15/11/2014

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL

No dia 15 de novembro de 1889, aconteceu a proclamação que transformou o Brasil em um país de regime republicano. Antes disso, nosso país era um império organizado a partir do rompimento dos laços coloniais com Portugal. A proclamação republicana foi resultado da ação de um grupo de militares, que se colocou contra o governo imperial que era liderado por Dom Pedro II.
A ação dos militares brasileiros realizou-se numa época em que os movimentos de oposição contra o império já aconteciam. No fim do século XIX, vários intelectuais e políticos acreditavam que o Império não era o melhor para o país. A ideia de um governo controlado por um imperador, portando muitos poderes, era entendida como algo que dificultava o desenvolvimento da nação.
Além disso, havia uma grande oposição ao governo imperial por conta do trabalho escravo. A escravidão era interpretada como um tipo de trabalho que impedia o processo de modernização de nossa sociedade, de nossa economia. Portanto, a escravidão deveria ser combatida. Contudo, esse mesmo regime era mantido pelo governo imperial. Com isso, muitos defensores do fim da escravidão também se transformaram em críticos do governo de Dom Pedro II.
Nesse conjunto de transformações, alguns militares engrossaram a fileira dos que não concordavam com o governo de Dom Pedro II. Após a Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870, os militares brasileiros ganharam muito prestígio mediante a vitória do país nesse conflito. Valorizados pelo conflito, passaram a exigir maior valorização com melhores salários e a formação de uma carreira mais interessante. Na medida em que o império não cumpria todas essas exigências, importantes figuras do Exército passaram a se contrapor à ordem imperial.
Não bastando esse movimento, devemos destacar o problema surgido nessa mesma época entre o imperador e a Igreja Católica. No fim do século XIX, o papa havia decretado que os católicos envolvidos com a maçonaria deveriam ser expulsos da Igreja. O imperador, que era católico e simpático à maçonaria, acabou não seguindo essa exigência e impediu que os bispos brasileiros seguissem as recomendações papais.
Nesse período, essas tensões cresciam e a abolição da escravidão, decretada em 1888, acabou piorando a situação de Dom Pedro II. Os grandes fazendeiros proprietários de escravos se sentiram desamparados pela Coroa e também passaram a se voltar contra o rei. Nesse contexto de críticas e oposições, passou a correr um boato de que Dom Pedro II iria realizar uma grande reforma nas Forças Armadas, retirando da corporação os militares que se opunham ao Império.
Essa polêmica, alimentada ao longo do ano de 1889, acabou mobilizando um grupo de militares que exigiam a anulação dessa reforma. Alguns outros, já percebiam nessa oportunidade a situação ideal para impor a dissolução do Império Brasileiro. Foi entre essas duas propostas que o marechal Deodoro da Fonseca, líder do Exército, foi convocado para liderar a ação que deu fim à monarquia brasileira. No dia 15 de novembro daquele ano começava o regime republicano brasileiro.
A partir daquele momento, dava-se início a um novo tipo de governo político em nossa história. Na república, temos a organização de um governo que deveria dar mais autonomia aos estados e maior direito de participação política aos cidadãos do país. Apesar de esses serem os dois pilares do nosso regime, foram muitas ainda as lutas e transformações que viriam a garantir realmente essas duas mudanças em nossa realidade política. Ou seja, o 15 de novembro foi apenas um primeiro passo de uma longa estrada a se construir.

Por Rainer Gonçalves Sousa
Colaborador Escola Kids
Graduado em História pela Universidade Federal de Goiás - UFG
Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás - UFG

14/11/2014

A casa onde moraram os pais de Henrique Alves 
e de Robinson Faria. Algumas coincidências
Luiz Gonzaga Cortez*

Na Rua Felipe Camarão, 467, Centro de Natal, há uma residência que foi ocupada por duas famílias de destaques na política potiguar, desde os anos 30/40 do século passado. Nela viveram lideranças políticas já falecidas, portanto, com os seus nomes gravados na História, enquanto outras estão no cume de suas carreiras.
Situada na esquina das ruas Felipe Camarão e Auta de Souza, a casa, hoje ocupada por uma empresa de planos de saúde, foi de propriedade do comerciante Manoel Alves, “seu Nézinho”, pai do ex-Governador e ex-Ministro Aluizio Alves, o maior líder político do Rio Grande do Norte em todos os tempos. Toda a família de “seu Nézinho” morou naquela casa até meados da década de 40. Nos fundos da casa ainda está edificado o apartamento de Aluizio e Agnelo, nos anos em que estiveram enfermos.
O segundo proprietário do imóvel foi o Sr. Juvenal Justiniano de Faria e sua esposa e prima, Pocina. Sr. Juvenal, natural do Ceará, ainda menino, fugiu de uma longa seca e migrou para Serra Negra do Norte, onde encontrou abrigo e ajuda de parentes. Dedicou-se a agricultura e pecuária e, quando os bons ventos sopravam a seu favor, transferiu-se para Natal e constituiu família. Pois é, o Sr. Juvenal, que conheci pessoalmente, era o avô do governador eleito, Robinson Faria, filho de Osmundo Faria, empresário já falecido.
Robinson Faria, o eleito, não morou na casa de Sr. Juvenal, mas deve ter visitado os avós paternos quando criança ou adolescente. Henrique Eduardo Alves, filho de Aluizio Alves, que não venceu a disputa pela governança do Estado, no último pleito, também não residiu na antiga residência de seu avô paterno e nunca esteve lá.
Quanto a Agnelo Alves, não é necessário dizer que o seu filho Carlos Eduardo Nunes Alves é o prefeito de Natal e com futuro político promissor. E mais: Carlos Eduardo é amigo de Robinson desde os anos 70, época em que estudavam, na mesma turma, no Colégio Salesiano São José, na Ribeira, ao lado de outros jovens que se destacaram na sociedade, como Raniére Barbosa, vereador muito ligado ao prefeito da capital.
Finalmente, a casa que serviu de moradia às famílias dos pais de Henrique Alves e de Robinson Faria, tem história. Quem se habilita a resgatar a sua história, ouvindo ex-moradores e testemunhas dos seus possíveis eventos sociais e políticos?


*Luiz Gonzaga Cortez é jornalista e pesquisador.

13/11/2014

Bento José da Costa Junior e Emília Júlia Pires Ferreira

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

No dia 6 de março de 1817, teve início, em Recife, uma revolução, também conhecida como Revolução dos Padres. Teve curta duração, e dela resultou o assassinato de André de Albuquerque Maranhão, que chefiou, por curto espaço de tempo, os rebeldes do Rio Grande do Norte. Quem também pagou com a vida, por dela participar, foi nosso Frei Miguelinho, arcabuzado em Salvador, em 12 de junho de 1817. Nessa mesma data e lugar, também foi arcabuzado, outro líder desse movimento de independência, o capixaba Domingos José Martins.

Domingos, que vinha namorando escondido por cinco anos, Maria Theodora da Costa, casou, logo após a tomada do poder, no dia 14 de março, na Capela da Jaqueira. A noiva da Revolução, como ficou conhecida, era filha de Bento José da Costa e Anna Maria Theodora Moreira de Carvalho.   Bento e o sogro, Domingos Affonso Ferreira, além de participarem de várias arrematações de dízimos, aqui no Rio Grande do Norte, eram donos de muitas terras na Região das Salinas, incluindo aí, a Ilha de Manoel Gonçalves, Ilha de Macau, e Cacimbas do Vianna, fazenda de muitos gados. Com a morte de Domingos Affonso Ferreira, no começo do século XIX, Bento ficou com praticamente todas as terras, mas em 1834 faleceu, e as terras herdadas pelos filhos, principalmente as da região salineira, foram vendidas somente em 1868, por Bento José da Costa Junior e a esposa Emília Júlia Pires Ferreira para José Gomes de Amorim.

Esse casal foi padrinho em um batismo, aqui no Rio Grande do Norte, em 1845, como podemos ver do registro a seguir: Maria, filha do major José Martins Ferreira e sua mulher Dona Josefina Martins Ferreira, nasceu a dois de junho de 1845, e foi batizada a dezoito de agosto de 1846, no dito Comissário, por mim solenemente. Foram padrinhos Bento José da Costa (Jr.) e Dona Emília Júlia Pires Ferreira, por procuração ao capitão Pedro Alves Ferreira, e Dona Josefa Christiniana Ferreira, do que para constar fiz este assento, em que me assino. Manoel Januário Bezerra Cavalcanti, pároco colado do Assú.

O Comissário acima era em Cacimbas do Vianna, hoje pertencente ao município de Porto do Mangue, onde residiam nessa época meus trisavós, o major José Martins e sua esposa Josefina Maria. Os padrinhos de Maria moravam em Recife, onde casaram conforme o registro abaixo.

Aos vinte e cinco dias do mês de abril de mil oitocentos e vinte e cinco, com despacho do Ilustríssimo Senhor Vigário Capitular, Jerônimo Gonçalves dos Santos, pelas cinco horas da tarde nesta Freguesia, no Oratório da casa de residência de Gervásio Pires Ferreira, feitas as denunciações na forma do Sagrado Concílio Tridentino, nesta Matriz do Santíssimo Sacramento da Boa Vista, em três dias sucessivos, por despacho do mesmo Ilustríssimo Senhor Vigário Capitular donde a nubente é moradora, e nas suas Igrejas Paroquiais da cidade do Recife, donde o nubente é natural e morador, tendo a nubente justificada sua menor idade e sua naturalidade, e dispensados do grau de parentesco em que se acham ligados, sem se descobrir impedimento algum, de minha licença, em presença do Reverendo Vigário Virgínio Rodrigues Campello, e das testemunhas Gervásio Pires Ferreira, casado, morador nesta Freguesia, e o coronel Bento José da Costa, casado, morador no Recife, se receberam por palavras de presente Bento José da Costa Junior e Dona Emília Júlia Pires Ferreira, brancos; ele, nubente, filho legítimo do coronel Bento José da Costa e Dona Anna Maria Theodora Moreira de Carvalho, e a nubente filha legítima de Gervásio Pires Ferreira, e de Dona Genoveva Perpétua  de Jesus Caldas; e logo receberam as bênçãos nupciais conforme o Rito Romano, como consta da certidão, banhos, despacho, mandado de casamento e dispensa que ficam no arquivo desta Matriz; do que mandei fazer este assento que por verdade assinei. Vigário José de Sousa Serrano.

O português Domingos Affonso Ferreira era primo legítimo de Gervásio Pires Ferreira, pois sua mãe, Isabel Pires, era irmã de Domingos Pires Ferreira, pai de Gervásio. Daí o parentesco de Bento Junior com Emília Júlia, via Anna Maria Theodora, filha de Domingos Affonso.

Quando as capitanias foram transformadas em províncias, estas foram inicialmente governadas por uma junta governativa. Em Pernambuco, ela tinha sete membros e governou de setembro de 1821 a setembro de 1823, tendo entre seus membros, Gervásio Pires Ferreira, como seu presidente; Felippe Nery Ferreira, filho de Domingos Affonso Ferreira; e Bento José da Costa, genro de Domingos Affonso Ferreira.

Para finalizar, transcrevemos o batismo de uma filha do tenente-coronel Bento, irmã de Bento Junior: aos dezessete dias do mês de fevereiro do ano de mil oitocentos e cinco, na Capela de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras (conhecida posteriormente com Capela da Jaqueira), de minha licença, batizou e pôs os Santos Óleos o Padre Antonio Gomes, da Congregação do Oratório, a Francisca, branca, nascida aos nove do dito mês e ano, filha de Bento José da Costa e sua mulher Anna Maria Theodora, esta natural da Freguesia de São Pedro Gonçalves do Recife, e neta paterna de Antonio José da Costa, e de Maria da Costa, e materna de Domingos Affonso Ferreira e de Maria Theodora Moreira de Carvalho. Foram padrinhos Bernardo José da Costa por procuração sua que apresentou Alexandre Affonso Ferreira e Maria Theodora Moreira de Carvalho, solteira. O vigário Gabriel Bezerra Bittencourt. A batizada devia ser Francisca Escolástica Josefa da Costa, que casou com Antonio da Silva Junior.

12/11/2014

Meu tetravô e o testamento de Domingos Affonso Ferreira Jr.

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Segundo Zilda Fonseca, em “Desbravadores da capitania de Pernambuco, seus descendentes, suas sesmarias”, Domingos Affonso Ferreira Jr. nasceu em 1781, filho de Domingos Affonso Ferreira e Maria Theodora Moreira de Carvalho. Enquanto Maria Theodora faleceu aos 9 de dezembro de 1803, seu marido, Domingos,  faleceu, no ano seguinte, aos 5 de fevereiro, menos de dois meses depois. O inventário destes dois últimos durou muitos anos. Em 1810, o inventariante, Bento José da Costa, ainda pedia avaliações das terras e bens, aqui no Rio Grande do Norte, sendo seu representante e administrador das terras do Assú, José Álvares Lessa.
Aos 28 de março de 1814, Domingos Jr. fez seu testamento, iniciando com as seguintes palavras: Digo eu, Domingos Affonso Ferreira (Jr.), que estando de cama temendo a morte, não sabendo a hora, e por estar em meu perfeito juízo ordeno meu testamento pela maneira seguinte. Primeiramente encomendo a minha alma a Santíssima Trindade que me criou e queira receber minha alma no céu, assim como fez a Jesus Cristo, unigênito do Padre, que uniu os homens, encomendo-me a Maria Santíssima, Anjo de minha guarda, Santo do meu nome queiram ser os medianeiros diante de Deus.
Nomeou como seus testamenteiros, o cunhado, coronel Bento José da Costa, Dona Joanna Cândida de Lima, e Dona Izabel Maria Ferreira. Declarou que era natural da Vila do Recife, filho de Domingos Affonso Ferreira e Dona Maria Theodora Moreira de Carvalho. Disse mais, que do melhor da sua fazenda fosse para o afilhado José Affonso Ferreira. Deixou mais ainda, quantia em dinheiro, para as tias D. Catarina Angélica, Dona Joaquina da Conceição e Dona Joanna Cândida, e para sobrinha e afilhada Dona Maria, filha de sua irmã Izabel Maria Ferreira. Nomeou como seus herdeiros universais seus irmãos machos e fêmeas.
Afirmou, ainda, que de posse dele havia um sítio na Ponte de Uchoa, com casa de vivenda, por conta do que lhe ia tocar por herança dos seus falecidos pais, cujos bens se achavam pro indivisos. Declarou que tinha contas com seu cunhado Bento José da Costa, com outro cunhado, José Antonio Alves de Souza, e com sua irmã Izabel Maria Ferreira.
Aos 23 de abril de 1814, pouco tempo depois do seu testamento, Domingos Jr. faleceu, solteiro, na Boa Vista, sem deixar sucessão.
No seu inventário, o que chama a nossa atenção é o número de pessoas que lhe deviam. A quase totalidade dos devedores estava, também, no inventário dos seus pais. É possível que ele tenha herdado essas dívidas ativas. Na lista, em ordem alfabética, aparecem, entre os muitos devedores, Antonio Lopes Viegas, Francisco Antonio Teixeira, lá do Assú,  e Bernardo José da Costa, irmão de Bento José da Costa.  Algumas dívidas já estavam a cargo de outras pessoas, entre elas o  inventariante Bento.
Em 1815, José Álvares Lessa, já era falecido, como se poder ver, em “Questão de Limites”, de um ofício do vereador Manoel Ignácio Pereira do Lago para o escrivão geral da Vila Nova da Princesa, Manoel de Melo Montenegro Pessoa. Por isso, nas dívidas ativas de Domingos Affonso Ferreira Junior, encontramos, que a cargo de João Martins Ferreira (meu tetravô) ficou uma dívida do falecido José Álvares Lessa, administrador das Fazendas do Assú, e consta da conta que com ele se ajustou em dezesseis de outubro de mil oitocentos e onze, o qual não deixou bens e sim algumas dívidas. Mais ainda, a cargo do dito João Martins, parte das dívidas que deviam as fazendas do Assú, de mil setecentos e noventa e oito a mil oitocentos e quatro, e mais ainda, as dívidas que deviam outras fazendas desde mil oitocentos e quatro a mil oitocentos e onze.
Além das terras compradas por Bento José da Costa e seu sogro,   Domingos Affonso Ferreira, em 1797, havia mais duas Sesmarias recebidas por este último em 1798, tudo aqui no Rio Grande do Norte. O capitão João Martins Ferreira foi administrador das terras do Assú, com base na Ilha de Manoel Gonçalves, e pelo visto deve ter assumido com o falecimento de Lessa. Outro detalhe é que a esposa de João Martins Ferreira se chamava Josefa Clara Lessa, possivelmente, filha do falecido José Álvares.
Felipe Neri Ferreira, irmão de Domingos

11/11/2014



MIGUELINHO – (1)


Jurandyr Navarro
Do Conselho Estadual de Cultura

O patrimônio histórico-cultural do Rio Grande do Norte é possuidor de perfis hu­manos os mais ilustres e ilustrados: o Padre Miguelinho é um deles. Santificou-se como Mártir da Pátria. Santo e herói. Herói pela coragem e santo pela dignidade. Ninguém mais digno na sua atitude de idealista. No martírio ninguém mais corajoso.
Este, o valor da sua alma e a força do seu coração. Contudo, sobressai-lhe outros méritos incontestáveis. Um deles gerou frutos da sua inteligência: o de Orador.
No seu tempo, o discurso era, regra geral, gongórico, adornado de enfeites retóricos, períodos intercalados de transparências exclamativas, com suas expressões sentimen­tais; acentuações do que se diz, na interjeição; as apóstrofes; a exageração das propor­ções naturais, na hipérbole, etc. A tudo isto acrescentava-se o exórdio e a peroração. Hoje, tornar-se-ía cansativo e enfadonho. O nosso século é o século da velocidade, do pragmático, do objetivo. Porém, para a época era um primor literário, o gênero da orató­ria rebuscada.
O tempo atual mudou o seu aparato bombástico. O discurso dos dias presentes é mais enxuto, substantivado, objetivo. Tem visos de alocução. Mais direto, sem insinua­ções, nem arrodeios. Não se parece mais com a conferência, que precisa conferir... e sim com a palestra, simples e breve.
Diversa a época de 1817 quando a tribuna se ataviava de encantos literários. O valor conotativo da oratória era mais rico.
E o padre Miguelinho foi um grande orador, via por onde desaguava a vasta erudi­ção de suas letras clássicas. A sua Orasam Acadêmica foi um dos marcos iniciais da Universidade Brasileira, uma verdadeira Aula Magna de cultura humanista.
Diz Daniel-Rops, da Academia Francesa, que o púlpito foi implantado nas Igrejas pelos Dominicanos, em Toulouse, quando se iniciou a Pregação. São Bernardo, o mon­ge branco; Francisco de Assis; são Domingos, atraem multidões. O mais famoso des­ses pregadores - Santo Antônio de Pádua. Seguem-se são Boaventura, Thomaz de Aquino, Pedro, o Eremita... Gilbert de Nogent, Urbano II e Inocêncio III.

"Os dois Testamentos são os peitos. Pregadores, bebei!" exclamava Hildeberto... “Todos os Sermões medievais transbor­dam de vida, de matiz, e terminam com uma mensagem edificante, facilmente compreensível".

Tal a fonte que iria beber Miguelinho para tornar-se Pregador, que o foi culminando com a láurea de respeitado docente de Retórica, no Seminário de Olinda.
Como político, nas reuniões secretas que tomou parte, o verbo de Miguelinho deve ter sido inflamável como inflamável era o seu nacionalismo, o seu patriotismo, o seu idealismo. A oratória vibrante devia possuir a flama ardente de um Raul Ardent, sacer­dote, cuja "palavra era um gládio".
Além de grande tribuno foi também professor de Teologia. Foi ele um dos primei­ros a levantar a chama ardente da inteligência pátria nos currículos universitários. A História registra o seu nome glorioso de intelectual e orador com o mesmo carinho e veneração que o faz em relação ao seu martírio heróico.

A sua coragem diante dos juizes do seu julgamento traçou-lhe o tristonho fadário, mas transformado em glória. Idealismo glorioso o dos mártires heróicos!
Dando continuidade ao artigo anterio, recordando o vulto memorável do Padre Miguelinho, na passagem de mais um ano do seu martírio, pela causa da independêcia pátria, apresentamos mais alguns tópicos da sua biografia.
Miguel Joaquim de Almeida era natalense, nascido no bairro da Ribeira a 17 de novembro de 1768.
Filho legítimo de Manoel Pinto de Castro, de origem portuguesa e de d. Francisca Antônia Teixeira, natural de Natal. Seus irmãos Inácio e Manoel, sacerdotes e José Joaquim, paroquiano, e a irmã Clara. Batizado na Matriz da Apresentação, um mês depois de nascido.
Miguelinho, em plena adolescência viajou para a Capital pernambucana. Pertenceu  à Ordem Carmelita. Depois empreendeu viagem a Portugal para prosseguir nos estudos religiosos e literários, lidando com inúmeros intelectuais lusitanos e brasilieiros, dentre sacerdotes eleigos.
Em 1800, aos trinta e dois anos, requereu a chamada secularização, deixando de ser frade para torna-se padre, condição que permaneceu pelo resto da vida.
Como foi dito no artigo anterior, tornou-se aplaudido orador sacro, lecionando Retórica no Seminário de Olinda, quando do seu retorno ao Brasil.
Patriota convicto, assumiu destacada posição no grupo político conspiratório imbuído de idéias libertárias, fazendo parte de reuniões em Recife e Olinda.
Tomou parte do então governo Provisório, por ter sido um dos líderes da Revolução de 1817.
Após, como a História registra, o movimento foi contido pela chamada contra-revolução, tendo sido preso e fuzilado no Campo da Pólvora, na Bahia.
Teve um martírio heróico, ao assumir a responsabilidade dos atos revolucionários, livrando, assim, muitos outros adeptos do movimento político abortado.
Entretanto, esse movimento conspiratório serviu de semente que germinaria cinco anos depois, em 1822, quando brotou do solo, ainda ensanguentado, a árvore da liberdade.
A sua Estola é uma das relíquias raras guardada no nosso Instituto Histórico e Geográfico e o seu retrato, em pintura, de fina arte, do pintor Parreiras, segundo o pesquisador Cláudio Galvão, cuja criaçao deu-se na atmosfera de Paris de 1916,e que adorna uma das paredes da Presidência da nossa Casa da Memória.
Opadre Miguelinho tinha inclinaçao pelas alturas. Perseguiu sempre as realizações enobrecedoras do espírito humano, as grandes coisas, como se diz: a grandeza da Religião envolta no seu mistério imponderável, a sabedoria na arte retórica e o idealismo político, traduzido no sublime ideal pátrio. Preciosidades estas advindas da instrução intelectual sob a proteção dos valores da ética e da moral.
A sua formação educacional foi perfeita e plena, pois partiu da sua primeira idade, a primavera da vida, o que é importante, no pensar de ilustrados educadores, já que a planta tudo produz através da sua raíz.
Em respaldo a essa argumentação aduz Sêneca ser ridícula um velho estudando na escola primária. E conclui: “ao jovem compete preparar-se e ao velho realizar-se”.
Elogiável a vida de Miguelinho por ter sido plena por atividades corajosas, de disciplina espiritual e de grandeza de carater.
Em carta ao amigo Lucílio, diz o autor de “Aprendendo a Viver”, acima citado: “a vida deve ser medida pelas ações e não pelo tempo”.
Dessa passagem histórica, quase dois seculos decorridos, o Brasil se encontra com sua independência consolidada e seu potencial energético e econômico causam inveja a muitos paises civilizados, graças a têmpera de pessoas como padre Miguelinho, cuja decisão partriótica iluminou o caminho.


MIGUELINHO  -  (2)


Dando continuidade ao artigo anterio, recordando o vulto memorável do Padre Miguelinho, na passagem de mais um ano do seu martírio, pela causa da independêcia pátria, apresentamos mais alguns tópicos da sua biografia.
Miguel Joaquim de Almeida era natalense, nascido no bairro da Ribeira a 17 de novembro de 1768.
Filho legítimo de Manoel Pinto de Castro, de origem portuguesa e de d. Francisca Antônia Teixeira, natural de Natal. Seus irmãos Inácio e Manoel, sacerdotes e José Joaquim, paroquiano, e a irmã Clara. Batizado na Matriz da Apresentação, um mês depois de nascido.
Miguelinho, em plena adolescência viajou para a Capital pernambucana. Pertenceu  à Ordem Carmelita. Depois empreendeu viagem a Portugal para prosseguir nos estudos religiosos e literários, lidando com inúmeros intelectuais lusitanos e brasilieiros, dentre sacerdotes eleigos.
Em 1800, aos trinta e dois anos, requereu a chamada secularização, deixando de ser frade para torna-se padre, condição que permaneceu pelo resto da vida.
Como foi dito no artigo anterior, tornou-se aplaudido orador sacro, lecionando Retórica no Seminário de Olinda, quando do seu retorno ao Brasil.
Patriota convicto, assumiu destacada posição no grupo político conspiratório imbuído de idéias libertárias, fazendo parte de reuniões em Recife e Olinda.
Tomou parte do então governo Provisório, por ter sido um dos líderes da Revolução de 1817.
Após, como a História registra, o movimento foi contido pela chamada contra-revolução, tendo sido preso e fuzilado no Campo da Pólvora, na Bahia.
Teve um martírio heróico, ao assumir a responsabilidade dos atos revolucionários, livrando, assim, muitos outros adeptos do movimento político abortado.
Entretanto, esse movimento conspiratório serviu de semente que germinaria cinco anos depois, em 1822, quando brotou do solo, ainda ensanguentado, a árvore da liberdade.
A sua Estola é uma das relíquias raras guardada no nosso Instituto Histórico e Geográfico e o seu retrato, em pintura, de fina arte, do pintor Parreiras, segundo o pesquisador Cláudio Galvão, cuja criaçao deu-se na atmosfera de Paris de 1916,e que adorna uma das paredes da Presidência da nossa Casa da Memória.
Opadre Miguelinho tinha inclinaçao pelas alturas. Perseguiu sempre as realizações enobrecedoras do espírito humano, as grandes coisas, como se diz: a grandeza da Religião envolta no seu mistério imponderável, a sabedoria na arte retórica e o idealismo político, traduzido no sublime ideal pátrio. Preciosidades estas advindas da instrução intelectual sob a proteção dos valores da ética e da moral.
A sua formação educacional foi perfeita e plena, pois partiu da sua primeira idade, a primavera da vida, o que é importante, no pensar de ilustrados educadores, já que a planta tudo produz através da sua raíz.
Em respaldo a essa argumentação aduz Sêneca ser ridícula um velho estudando na escola primária. E conclui: “ao jovem compete preparar-se e ao velho realizar-se”.
Elogiável a vida de Miguelinho por ter sido plena por atividades corajosas, de disciplina espiritual e de grandeza de carater.
Em carta ao amigo Lucílio, diz o autor de “Aprendendo a Viver”, acima citado: “a vida deve ser medida pelas ações e não pelo tempo”.
Dessa passagem histórica, quase dois seculos decorridos, o Brasil se encontra com sua independência consolidada e seu potencial energético e econômico causam inveja a muitos paises civilizados, graças a têmpera de pessoas como padre Miguelinho, cuja decisão partriótica iluminou o caminho.




09/11/2014

1944 - Festa no Grande Hotel

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

O salão estava lotado de natalenses e americanos, que sorviam doses generosas dos uísques Logan, White Horse, Chivas e Old Parr, e fumavam Chesterfield, Kent e Malboro, em detrimento aos nossos Hollywood, Luís XV e Pesela, da Cia Lopes Sá.
Natal respirava e vivia o período da guerra, tendo mudado os velhos hábitos dos quase 60.000 habitantes, por influência dos contingentes militares que aqui se encontravam, principalmente o norte-americano.
Na época, a música mais tocada era “To You”, nas radiolas de ficha, e já conhecíamos a Coca-Cola, introduzida pelos americanos. A Ribeira vivia em plena efervescência econômica e social. O comércio, as pequenas indústrias, tudo estava em franca ascensão.
Na praça de carro, os Ford 42, Chevrolet e Packard reluziam nas mãos dos velhos motoristas de praça da Tavares de Lira, que se divertiam, limpando as faixas brancas dos pneus.
Nessa noite, Zé Areia passeava ao largo, esperando um gringo, para vender um mico.
As notícias vinham pelos rádios e jornais dos Aliados, ou então eram transmitidas por Luiz Romão, da Agência Pernambucana, desde 1938.
Na Rampa da Limpa, em Santos Reis, o pouso e a decolagem dos hidroaviões tinham sido intensos.
O Prefeito José Augusto Varela comemorava a inauguração do abrigo Juvino Barreto, que tinha ocorrido no dia 26 de março último.
Nesse dia, em Natal, 29 de março de 1944, em plena 2ª Guerra, alguns intelectuais da terra comemoravam os 42 anos de fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
O terreno do Grande Hotel tinha sido adquirido pelo Interventor Mário Câmara, e o projeto era do arquiteto George Munier.
O “Majó” não escondia a sua satisfação em ver que o hotel estava lotado. A música, a todo ritmo, soava tranquila para os festivos participantes.
No saguão, todos reunidos ouviam o dedilhar perfeito do maestro, no velho piano de canto. O lustre de cristal tcheco, com corrente de latão, balançava cadenciado pela música da época.
As senhoras bem vestidas, de relógios da marca Longines, desfilavam a última moda europeia, em vestidos de tecido de seda veludosa ou cetim de organza plissada, e desdobravam-se em amabilidades, ao lado de senhores austeros, de terno de tropical inglês: a fina flor da sociedade natalense.
Os cheiros de baton, rouge e pó de arroz misturavam-se aos cheiros dos extratos femininos: Zero Cinco, Belles Flevas, Muggo Chine, Bond Street e outros.
As mesas, com toalhas de linho branco, bordadas, exibiam as melhores louças portuguesas, ricamente decoradas, e algumas faianças inglesas, marca H&B.
Os garçons não paravam de rodar, no salão, com as bandejas de prata, repletas de taças de cristal com champanhe francês, doses de uísque, água de coco, refrigerantes e ponche.
O buffet tinha sido severo, desde os canapés, até os casquinhos de siri e camarões empanados. Tudo perfeito!
O refrigério do Potengi atingia a sala de recepções do Grande Hotel, levando aquele vento doce e salgado, aos convivas extasiados.
A noite, pelo jeito, iria demorar a fluir, na ampulheta do tempo, daquela Natal do século 20.
Quando serviram o prato principal: caviar ao molho branco, pernil de lagosta e peru, já se tinham gastado três horas do crédito da madrugada.
O velho prédio, em frente, onde depois foi o Bandern, a tudo assistia e, conformado, concordava com quem comentava sobre a Rádio Poti, recém-inaugurada, que sucedia à Rádio Educadora.
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Escritor falecido e artigo enviado pela filha Carina


Marcelo Alves
Marcelo Alves

Sobre William Blackstone

Embora pouco conhecido dos juristas filiados à tradição do “civil law” (também conhecida como família jurídica romano-germânica), ele é por muitos considerado o grande compilador e sistematizador do “common law”. Refiro-me a William Blackstone (1723-1780), o celebrado jurista inglês.

Nascido em Londres, Blackstone foi educado em Oxford. Estudou no Pembroke College da famosa Universidade. Foi aluno destacado, sendo, ainda muito jovem (em 1743), nomeado “fellow” no All Souls College da Universidade de Oxford. Retornou a Londres como advogado, mais precisamente como “barrister” (uma das categorias de advogado existentes na Inglaterra) vinculado ao Middle Temple. Em 1758, entretanto, voltou a Oxford, desta feita como “Principal” do St. Peter College e primeiro ocupante da “Vinerian Professorship of Common Law” da Universidade Oxford (primeira cadeira criada especificamente para o ensino sistematizado do “common law” inglês). Em 1761, chegou a ser eleito para o Parlamento de Westminster. Mas Blackstone foi, sobretudo, a partir de sua vida acadêmica em Oxford, o grande compilador e sistematizador do “common law” inglês, antes dele um vastíssimo conjunto de normas dispersas criadas pelo costume e por decisões judiciais.

Como se sabe, de um ponto de vista histórico, a Inglaterra, outrora parte do Império Romano, foi conquistada, por volta de 1060, pelos Normandos. Os conquistadores, por sua tradição, não eram acostumados a legislar, tanto é que a própria Magna Carta só surgiu num momento mais avançado da evolução do direito inglês. Com ou sem legislação, o Direito, por imperativo social, existia, sobretudo nos costumes, o que mantinha um altíssimo grau de incerteza.

Mais tarde, no Reino, surgiram os tribunais, onde se conseguiu (ou se procurou) diminuir essa incerteza. Em certo período da história, havia vários tribunais em funcionamento. As decisões dos tribunais, para além da solução do caso concreto, eram a “revelação” do Direito existente. Paralelamente, o que não era chancelado pelos tribunais não era considerado como Direito. Tem-se aí, não se nega, uma evolução no “common law” (já nesse momento também influenciado pela aparição de algumas leis, conhecidas como “statutes”). De fato, em vez de se procurar pelo Direito nos costumes, flutuantes, orais e assim muito mais problemáticos na prática, passa-se a reconhecer o Direito nas decisões judiciais, escritas e dotadas da autoridade do Estado. Todavia, não era o suficiente. As decisões judiciais eram pouco acessíveis e, sobretudo, assistemáticas.

William Blackstone, entretanto, mudou tudo isso com os seus “Commentaries on the Law of England”. Desse livro clássico, possuo, orgulhoso, uma edição fac-símile da 1ª edição de 1765-1769, publicada pela The University of Chicago Press em 1979. Evidentemente, é uma obra de difícil leitura, sobretudo para quem a língua materna não é o inglês, como é o meu caso.

Na verdade, os “Commentaries on the Law of England”, como lembra Robert Hockett em “Little Book of Big Ideas - Law” (“Pequeno Livro de Grandes Ideias - Direito”), foram mais que uma compilação e uma sistematização do “common law”. Eles também interpretaram, em muitíssimos pontos, o Direito. Foram, assim, não só importantes para os juristas e para a sociedade do seu tempo. Eles deixaram um legado extraordinário para as gerações futuras. Formaram por mais de um século - influenciando a academia, os tribunais e prática jurídica como um todo - os juristas das gerações seguintes, na Inglaterra, nos Estados Unidos e nos demais países vinculados à tradição anglo-americana.

Para se ter uma ideia da influência dos “Commentaries” para além da Inglaterra, reza a lenda que Abraham Lincoln (1809-1865), o grande presidente dos Estados Unidos da América e um dos maiores rábulas da história, aprendeu o Direito lendo os “Commentaries” de Blackstone. Tornado um clássico também nos EUA, é muitas vezes referido na literatura daquele imenso país, como, por exemplo, em “Moby Dick” (1851) de Herman Melville (1819-1891) e em “To Kill a Mockingbird” (1960) de Harper Lee (1926-).

Aliás, por falar em “To Kill a Mockingbird”, vou dar uma paradinha agora nos estudos para assistir ao filme homônimo (de 1962), cujo título traduzido no Brasil - bem mais poético, por sinal - é “O Sol é para todos”. Estrelado por Gregory Peck (1916-2003) no papel do advogado sulista Atticus Finch (pelo qual ele ganhou o Oscar de melhor ator), “O Sol é para todos” é um dos mais celebrados “filmes de tribunal” de todos os tempos. Como vou ao sul dos Estados Unidos no mês que vem, quem sabe escrevo aqui sobre ele.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP