A Gestante
Elísio Augusto de Medeiros e Silva (in memoriam)
Corria o ano de 1904, os bondes a tração animal ainda desciam e subiam,
vagarosamente, pela Junqueira Aires. Os meninos caçavam passarinho e lagartixa,
com baladeira, e jogavam pião nas calçadas existentes. Nas escolas, era adotado
o livro de leitura de Felisberto de Carvalho.
A nossa personagem, Aninha, menina-mulher, casara bem nova, com 14 anos
apenas estava grávida, e era o alvo das preocupações de toda a família. O
sogro, homem de posses, residente no sertão, quando em Natal, era um dos frequentadores
da Potiguarânia, na Rua Ulisses Caldas.
Quando Aninha começou a ficar com o estômago embrulhado, escurecimento de
vista, vomitando e enjoando a comida e as pessoas, foi logo diagnosticado:
“Está grávida”, disseram as comadres.
A partir daí, todos se desmanchavam em atenções e cuidados, com gravidez
tão precoce.
– Leve esse docinho de araçá para Aninha, que ela pode estar com
desejo...
Aninha, com tantos dengos, por sorte, não enjoou o marido, que se
desdobrava em atenções e carinhos.
Como ele trabalhava no Palácio do Governo, à Rua do Comércio, todo dia,
às tardinhas, trazia um cacho de coco verde para ela, pois diziam ser muito bom
para as gestantes...
Difícil mesmo foi quando ela passou a ter uns desejos estranhos, e... Por
que não dizer?... Impossíveis: chupar caju no mês de outubro, comer bolo de
milho e canjica fora da época junina.
Mas, todos faziam o máximo para atender os seus desejos.
O maior medo da família era ela perder a barriga, abortar. Do sertão
vinham alfenins, batidas e queijos de coração, regularmente, trazidos pelos
tropeiros.
Então, a cada desejo novo, várias pessoas eram mobilizadas para o seu
fiel atendimento.
O pai, todo orgulhoso, mal via a hora do herdeiro nascer: seria o
primeiro neto.
Na rua era só no que se falava. Os amigos mais chegados justificavam: é o
primeiro filho, depois ele se acostuma.
O enxoval da criança vinha todo de Caicó, onde, desde o terceiro mês de
gestação, havia sido encomendado às bordadeiras. Mas, não sabiam ainda se era
menino ou menina.
Não existiam as ultrassonografias modernas. As senhoras da Rua São Tomé,
mais experientes, falavam: se a barriga for redonda é menina; pontuda, é menino
na certa.
Existia até uma simpatia que mandava a mulher encostar-se na parede e,
depois, começar a andar. Se o primeiro passo fosse dado com o pé direito é
menino macho, caso contrário, mulher. O professor Veríssimo de Melo contava que
existia uma crendice popular no Rio Grande do Norte que dizia: “A primeira
pessoa que bater em casa, no momento em que a mulher gestante começar a contar
o enxoval do filho, também indicará o sexo: se for um homem, a criança será do
sexo masculino; se for mulher, do sexo feminino”.
O feto, a esta altura, já se movimentava muito na barriga de Aninha,
motivo por que alguns garantiam que seria homem.
Depois de vários testes e afirmações diversas, aproximava-se o dia tão
esperado por todos. Aí se agravava o problema do enxoval: qual cor escolher...
Azul ou rosa?
Em Caicó, onde residia a sua sogra, o enxoval já estava sendo
providenciado. Bicos e rendas das mais finas. As bordadeiras eram as melhores
de Timbaúba e Acari. Fraldas, camisas de pagão, toucas, sapatinhos, lençóis,
fronhas, tudo encomendado, mas... E a cor?!...
Até os frangos já estavam enchiqueirados para o resguardo de Aninha. O
marido já preparara os licores que serviria aos visitantes.
A parteira Dona Júlia, que morava nas Rocas, já estava de sobreaviso.
Aninha, como toda grávida, era o centro da atenção de toda família. É
verdade que tinha perdido o viço da juventude, engordado uns vinte quilos, não
parecia ter 15 anos.
As crendices mais populares eram seguidas à risca:
- Não podia atravessar água corrente
- Não podia olhar para o sol durante um eclipse
- Não podia visitar pessoas mordidas por cobra
- Não podia ter susto
- Não podia brincar com animal peludo
- Não podia passar por cima de corda estendida
Cercada de todos esses cuidados, Aninha tinha uma gravidez saudável e
feliz. Quando se aproximou os nove meses, começou a apresentar as dores do
parto. Não que ela fosse escandalosa... Mas, as dores só sabe quem já as
sentiu. Nesse dia, aumentaram muito, e, ligeiro, foram buscar Dona Júlia, nas
Rocas, que já trazia a oração que amarrava no pescoço das parturientes. Foram
rápido, pois, nessa época, em Natal, ou se andava a pé ou no lombo de cavalos
ou burros.
A casa logo ficou cheia de gente, ávida por notícias. Na cozinha, a panela
enorme fervia na trempe, sobre as brasas, e o marido de Aninha andava de um
lado para o outro. Dando nós nas fraldas da camisa.
As histórias nas salas eram todas relacionadas com parto. Um mensageiro
foi enviado a Caicó, pois era uma viagem longa pelo “Caminho do Sertão”.
O parto transcorria em paz, e todos na sala ao lado rezavam para Nossa
Senhora do Bom Parto.
Lá para as 17:00 h, é escutado o choro da criança. A preocupação era se a
criança tinha nascido laçada, pois, nesse caso, poderia morrer enforcada.
Alguém saiu do quarto e anunciou: “É menino macho! Louvado seja Nosso
Senhor!”.
Na mesma hora ouvia-se, ao longe, o sino da Igreja do Bom Jesus, na
Ribeira, que convocava os fiéis para a missa.
O parto transcorreu normal e, depois de expelida a placenta, a lavagem
com ervas para estancar a hemorragia, em meio a muitas toalhas brancas.
Em seguida, a placenta é enterrada na porta da casa para, segundo a
tradição oral, o menino ser caseiro.
Em meio a muita alegria, todos comemoram a chegada do neném.
No outro dia, pela manhã, a casa cheia de amigos, parentes e compadres,
que vinham conhecer o recém-nascido. No ar o cheiro de alfazema e do licor de
jenipapo, servido franco.
Aninha, de resguardo, iria passar, no mínimo, dez dias tomando caldo de
galinha, e, nem de longe, comida carregada.
O nome da criança foi escolhido: Evaristo. Uma homenagem ao santo do dia
27 de outubro, Santo Evaristo, quarto sucessor de São Pedro.
O pai e os amigos e familiares tomaram, depois que o umbigo do bebê caiu,
“o mijo do menino”, olhando o pôr-do-sol no Potengi.
Em tempo: tinham acertado a cor do enxoval.