BRITO E
O PROTOCOLO DA CANINHA
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
01)
Nas eleições diretas de 1982 para
governador, a SUDENE voltou a desempenhar importante papel no desenvolvimento
do Nordeste. Qualquer notícia sobre as ações da SUDENE ganhava as primeiras
páginas dos principais jornais do país. Em Pernambuco, o então governador
Roberto Magalhães anfitrionava os colegas e suas comitivas com whisky 12 anos,
sucos e acepipes. A secretária chefe do Gabinete Civil era Margarida
Cantarelli, mulher finíssima, cara de madre superiora. Certa vez, foi
polidamente interpelada pelo secretário de estado Manoel de Medeiros de Brito
com uma sugestão inteligente, mas não menos capciosa. “Professora Cantarelli, com todo respeito”, pondera Brito, “reconhecemos à unanimidade que Pernambuco é
a terra abençoada e pródiga do melaço da cana, da galinha caipira e da carne de
sol. Mas, não vemos, para nossa tristeza, esses produtos da culinária
nordestina serem exibidos à mesa para todos os convidados”. Margarida
Cantarelli anotou a sugestão e nas reuniões seguintes, a cachaça, a galinha
caipira e a carne de sol, ingressaram no cardápio das recepções do Palácio
Campos das Princesas do governo de Pernambuco, pra ninguém botar defeito,
graças a Brito.
02)
O garçom do Palácio chamava-se Paulo Maluf e se tornou amigo incondicional de
Brito. Quando terminava a reunião da SUDENE e os primeiros grupos chegavam ao
salão de recepção para os aperitivos inaugurais do almoço, e uma voz se erguia
em meio aos circunstantes: “Maluf, Maluf,
cadê a minha cachaça!”. Era Brito exercitando o ritual.
03)
De outra feita, a caninha foi servida (ainda discriminada), sob olhares de
esgueira dos presentes. O jornalista João Batista Machado, bem posicionado,
comenta: “Brito parece que só nós dois
estamos bebendo!”. “Que nada,
Machado Lopes”, rebate Brito, “o
beiçola ali já tomou três”. O beiçola era João Alves, governador do
Sergipe, o mulato dos lábios carnudos. Gostava de uma pinga “amuada”.
04)
Certa vez, estava no interior, quando veio o apelo irresistível de uma
cachacinha. O seu fiel escudeiro era Raul, motorista. “Raul”, recomenda Brito,
com parcimônia, “veja se encontra nesses botecos uma cachaça pelo menos
razoável”. Empreendida a busca, volta Raul com a recomendação protocolar: “Dr.
Brito, tem umas, mas não são de boa qualidade”. Brito, sediço e aliciador,
sentencia: “Seu Raul, ruim é não ter”.
04)
Brito é um exímio apreciador da “pinga” nordestina. Degusta o precioso líquido
como se fosse um príncipe do semiárido. Como Secretário do Interior e Justiça,
Brito gostava de integrar a comitiva oficial às reuniões da Sudene em Recife. E
explicava ao jornalista Machadinho: “eu vou porque lá é tudo muito bom e
barato”. Mas nunca perdia o paladar de uma branquinha. Na capital do frevo,
encontrava sempre o amigo Raimundo Nonato Borba, chefe da Representação do Rio
Grande do Norte junto à SUDENE. Como é do seu hábito, arranjou-lhe logo um
apelido: Borba Gato. E no trajeto do aeroporto à Sudene, do banco traseiro
Brito avisava: “Borba Gato, não se descuide de parar antes num boteco para eu
beber um “rabo de lagartixa”.
05)
O Palácio Campo das Princesas, em Recife, era o local refinado das reuniões da
Sudene para os convescotes e rega-bofes do mundo oficial do Nordeste. Num
desses eventos gastronômicos, estava presente o então Secretário da Indústria e
Comércio do Rio Grande do Norte, Jussier Santos. Conhecido pela sua finesse,
foi logo se servindo de champignon e sugerindo a Brito para provar aquela
delícia. E esse responde de bate-pronto: “Jussier, eu não como frieira”.
(*) Escritor.