filhos da Princesa Isabel possuíam um jornalzinho que circulava em Petrópolis, um jornal totalmente abolicionista.
14. D. Pedro II recebeu 14 mil votos na Filadélfia para a eleição  Presidencial, devido sua popularidade, na época os eleitores podiam votar em qualquer pessoa nas eleições.
15. Uma senhora milionária do sul, inconformada com a derrota na guerra civil americana, propôs a Pedro II anexar o sul dos Estados Unidos ao Brasil, ele respondeu literalmente com dois "Never!" bem enfáticos.
16. Pedro II fez um empréstimo pessoal há um banco europeu para comprar a fazenda que abrange hoje o Parque Nacional da Tijuca. Em uma época que ninguém pensava em ecologia ou desmatamento, Pedro II mandou reflorestar toda a grande fazenda de café com mata atlântica nativa.
17. A mídia ridicularizava a figura de Pedro II por usar roupas  extremamente simples, e o descaso no cuidado e manutenção dos palácios da Quinta da Boa Vista e Petrópolis. Pedro II não admitia tirar dinheiro do governo para tais futilidades. Alvo de charges quase diárias nos jornais, mantinha a total liberdade de expressão e nenhuma censura.
18. Thomas Edison, Pasteur e Graham Bell fizeram teses em homenagem a Pedro II.
19. Pedro II acreditava em Allan Kardec e Dr. Freud, confiando o tratamento de seu neto Pedro Augusto. Os resultados foram excelentes deixando Pedro Augusto sem nenhum surto por anos.
20. D. Pedro II andava pelas ruas de Paris em seu exílio sempre com um saco de veludo ao bolso com um pouco de areia da praia de Copacabana. Foi enterrado com ele.
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Colaboração de Bob Furtado 

07/06/2016


 
REUNIÃO COMISSÃO DOS 80 ANOS - DIA 7 DE JUNHO DAS 16 ÀS 17 HORAS NA ANRL
 

Convidarmos os  membros da Comissão Organizadora dos 80 ANOS ANRL , abaixo relacionados, para apreciação da pré-programação do evento do dia 19 de julho 

Dia 7 de JUNHO (terça-feira)
Horário: das 16 às 17 h

Lançamento
Programação dos 80 anos da Academia de Letras- ANRL
Lançamento do livro do Acadêmico e Presidente Diogenes da Cunha Lima.
   Doação de 50 exemplares ao  LUDOVICUS – Instituto    Câmara  Cascudo

         Exposição com obras raras do Mestre Cascudo, Fundador da ANRL  

Mesa-redonda

CONVIDADOS.
Diogenes
Vicente Serejo
Geraldo Queirós
Daliana Cascudo
 Hermenegildo
EDITOR DO LIVRO                                                                                                               Dicionário do Folclore Brasileiro (1954)                                                                                 70 anos  Contos Tradicionais do Brasil: 70 anos (1946-2016) 
30 anos da morte de Câmara Cascudo (20/12/1898 – 30/7/1986
20 anos da morte de Manoel Rodrigues de Melo (7/7/1907 - 29/2/1996)
Câmara  Cascudo Um Brasileiro Feliz (4ª edição acrescida com o    Dicionário   do Humor de Luís da Câmara Cascudo).
Diogenes da Cunha Lima. 
    Cancioneiro de Câmara Cascudo.

Cleudo Freire
Coral Voix-Là 
Comissão Organizadora dos 80 ANOS
Diogenes da Cunha Lima
Presidente da ANRL
Membro Nato

Leide Câmara
Presidente da Comissão
Carlos Gomes
Membro
Iaperi Araújo
Membro
Jurandir Navarro
Membro
Paulo Macedo
Membro
Sônia Faustino
Membro

06/06/2016

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Marcelo Alves

 

O Código de Hamurábi


Na semana passada, como alguns de vocês vão se lembrar, conversamos aqui sobre o Código de Ur-Nammu, que, datando de aproximadamente 2040 a.C. (época do denominado “Novo Império Sumério” na Mesopotâmia), é comumente apontado como o mais antigo “código de leis” de que temos notícia ou, pelo menos, o mais antigo que chegou até nós. 

No artigo de hoje, damos um salto de quase três séculos na história, para o entorno do ano 1772 a. C., com o objetivo de tratarmos do (bem mais) badalado Código de Hamurábi, aquele do “olho por olho, dente por dente” e exemplo mais conhecido da “lei de talião”, que também é fruto do esplendor político/cultural da Mesopotâmia antiga, desta feita, mais especificamente, do chamado “Primeiro Império Babilônico” (ou “Império Paleobabilônico”). 

O rei Hamurábi (1810-1750 a.C.) subiu ao trono do Império Babilônico, sucedendo ao pai, em 1792 a.C.. Era um período de relativa paz, no qual Hamurábi pôde dedicar-se ao desenvolvimento interno do seu reino (com a fortificação das muralhas da sua cidade, construção e expansão de templos, controle das cheias na região etc.). Já as décadas de 1760 e 1750 a.C. foram marcadas por sucessivas e vitoriosas guerras com os povos vizinhos, o que fez da Babilônia, no período Hamurábi (cujo reinado vai até 1750 a.C., ano de sua morte), indiscutivelmente, senhora de quase toda Mesopotâmia. Mas, certamente, o principal legado de desse grande rei para as civilizações futuras reside no “código de leis” que ele promulgou para a Babilônia durante o seu reinado, por volta de 1772 a.C., e que leva o seu nome. 

Como artefato arqueológico, o Código de Hamurábi chegou até nós em um belo monólito de pedra de diorito, achado por uma expedição francesa que, na virada dos anos 1901-1902, realizava escavações na Acrópole da cidade de Susa, no atual Irã. Pelo que sei, essa “pedra”, mais que preciosa, encontra-se hoje no museu do Louvre, à disposição de especialistas e curiosos de ocasião. 

Composto no alfabeto cuneiforme e na língua acadiana, o Código de Hamurábi contém 282 disposições (ou artigos, para usar de um termo jurídico mais compreensível), organizadas, segundo informa Michael H. Roffer (em “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015), por temática: processo, propriedade, direito de família, danos pessoais, forças armadas e por aí vai. 

Devotadas em grande medida ao direito penal da época, com suas gravíssimas punições retributivas – a exemplo da “lex talionis” do “olho por olho, dente por dente” –, mas que podiam variar a depender dos status social do ofensor e da vítima, muitas das disposições do Código de Hamurábi certamente nos parecerão hoje fora de propósito (muito embora, aqui e acolá, partidários da pena de morte ainda as invoquem como justificativas de suas controversas opiniões), mas, à época, o Código firmou um importante precedente para legislações futuras. 

De toda sorte, para além da retórica declaração de propósitos contida em seu prólogo, de que “o forte não deve oprimir o fraco e de que a justiça deve ser proporcionada ao órfão e à viúva”, o Código de Hamurábi contém também, como registra Robert Hockett (em “Little Book of Big Ideas – Law”, A & C Black Publishers Ltd., 2009), alguns elementos bem progressistas para a época, que hoje são repetidos nas codificações/leis contemporâneas, entre eles, por exemplo, o direito do acusado de produzir, em um processo criminal, prova a seu favor. 

Interessantemente, o Código de Hamurábi também firmou um reconhecido precedente para as concepções, desenvolvidas posteriormente, da “rule of law” e do jusnaturalismo. Quanto aos direitos naturais, por exemplo, consta no monólito de pedra acondicionado no Louvre, logo acima das disposições do código propriamente ditas, a imagem de Hamurábi recebendo a “lei” de Shamash, o deus da justiça babilônico, para que ela (a lei) fosse promulgada para o seu povo. E isso é visto, conforme nota o já citado Robert Hockett (em “Little Book of Big Ideas – Law”), como uma primeva afirmação da existência de um direito/autoridade superior ao direito positivado, estabelecendo uma boa base para concepções futuras do direito natural. 

Bom, caro leitor, que tal uma estada no Louvre para estudar pessoalmente o Código de Hamurábi? Isso, claro, se você, além de possuir euros para tanto, for um daqueles muitos nordestinos que leem acadiano fluentemente... 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

31/05/2016


 
Marcelo Alves  

O mais antigo código

No nosso artigo hoje e em alguns outros que se seguirão, conversaremos sobre uma temática que, por passar ao largo das tecnicalidades da ciência jurídica propriamente dita, assim como por sua interdisciplinariedade, vai interessar a muitos leitores (pelo menos assim espero), tenham eles formação jurídica ou não: a “história do direito”.

E nesse afã de reconstruir aqui um pouco da história do direito, começaremos tratando daquele que é por muitos apontado como o mais antigo “código de leis” de que temos notícia (pelo menos o mais antigo que chegou até nós), o Código de Ur-Nammu, que data de cerca de 2040 a.C.

Espacialmente, ao tratarmos existência/vigência do Código de Ur-Nammu, estamos falando da Mesopotâmia, a famosa região do Oriente Médio, delimitada pelos vales dos rios Tigre e Eufrates, que hoje basicamente faz parte do atual Iraque, da Síria e do Kuwait, berço de algumas das mais importantes civilizações da Antiguidade.

Temporal e politicamente, estamos falamos da época de dominação dos Sumérios (nesse período já em grande simbiose com os Acadianos) na Mesopotâmia, mais precisamente da 3ª Dinastia de Ur (cidade-estado da Mesopotâmia), que durou aproximadamente de 2047-1940 a.C.

O fundador da 3ª Dinastia de Ur, também denominada de o “Novo Império Sumério”, foi precisamente o rei Ur-Nammu, que dá nome ao Código de que ora tratamos, sendo esse diploma legal certamente o seu maior mais legado para a nossa civilização. Aliás, o prólogo do Código sugere que o rei Ur-Nammu, pouquíssimo modesto, se achava empoderado (palavra hoje na moda no vocabulário “politicamente correto”) pelos deuses para proclamar sua lei, afirmando, ao final, algo como: “Eu fiz o mal, a violência e o grito por justiça desaparecerem”.

O Código de Ur-Nammu, que reconhecidamente serviu de inspiração para as codificações que vieram a lume nos séculos seguintes (Lipit-Ishtar, Hammurabi e Eshnunna, notadamente), na dimensão como chegou até nós, consiste em um conjunto de aproximadamente quarenta disposições condicionais (de um total de quase sessenta que teria a versão completa do Código). Algo como: se “X”, então “Y”, sendo “X” a conduta e “Y” a consequência legal.

Curiosamente, diversamente das “cruéis” disposições retributivas do famoso Código de Hammurabi (“olho por olho, dente por dente” e outras coisas do tipo), que data de quase três séculos depois, cerca de 1792 a. C., o Código de Ur-Nammu impunha penalidades pecuniárias para uma grande variedade de tipos penais, incluindo hipóteses de lesões corporais causadas a outrem, o que, sem dúvida, se mostra muito mais consentâneo com a concepção humanitária do direito que temos hoje. Assim se dava, como anota Michael H. Roffer (em “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015), em casos como os de tirar a visão de outrem, quebrar os ossos de outrem, deflorar escravo alheio, cometer perjúrio, divorciar-se da primeira mulher e por aí vai. Muito interessante e elogiável também é o fato, apontado por Michael H. Roffer, de que o Código de Ur-Nammu tratava de forma muito mais severa os “ilícitos criminais” (levando em consideração o que são “ilícitos criminais” na grande maioria dos sistemas jurídicos ocidentais contemporâneos) do que os “ilícitos civis”, punindo, por exemplo, os gravíssimos crimes de homicídio e estupro com pena de morte e o de sequestro com prisão e multa.

Bom, o Código de Ur-Nammu pode não ser tão badalado quanto o Código de Hammurabi, talvez porque, primeiramente descoberto/traduzido por Samuel Noah Kramer (1897-1990) no começo dos anos 1950, até hoje não foi possível, com base nos fragmentos já encontrados, reconstruir todas as suas disposições. Entretanto, escrito no alfabeto cuneiforme e na língua sumeriana, ele é, conforme faz questão de registrar Klass Veenhof (1935-, apud Michael H. Roffer), professor da Universidade de Lieden e grande especialista no tema, certamente o mais antigo texto verdadeiramente legislativo que chegou até nós.

E isso, meus queridos leitores, é muitíssima coisa.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP