03/02/2019

O GARÇOM VIVAZ
BERILO DE CASTRO


Um dos meus poucos lugares escolhidos e esporadicamente usados para um bom papo, regado a uma cervejinha bem gelada ou um bom uísque, é a Peixada do Chorão. Situada no início da praia de Areia Preta, hoje nominada de Peixada do Velho Chora.
Lugar de um bom atendimento, com um apetitoso cardápio, tendo como carro-chefe o  fresquinho e irresistível peixe cozido, o Galo do Alto com pirão de arrebentar o juízo e o botão da camisa do freguês.
Vou encontrar também bons e admiráveis amigos para desopilar do dia a dia  movimentado e fatigante.
Sentado na sua mesa preferida, vou me juntar ao  estimado colega Armando Negreiros, anestesista, escritor e imortal. Um bom contador de causos; apreciador-mor do irresistível caldo de ostra com três ovos de codorna. Diz ele que fortifica até a medula do corpo cavernoso.
Os temas das resenhas são os mais variados: futebol, música, política, literatura: comentários sobre as boas crônicas de J. R.Guzzo, na última página da revista Veja.
Somos bem e alegremente servidos por um descontraído e vivaz garçom, o Tio César, assim chamado pelos seus sobrinhos administradores da Peixada. Que bom, tudo em família.
Tio César  é protagonista de histórias super-hilariantes, algumas já contadas por Armando.
Vejamos:
Certa vez foi abordado por um cliente que perguntou:
— Garçom, tem vinho seco?
— Tem,  sim, senhor!
— Me traga um!
Volta César com uma garrafa seca de vinho e diz:
— Pronto,  senhor,  tá aqui o vinho seco!
Uma outra vez, entra um cliente e pergunta:
— Garçom, aqui tem Wi-Fi?
— Não, doutor, só tem Black & White, Chivas e Old Parr!
Perguntado se a Stela (cerveja) já tinha chegado, responde:
— Quem chegou e está na cozinha é Margarida!
Quando seca um litro de uísque Old Parr, pede ao sobrinho Chorãozinho para ficar com o garrafa e levar para suas esbórnias, quando enche de uísque reeira para beber com as namoradas na praia da Redinha, momento em  que é tratado como “meu amorzinho rico, Cezinha.”. E pegue o falso Old Parr com ginga frita até o nascer do sol, arrodeado de gatinhas.

Berilo de Castro – Médico e Escritor –  berilodecastro@hotmail.com.br
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

01/02/2019



ELACIR, 80

 Por: BERILO DE CASTRO

Elacir Freitas da Rocha nasceu em Natal, no dia 25 de janeiro de 1939. Filho de Ormando Nobre da Rocha e Maria de Lourdes Freitas da Rocha.
Eu o conheci no final da década de 1950, quando residia na localidade do Baldo, na divisa dos bairros do Alecrim com o Centro da cidade. Nesta época e na mesma região, já prestava assessoria administrativa no Posto de gasolina São José, de propriedade do seu Ormando; ofício que lhe rendeu a prática de lidar com rapidez e muita precisão com o manuseio do  dinheiro.
Nos finais de semana, tinha a missão esportiva amadora de defender com muita pompa o gol da equipe do Real Madrid  do Baldo, usando o seu invejável uniforme negro, só usado pelo melhor goleiro do mundo — Lev Yashin, o Aranha Negra (1929-1990), da seleção Russa. Atuou também em vários outros times de várzeas, participando de jogos pelo interior do Estado.
Na era do Estádio Juvenal Lamartine (JL), no ano de 1955, teve uma rápida passagem pela equipe rubro-negra do Clube Atlético Potiguar (CAP), do nosso querido e imortal presidente João Machado, de Brígido Ferreira, do treinador Coqueiro, do seu auxiliar Arlindo e do boxeador/massagista Kid Passo.
No final da década de 1950, quando o Futebol de Salão (hoje Futsal) chegou empolgando a cidade, Elacir reaparece defendendo com destaque o gol do bom time do ABC, onde conseguiu levantar dois títulos.
Aposentado do futebol de salão, integrou-se definitivamente ao nosso grupo de peladeiros, chegando a participar por mais de 50 anos da nossa parceria recreativa nas tardes dos sábados. Chegando a impressionar nas suas últimas participações, com belíssimas, empolgantes e arrojadas defesas, quando já passava dos seus 70 anos.
Em 1973, já casado com Maria da Conceição de Araújo Rocha e com 4 filhos pequenos, foi diplomado em Direito pela UFRN.
No ano de 1975, assumiu o cargo de Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho, onde permaneceu até a sua aposentaria como Delegado do Trabalho da Região.
Hoje, 27 de janeiro do ano de 2019, domingo de belo verão, reúne os seus fraternos amigos, os seus queridos familiares para comemorar os seus 80 anos de vida. Uma dádiva, uma história vencedora, de muito brilho, de muita união e muito amor.
Que a BÊNÇÃO e a PAZ do Senhor continuem a iluminar e a guiar a sua tão bonita e rica trajetória de vida.
PARABÉNS, AMIGO ELÁ!

30/01/2019



RESTAUREM O ENGENHO DOS GUARAPES!

Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

O chamado Engenho dos Guarapes foi o marco expressivo do desenvolvimento econômico dos Séculos XVIII e XIX, através da comercialização de produtos agrícolas exportados para outros Estados e para o Exterior. Viveu o seu apogeu ao tempo de Fabrício Gomes Pedroza, rico comerciante, até chegar o seu declínio econômico no inicio deste século. O prédio situado no alto de uma colina, próximo a divisa dos municípios de Natal e Macaíba, embora em péssimo estado de conservação, a ele podem ser aplicadas as técnicas arquitetônicas utilizadas na reconstrução do Solar do Ferreiro Torto em Macaíba, cuja situação física era semelhante ou pior que o Casarão dos Guarapes, mas que para a sua consecução, houve empenho e verbas do Governo do Estado e Patrimônio Histórico da União.
A Arquiteta Jeanne Fonsêca Nesi na sua análise técnica, assim se expressou:
“Edificação majestosa e imponente, construída em alvenaria de tijolos, dentro das técnicas e padrões do século passado. Por volta de 1861, Guarapes era o centro comercial de repercussão, conhecimento, fama e poder. O seu proprietário e administrador era Fabrício Pedroza, o mais rico, mais poderoso e mais influente negociante da região. Exportava milhares de cargas de algodão, açúcar, sal, couros, peles, etc.”
Tarcísio Medeiros, no seu livro – Aspecto Geopolíticos e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte – descreve: “... De lá, galeras, briques, caravelões, uma quantidade enorme e variada de embarcações a vela, transportava mercadorias para o estrangeiro. Somente no ano de 1869/70, vinte e duas ganharam o mar alto, pejadas em busca da Inglaterra. De Natal, apenas 09.”
Em 1989, propus ao Conselho Estadual de Cultura o seu tombamento, tendo merecido o parecer favorável do então Conselheiro Otto Guerra, o qual opinou também que fosse ouvido o proprietário atual do imóvel. O Secretário de Estado da Educação e Cultura, por ofício, consultou o Sr. Gerold Gerppert que respondeu por carta, datada de 02 de abril de 1990, a sua anuência ponderando a realização do levantamento topográfico a ser efetuado pela Fundação José Augusto e o desmembramento legal do terreno para a sua averbação em cartório. Em 18 de dezembro de 1990, o Casarão dos Guarapes foi finalmente tombado pelo Governo do Estado através da Portaria nº 456/90.
E agora? Passados tanto tempo, de concreto, nenhuma medida foi tomada. Sei do interesse da Fundação José Augusto em restaurar esse sítio histórico. E daqui, renovo o meu apelo ao novo presidente da Fundação José Augusto Crispiniano Neto que já visitou a área e ficou entusiasmado com a beleza da vista que se descortina do alto do Casarão, para que juntos, possamos dá a largada sensibilizando a governadora Fátima Bezerra. É o resgate de uma etapa importante da vida econômica do Rio Grande do Norte, para a qual, o Governo, a FIERN, a Fecomércio avancem para o futuro e que não esqueçam que existiu um passado. Infeliz é o Estado que não tem memória, nem uma história pra contar.
Os apelos em favor da restauração através da imprensa, televisão e rede social foram intensos desde os governos de Vilma de Faria (8 anos), Rosalba Ciarlini (4 anos) e Robinson Faria (4 anos). O último gestor (R.F.) chegou a devolver uma dotação de hum milhão de reais enviados pelo Ministério do Turismo (governo Michel Temer).




(*) Escritor.

29/01/2019

Sobre Maquiavel (III)
No artigo da semana passada, deixei no ar a questão sobre como devemos avaliar Nicolau Maquiavel (1469-1527) sob o ponto de vista de uma moral ou ética cristã, tão cara para nós nos tempos atuais. Seria Maquiavel, como também indaga Cabral de Moncada (em “Filosofia do Direito e do Estado”, vol. 1, Arménio Amado Editor Sucessor, 1955), “aquilo que se chama de imoralista confesso e professo? Não existiriam para ele, na sua construção teórica do Estado, outros limites à ação deste senão os da conveniência, da força e da astúcia?”.
A grosso modo, foi com essa fama de imoralista, para dizer o mínimo, que esse ilustre florentino passou à história, tendo os seus “terríveis” conselhos ao Príncipe contribuído para moldar, positiva ou negativamente, o comportamento político das eras seguintes. E termos como “maquiavélico” e “maquiavelismo” ganharam o imaginário e o vocabulário popular, nunca para elogiar o ato ou a pessoa (o político manipulador, por exemplo) apontados como tal.
E como reconhece o já citado Cabral de Moncada, não faltam em “O Príncipe” (“Il Principe”, 1513) passagens clássicas que, sobretudo se interpretadas ao pé da letra, nos levam rapidamente a essa mesma conclusão. Com efeito, são bem “conhecidos os conselhos aí dados por Machiavelli aos príncipes, relativamente ao modo como aqueles que se apoderaram do governo por meios injustos devem praticar as crueldades e injúrias necessárias, de maneira que resultem menos gravosas para os súbditos; bem como os por ele dados, a fim de que os príncipes não tenham escrúpulos em praticar o mal quando necessário; e ainda os relativos ao direito dos príncipes de violarem a fé jurada e os tratados, sempre que isso lhes convenha, etc. Nestas e outras semelhantes doutrinas consiste afinal o chamado ‘maquiavelismo’, ou aquela moral segundo a qual os fins justificam os meios, e em que a hipocrisia, na administração destes últimos, de vício passa a ser a mais excelsa das virtudes dos príncipes e dos homens de Estado”.
Embora esse “lado sombrio da força” esteja visível em “O Príncipe” e o “amoralismo” do seu autor venha sendo enfocado pelos seus críticos, também há, quanto à obra de Maquiavel, muito erro de interpretação, fazendo dele, talvez, o mais famoso e ao mesmo tempo mais mal compreendido dos filósofos políticos que a história nos legou. Foi certamente essa incompreensão que fez dele, sob o ponto de vista da moralidade e da ética, o mais mal afamado de toda a turma.
Um olhar mais acurado em sua vida e obra, entretanto, faz com que a balança penda um pouco mais em prol de Maquiavel.
Antes de mais nada, como até já dito aqui, Maquiavel e o seu “O Príncipe” são produtos de um tempo e de uma Itália dividida num triste espetáculo de guerras e perturbações intestinas. E nessas condições emerge a Renascença, com aquilo que ela traz em contradição ao Cristianismo, da qual Maquiavel, na política, é um representante típico. Autor e obra, portanto, devem ser julgados levando em conta os padrões morais e éticos daquele inusitado período histórico.
Ademais, para Maquiavel, a criação de um Estado nacional italiano, unitário, com a regeneração do povo, era o ideal a ser atingido. Era exclusivamente para atingir esse ideal – marcadamente circunstancial e histórico – que, para ele, pensador e verdadeiro homem político, todos os meios se justificavam.
E mesmo aqui – sob a máxima de que “os fins justificam os meios” – algumas coisas podem ser ditas em prol de Maquiavel. Embora possa parecer uma diferenciação por demais sutil ou mesmo cínica, há certos tipos de “meios” ou condutas que, mesmo levando em conta o fim almejado, o próprio Maquiavel não recomenda. Como lembram os autores de “O livro da filosofia” (publicado pela Editora Globo em 2011), existem “certos meios que um príncipe sábio deve evitar, porque, embora possam alcançar os fins desejados, deixam-no exposto a ameaças futuras. Os principais meios a serem evitados consistem naqueles que fariam o povo odiar seu príncipe. O povo pode amá-lo e temê-lo – preferivelmente ambos, dizia Maquiavel, embora seja mais importante para um príncipe ser temido do que amado. Mas o povo não deve odiá-lo, pois isso provavelmente levaria à revolta. Da mesma foram, um príncipe que maltrata seu povo desnecessariamente será desprezado – um príncipe deve ter uma reputação por sua compaixão, não pela crueldade. Isso pode envolver punições duras para uns poucos, a fim de alcançar uma ordem social geral que beneficie mais pessoas a longo prazo”. E, claro, para os cidadãos comuns, mesmo tendo Maquiavel em geral desdenhado “da moralidade convencional cristã, considerada fraca e imprópria para uma cidade sólida”, a conduta recomendada “não é de modo algum a mesma de um príncipe”.
Maquiavel tem também a seu favor o princípio da “raison d'État” (“razão de Estado”, entre nós), tão utilizado ao longo da história pelos mais variados governantes, de boa ou de má fama. Aliás, esse parece ser, como anota o já citado Cabral de Moncada, “em resumo, o tema central de Machiavelli, a que obedeceram todas as suas ideias e conclusões em matéria de Estado e de direito”. A esse imperativo – a busca do sucesso do Estado –, tudo deve estar subordinado. E relendo os exemplos da história, à luz da razão de Estado, será que podemos simplesmente condenar Maquiavel sem qualquer atenuante?
E não para por aí. Pelo menos mais três coisas ainda poderiam ser ditas em favor da “absolvição” de Maquiavel e do seu “O Príncipe”: o próprio desiderato do seu tratado, a sua originalidade e o seu legado. Mas, sobre isso, por falta de espaço hoje, nós só conversaremos na semana que vem.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

23/01/2019

Marcelo Alves
Sobre Maquiavel (II)

Como dito no nosso artigo da semana passada, Nicolau Maquiavel (1469-1527), com o seu “O Príncipe” (de 1513, mas publicado postumamente em 1532), não pretendeu nos oferecer um tratado de moral. Ele também não nos deu uma obra filosófica, dada a quase completa ausência de base teórica desse matiz na elaboração das suas ideias. Nem mesmo construiu Maquiavel um sistema político propriamente dito, já que propôs a sua doutrina – melhor dizendo, os seus conselhos – com base em realidades concretas e determinadas, sem tomar em conta princípios políticos de valor universal.
De fato, como anota Kurt Schilling, em sua “História das ideias sociais” (Zahar Editores, 1974), “o que lhe interessava, em primeiro lugar, era a observação lúcida da dependência mútua das paixões, das instituições e das condições humanas, da sabedoria, do grau de obstinação e de versatilidade, da ambição de poder, da docilidade, da necessidade e segurança, etc. Com a análise disso, almejava avaliar com certa verossimilhança o seu encadeamento e sua interação, através de uma espécie de cálculo político. Procurava adquirir luzes com os exemplos (pouco lhe importando que fossem fictícios ou históricos) da história romana antiga e da história italiana que ele mesmo vivera. Essas luzes deviam fornecer uma série de proposições e de regras gerais do comportamento humano. Queria, com essas regras, avaliar o futuro partindo de situações dadas e constatadas, que precisava comparar com os exemplos do passado. O objetivo era a aquisição, por meio de uma análise inteligente dessas estruturas de evolução, de meios que permitissem o domínio e a orientação política”.
Mas quais foram, então, os resultados dessas observações e análises feitas por Maquiavel, que, mesmo passados tantos anos, ainda tanto nos interessam?
Antes de mais nada, vivendo um tempo de “Renascença”, mas ainda numa Itália dividida, que assistia a um vai e vem de guerras e perturbações intestinas, Maquiavel decidiu nos dizer, pondo no papel, em forma de tratado político, não como o Estado deve ser, mas, sim, como ele é. E isso já foi grande coisa.
Para Maquiavel, o êxito do Estado ou da nação, que deveria restar unida, era o fim supremo. Até porque só o Estado forte e poderoso pode impor aos homens aquilo que é necessário e bom, para que eles (os homens) não destruam a si próprios.
Assim, a sacralização da “razão de estado”, sem qualquer limitação de uma moral ou ética cristã, é certamente um ponto fundamental na obra Maquiavel, ao qual se submetem as suas propostas e as suas conclusões. No pensamento de Maquiavel, na administração do Estado, aquelas virtudes cristãs tão caras a nós – a humildade, a obediência, a tolerância, a caridade e por aí vai – pouco significam e devem até ser repelidas.
Quem governa esse Estado ou nação – o seu “Príncipe” – deve, acima de tudo, empenhar-se para garantir, para além da sua glória pessoal, o êxito desse Estado. Como bem lembra Cabral de Moncada (em “Filosofia do Direito e do Estado”, vol. 1, Arménio Amado Editor Sucessor, 1955). “a este imperativo tudo deve ser subordinado e até a honra dos príncipes lhe deve ser sacrificada, mesmo ‘con ignominia’, se tanto for necessário”. Se é para satisfazer tudo isso, ele, o governante, fazendo uso da sua “virtú” (leia-se dos seus “poderes”), não pode ser tolhido por questões de moralidade. Não importam os meios. Os fins justificam esses meios.
Na verdade, como lembram os autores de “O livro da política” (publicado pela Editora Globo em 2013), para Maquiavel, “o sucesso de um príncipe como governante é julgado pelas consequências de suas ações e seu benefício para o Estado, não por sua moralidade ou ideologia. Citando trecho de “O Príncipe”, esse autores acrescentam: “Nas atitudes de todos os homens, sobretudo dos príncipes, em que não existe tribunal a recorrer, o fim é o que importa. Trate, portanto, um príncipe de vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, pois as massas se deixam levar por aparências e pelas consequências dos fatos consumados, e o mundo é formado pelas massas”.
O príncipe deve ter a ferocidade de um leão e a astúcia de uma raposa, tanto para atemorizar quem a ele se opõe como para identificar as tramas porventura contra ele preparadas. Essa é outra tática ou conselho sugerido por Maquiavel, tomada emprestada, segundo se diz, dos manuais de guerra. Se indefensável na vida privada, ela é aceitável – mais do que isso, é sugerida – em prol do bem comum, que, em “O Príncipe”, costuma se confundir com o bem do Estado. Como anotado no citado “O livro da política”, essa tática “cria o temor, que é um meio de garantir a segurança do governante. Com seu pragmatismo característico, Maquiavel abordou a questão se seria melhor para um líder ser temido ou amado. Num mundo ideal, ele deveria ser tanto amado quanto temido, mas na realidade os dois raramente seguiriam juntos. O temor manteria o líder numa posição muito mais forte, sendo portanto melhor para o bem-estar do Estado”.
Bom, posto tudo isso, qual o balanço que se deve fazer, sob o ponto de vista de uma moral ou de uma ética cristã, de Maquiavel e do badalado livro? Seria realmente Maquiavel, como questiona Cabral de Moncada, “aquilo que se chama de imoralista confesso e professo? Não existiriam para ele, na sua construção teórica do Estado, outros limites à ação deste senão os da conveniência, da força e da astúcia?”.
Sem dúvida, a grosso modo, foi com essa conotação que suas ideias passaram à história e, de certa forma, assim contribuíram para moldar o comportamento político das eras seguintes. Basta lembrar o uso corriqueiro, nunca para elogiar a pessoa ou o ato apontado como tal, de termos como “maquiavélico” e “maquiavelismo”.
Mas isso está inteiramente correto? Isso é o que veremos, à luz de estudos mais acurados, na semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP



MACAÍBA MULHER

Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

Macaíba: nome próprio feminino, singular, definiram, ao longo do  tempo,  milhares  de  estudantes nas  antigas  escolas  particulares  de mulheres extraordinárias como D. Quina, D. Emília, Ana Taboca, D. Dalila, Arcelina Fernandes, Albaniza, Enedina Bezerra, Alice de Lima e Melo, Naide Tinoco, Zefinha Alves, sem esquecer a Escola Estadual  Auta  de  Souza, as figuras de Maria Nazaré Madruga, Constância Freire, Anita Mesquita, Francisca de Castro Gomes, professora Isaura, Tereza Brito, Luzanira Araújo, Mariluza Almeida e Norma Barreto Revorêdo.
Macaíba vem da palmeira, da árvore, logo é mulher. Homenageando nesta crônica a mulher macaibense, não poderia deixar de começar por Auta de Souza e pelas educadoras de ontem, de hoje e de sempre que emolduram, pelo ensino e o saber, o perfil das gerações de hoje. E nesse esforço de memória, corro o risco, novamente, do esquecimento que não é voluntário. Macaíba de D. Iná Cordeiro, Dorothy de Nestor Lima, Zuleide e Maria Maciel, da candura espiritualista de Elém Maciel. Ainda guardamos no relicário da memória: D. Beleza (Isabel Freire), Diva Bezerra, Iracema Leiros de Almeida, Elisa Pinheiro, Joana Ribeiro, Maria Celestina de Castro Gomes, Iolanda de Castro Gomes, Anita Simplício, Consuelo Araújo, D. Mocinha, Erneide Magalhães, Joanete Moura e Ivonete Pessoa de Melo, Consuelo Andrade, Ester Duarte, Ana Mateus Costa, Aline e Eunice Costa, Iolanda Lucena, Elita Marinho, Palmira Spinelli, Nazinha Campos, Noelma Pessoa, Ozima Leite, Ieda Mesquita, Helena Rocha de Lima e D. Ziza de Pedroca. A maioria das expressões femininas aqui citadas já é falecida e aquelas, ainda vivas conservam no rosto, na lembrança e no olhar o tecido social da antiga cidade. Relembro com saudade: Dulce Matias, Maria Antonieta, Carmelita de Luiz Tomaz, Laís Costa, Graziela e Alba Mesquita, Letícia Marinho, D. Ana Almeida, Margarida de Velhinho, D. Pretinha de seu Pedro Florentino, Nazinha Mesquita e Hilda Correia.
Homenageio duas figuras dignas do meu respeito e de todos, pois representam, pelo trabalho abnegado dos seus esposos falecidos, a vida empresarial da cidade: Marluce Freire  de Farias e D. Aparecida Borges. Resgato do passado D. Elvira Nasser de Souza, Lila do Catecismo e da Cruzada Eucarística, Lúcia Araújo, Anísia costureira e sua filha Sissi, Creuza Alexandre dos bailes do Pax Clube, Maria Chambre Moura Magalhães, Terezinha de Campina, as irmãs Alba, Geralda e Naíde, filhas de Severino Aleixo, D. Lalu de Mestre Vicente Ferreira, e a memória vai embarcada num vôo condoreiro até chegar a Erenita Costa, D. Segunda de seu Euclides Leite e suas filhas Tereza, Djair e Leda, Silvéria Varela, Anete Almeida, Isaura Torquato, Nieda Spinelli Carneiro Mesquita, D. Segunda Andrade, Auta Mangabeira e D. Luizinha Curcio Marinho.
Olho a paisagem ao redor como se procurasse as imagens que a memória me esconde. A brisa vespertina do rio Jundiaí me devolve Maria de Lourdes Leiros, Maria Alice Fernandes, professora Sônia Lucena Marinho, Maria de Adauto, Aidéia Marinho, D. Elvira Leiros e suas filhas Duvina e Nozinha, D. Zefinha Simplício, além de Nadir Garcia, Manice Lima, Marilde Cavalcante e Lilia Almeida. Recolho do esquecimento, além de D. Niná Alves, Maria Aparecida (Chico Vigário), Nazaré Teixeira da Silva, minhas tias paternas Marocas e Joaninha, D. Paulina do Catescismo, Maria Paiva Araújo, Zilda Teixeira, Hilda Teixeira, Neuma e Maliu Leandro, D. Geni Nascimento (esposa de Zé Paulo). Registro algumas macaibenses de hoje que sustentam o valor e a tradição da terra de Auta de Souza: Ozélia Chaves, Maria Luiza Cavalcanti, Redjane, Ozama Barreto, Dione Almeida, Odiléia Mércia da Costa, Verônica Ribeiro, Teresa Gomes da Costa, Francisca Menguita, Ediane Bezerra, Marinete Florentino, Lia Mafra, Edma Dantas Maia, Profª Iracema Lima, Maria Celeste de Castro, Marilene Monteiro, D. Carminha Dantas, Maria de Lourdes (esposa de Rui Marciano), Maria José Soares, Maria de Fátima Soares Bezerra, Berenice Guedes, Helena de Gilvan Azevedo, Marli Pessoa, D. Maria Pedroza, Maria Neta Peixoto de Lima, Letusia Cordeiro e Letusia Lima, D. Expedita de Filadelfo, Naná Moura, Assis Tavares, Zilma Teixeira, Severina Almeida, Bastinha Pinheiro Pegado, Faneide Ribeiro, Neta Ribeiro de Souza e Léa Barbosa Pessoa de Lima.
Por fim, o túnel do tempo me devolve as figuras de Zebina Alecrim da Silva, Terceira Dantas, Teodorica Freire, Odília Freire de Macedo, Julia Ramalho, Dulce Ramalho Cavalcante, Lilita de Manoel Firmino, as irmãs Nicinha, Brinaura, Bertília, Berenice e Beatriz Costa, Maria Olímpia, Maroquinha de Seu Neco Miquelino, além de Maroquinha de Cícero Pessoa. Esse é o quadro de reminiscências que me propus desenhar de memória. Ressuscitando saudades, revendo vidas e imagens que se foram e algumas que permanecem como chamas votivas da Macaíba-mulher de antigamente.
Nesse universo feminino, com certeza, deixei de mencionar vários nomes. Antecipo, desde já, as minhas desculpas. O esquecimento é humano.

(*) Escritor


19/01/2019



JANSEN LEIROS, PERFIL E SAUDADE

Valério Mesquita

Jansen Leiros Ferreira nasceu em Macaíba no dia 15 de março de 1937, era o primogênito de Aguinaldo Ferreira da Silva e Maria Leiros Ferreira, nascida Maria Leonor de Castro Leiros.
Estudou no tradicional Grupo Escolar Auta de Souza e, em Natal no Ginásio 7 de Setembro, concluindo o ginásio e o curso técnico de contabilidade. Simultaneamente, cursou o científico no Ateneu Norte Rio-grandense. Aos dezoito anos, já havia escrito uma plaqueta fruto de pesquisas em sua cidade, que intitulou “Macaíba e seus tipos populares”. Após a editoração dessa plaqueta, ingressou na Faculdade de Direito da UFRN, cursando o bacharelado em ciências jurídicas e sociais.
Foi nomeado para o Instituto do Açúcar e do Álcool, lotado na Delegacia Regional do Rio Grande do Norte e em 1962, obteve transferência para a sede do órgão na cidade do Rio de Janeiro. E lá, concluiu seu curso de bacharelado em ciências jurídicas na Universidade do Brasil.
No terceiro ano do curso de Direito foi indicado pelo padre Raimundo Brasil – capelão da Base Naval de Natal - para substituir, no Serviço Social daquela unidade, o doutor José Gurgel Guará nas funções de Assessor Jurídico, onde serviu por quase dois anos, no Comando do Capitão de Mar e Guerra Milton Pereira Monteiro.
Ainda em Natal, estudou piano erudito com o maestro Waldemar de Almeida, no Instituto de Música do RN, ocasião em que participou de algumas audições públicas e participando do Conjunto de Câmera Prof. José Monteiro Galvão. Após 1964, face às dificuldades financeiras foi instado a deixar o serviço público federal para exercer a advocacia dando assistência a empresas privadas.
Ainda nos anos sessenta, realizou sua primeira viagem ao exterior, visitando o Peru, o Chile e a Argentina. Depois, conheceu a Europa Central e os Estados Unidos.
Retornando à Natal, foi nomeado para as funções de Assessor Especial da Fundação José Augusto, ao tempo em que eu exerci a presidência do órgão.
Em 1991, foi nomeado Assessor Jurídico do Estado, e lotado na Procuradoria Geral, onde aposentou-se aos setenta anos.
Jansen Leiros, como escritor, editou os seguintes livros: “Macaíba e seus tipos populares”, “Fragmentos e Reflexões”, “Contos do Entardecer”, “Apólogos do Nascer do Sol”, “Prelúdios de um Novo Dia”, “Relembranças”, “Macaíba de Cada Um”, “Sonata do Alvorecer de Aquários”, “Itinerário de um Sertanejo”, “Daphne – compromissos e resgates”, “Garimpando a Luz”, “Acordes da Alma”, “Aleluia do Homem Novo” e “Aquarela do Sol Nascente”.
No campo da música, ele criou entre uma vintena de composições: “Sonho de um Cello”, “Crepúsculo no Solar da Madalena”, “Alma Nordestina” e “Balada para Daphne”, todos por ele harmonizadas para orquestra de cordas.
Estudou canto lírico, e participou de conjuntos corais como o Harmus, do Instituto de Música Waldemar de Almeida, da Fundação José Augusto, de cuja criação foi um dos responsáveis quando compunha o Conselho de Administração. Barítono, como seu avô materno – maestro João Viterbino de Leiros, era um seresteiro nato e um orador de belas metáforas. Carismático, de simpatia contagiante, era querido pelos que faziam seu entorno.Como advogado, exerceu as funções de Juiz Eleitoral, do Tribunal Eleitoral do Rio Grande do Norte, nomeado pelo Ministério da Justiça e Juiz de Ética da Ordem dos Advogados do Estado do Rio Grande do Norte.
Como profissional de Direito, exerceu a função de advogado empresarial durante algumas décadas, quando foi nomeado para exercer as funções de Assessor Jurídico do Estado. Ainda como liberal, foi nomeado pelo Ministério da Justiça para as funções de Juiz Eleitoral do Rio Grande do Norte. Exerceu de 2004 a 2008 a função de Juiz de Ética da OAB/RN. Integrava o IHGRN e foi o primeiro presidente da Academia Macaibense de Letras.
Faleceu em 17 de outubro de 2016, pacificado com Deus e com os homens. Saudades muitas do amigo e conterrâneo.

 (*) Escritor.