A crise brasileira e os cristãos
Padre João Medeiros Filho
O
Brasil padece de uma ingente crise econômica, política, social, ética e
cultural. Analistas verificam que o descaso com a “res” pública, a
corrupção e a injustiça têm sido marcas constantes, ao longo de anos.
Nas últimas décadas, propagadores da impunidade assumiram abertamente a
postura da desfaçatez. Não disfarçam de qual lado se posicionam.
Colocam-se contra a pátria e os direitos dos cidadãos indefesos,
empobrecidos e altamente explorados. Há muito, o poder econômico domina.
A ética agoniza. Interesses de alguns importam mais do que o bem comum.
Sobre os ombros dos carentes, sofridos e injustiçados, vítimas dos
desmandos governamentais, recai o ônus das mazelas pelas quais passa o
país. Vive-se em meio aos destroços causados pelo desemprego, pela baixa
qualidade de ensino, fragilidade da saúde do povo, falta de
investimento em serviços públicos etc.
Aos cristãos três caminhos se
abrem diante dessa triste conjuntura. O primeiro consiste em permanecer
ao lado dos insensíveis. O segundo, manter um silêncio omisso e
conivente, beneficiando a iniquidade. Por fim, cabe-lhe assumir uma
atitude de engajamento contra essa realidade desumana. É preciso um
compromisso de serviço ao próximo e à pátria, antecipação do Reino de
Deus. Ao longo da história, setores da Igreja trilharam, em determinados
momentos, por essas três direções. É necessário, com inspiração
evangélica, assumir o lado da solidariedade, presença e diálogo
transformador. Não se pode desviar dessa opção. É o compromisso de todo
cristão que, pela vivência do Evangelho, se envolve com a causa do
próximo e o Reino de Deus. Este consiste também na equidade, na garantia
de direitos dos justos e honestos.
Os verdadeiros seguidores de
Cristo – apesar de esperar uma vida plenificada, após a peregrinação
terrestre – não podem cruzar os braços diante dos empecilhos do
despontar do Reino na realidade histórica e no cotidiano. O sinal da
cruz, traçado na fronte dos cristãos, deve significar o seguimento ao
Mestre, que colocou sua vida inteiramente a favor dos irmãos. A Igreja –
enquanto sacramento terreno e continuação da missão do Filho de Deus –
deve assumir o ousado e bíblico papel da profecia, opondo-se a tudo que é
sinal de morte, injustiça, desonestidade e falta de ética, ou seja, o
contratestemunho da doutrina de Jesus. Mas, é importante que se diga: o
profetismo não se refere à mera condenação ou crítica, construída em
confortáveis gabinetes, surdos aos gritos ou gemidos dos que sofrem. O
compromisso da Igreja é o do diálogo com todos, da busca de soluções
adequadas e sugestões de atitudes que possam iluminar as ações dos
dirigentes. É fácil condenar, mas não é cristão. “Porque não vim para
julgar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 12, 47). Rabindranath Tagore
insistia: “É mais fácil condenar milhares de pessoas do que tocar uma só
com a verdade”.
A laicidade do Estado não deve ser óbice para o
diálogo das forças religiosas com os poderes públicos. As igrejas têm um
importante papel na defesa de direitos dos cidadãos, filhos de Deus.
Desde que voltadas para os verdadeiros interesses do bem comum, elas
detêm legitimidade na discussão da coisa pública, em favor da população e
contra as práticas opressoras, vindas daqueles que deveriam ser os
autênticos representantes do povo.
Tal como João Batista, precursor
do Senhor, os cristãos necessitam ser uma voz que clama, como sinal de
esperança para os sofredores, vítimas da maldade e injustiça. “Devemos
ter uma palavra de paz, alegria, consolo, diálogo e ternura”, dizia
Santa Dulce dos Pobres. A fidelidade ao Evangelho não pode assumir uma
posição de indiferença ante o sofrimento daqueles que não têm voz e vez
na sociedade. Isso não significa que a Igreja deva ser partidária, como
pensam e pregam alguns, esquecendo o que disse o Mestre: “O meu reino
não é deste mundo” (Jo 18, 36). Inspirados na Palavra de Cristo, os seus
discípulos precisam assumir sua vocação, fundamental para o autêntico
testemunho da vivência religiosa e expressão da fé. “Somos cidadãos do
céu, mas não podemos tornar a terra num inferno”, advertia Santo
Agostinho