17/09/2015

VINICIUS DE MORAES

 
Tadeu Arruda Câmara
14 de setembro às 11:28

SONETO DE SEPARAÇÃO
Inglaterra , 1938
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(Vinícius de Moraes)
Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938.

16/09/2015

Marcelo Alves

   



O juridiquês, mais uma vez 

Hoje vou voltar a um tema já tratado em outros textos: o “juridiquês”, o conhecido e (por muitos) odiado “vocabulário empolado dos juristas”. Como já disse aqui, embora necessário - afinal, toda ciência precisa de linguagem técnica própria -, o “juridiquês” é um vocabulário complicado não só para os leigos, mas também, em grande medida, para nós, supostos juristas. O vocabulário jurídico é um “campo ideal para desentendimentos”, também já disse, sendo um dos grandes desafios do jurista contemporâneo (falo aqui do jurista de verdade) trabalhar melhor a sua linguagem. 

Nessa trilha, entendendo ser de alguma valia descomplicar o “juridiquês”, hoje vou tentar distinguir duas expressões bastante comuns do nosso direito processual constitucional (falo aqui, sobretudo, do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, tema especialmente caro para mim), “eficácia erga onmes” e “efeito vinculante”, que, por nós juristas, são muitas vezes confundidas. 

Antes de mais nada, essas duas expressões - “eficácia erga onmes” e “efeito vinculante” - identificam qualidades atribuídas às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado das leis e dos atos normativos, especialmente na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade, visando dar um mínimo de uniformidade ao nosso sistema de controle de constitucionalidade como um todo (gravemente comprometido nesse ponto), que, como sabemos, em razão da coexistência do modelo difuso, também é exercido por qualquer juiz do país. 

Em segundo lugar, sem dúvida, “eficácia erga onmes” e “efeito vinculante”, tecnicamente, são coisas distintas. Isso restou dito há mais de 20 anos com a Emenda Constitucional 3/93 e a redação que ela deu, à época, ao § 2º do art. 102 da Constituição Federal. Na oportunidade, criando a ação declaratória de constitucionalidade, previram-se, expressamente, como coisas diversas, a “eficácia erga omnes” e o “efeito vinculante”. 

Na verdade, a “eficácia erga omnes” em uma decisão no controle concentrado, que se restringe a sua parte dispositiva, quer significar que ela atinge a própria eficácia geral e abstrata da norma objeto do controle e, por conseguinte, atinge a todos (correspondendo, portanto, embora não completamente, à denominada “força de lei” do modelo alemão). Já faz bastante tempo que Piero Calamandrei (na obra “Direito processual civil”, publicada entre nós pela editora Bookseller), fundado no modelo italiano e tratando apenas da declaração de inconstitucionalidade, dizia isto: “Pela extensão de seus efeitos, pode-se distinguir em geral ou especial, segundo que a declaração de certeza da ilegitimidade conduza a invalidar a lei erga omnes e a lhe fazer perder para sempre eficácia normativa geral e abstrata, ou bem que conduza somente a negar sua aplicação ao caso concreto, com efeitos limitados ao só caso decidido”. Declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no primeiro caso confirmando a eficácia geral e abstrata que lhe é inata, no segundo retirando-lhe essa eficácia, a decisão atinge, por isso mesmo, todos os potenciais destinatários, incluindo os órgãos do Poder Judiciário e, inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal. 

Já “efeito vinculante” significa algo diverso. Em resumo, ele é um “plus” em relação à “eficácia erga omnes” e significa a obrigatoriedade da Administração Pública e dos órgãos do Poder Judiciário, excluindo o Supremo Tribunal Federal, de submeter-se à decisão proferida na ação direta. Em termos práticos, significa que o Poder Executivo e os demais órgãos judicantes, nos julgamentos de casos de sua competência em que a mesma questão deva ser decidida incidentalmente, devem, obrigatoriamente, aplicar o provimento contido nessa decisão. Se não o fizerem, afrontam autoridade de julgado do Supremo Tribunal Federal, o que “abre as portas” para uma “reclamação” (sobre esse instituto, recomendo o livro do nosso conterrâneo Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, “Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro”, publicado pela editora Sergio Antonio Fabris), conforme prevista no art. 102, I, l da Constituição Federal, além, naturalmente, do cabimento dos recursos cabíveis às instâncias superiores. Ou seja, se não for respeitada a decisão proferida na ação direta, o prejudicado poderá valer-se de um instituto próprio, denominado Reclamação, requerendo ao Supremo Tribunal Federal que garanta, de uma vez, a autoridade de sua decisão. É o que também diz o Ministro do STF Teori Albino Zavascki (em “Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional”, livro publicado pela editora RT): “Nos países da Europa em que tais institutos são adotados, considera-se efeito vinculante uma qualidade da sentença que vai além das suas eficácias comuns (erga omnes, coisa julgada, efeito preclusivo), ‘uma peculiar força obrigatória geral’, uma ‘qualificada força de precedente’, variável em cada sistema, extensivo, em alguns deles, ao próprio legislador. É esse o sentido que melhor se adapta ao sistema brasileiro: o efeito vinculante confere ao julgado uma força obrigatória qualificada, com a consequência processual de assegurar, em caso de recalcitrância dos destinatários, a utilização de um mecanismo executivo - a reclamação - para impor o seu cumprimento”. 

Bom, espero ter sido claro nas minhas explicações. Com o tal “juridiquês” nunca se está 100% seguro disso... 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

15/09/2015

HOMENAGEM A IVONCISIO






INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE-IHGRN
ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DO DIA 08 de setembro de 2015
LOCAL: Rua da Conceição, 623 – Centro – Cidade Alta, CEP 59.025-270 – Natal – Rio Grande do Norte. Presenças: DIRETORIA: Presidente: VALÉRIO ALFREDO MESQUITA; Vice-Presidente: ORMUZ BARBALHO SIMONETTI; Secretário-Geral: CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES; Secretário-adjunto ODÚLIO BOTELHO MEDEIROS; Diretor Financeiro: EDUARDO ANTÔNIO GOSSON; Diretor Financeiro Adjunto AUGUSTO COÊLHO LEAL; Diretor da Biblioteca, Arquivo e Museu: EDGARD RAMALHO DANTAS. Justificativas: Não houve. ASSUNTOS ADMINISTRATIVOS: O Presidente Valério Mesquita iniciou os trabalhos pelas 9,30 horas apresentando a seguinte pauta: 1) Lamentou comunicar o falecimento no dia de ontem, do nosso confrade IVONCISIO MEIRA DE MEDEIROS, que também pertenceu à Academia Macaibense de Letras e integrou, por longos anos, o Tribunal Regional Eleitoral. O pranteado era escritor e pesquisador de grande mérito, foi professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em razão do acontecido propôs e teve aprovação unânime de voto de pesar pelo seu falecimento, fazendo-se as comunicações à sua família através da sua viúva Zoraide Nóbrega de Melo; ....
Nada mais havendo a tratar, o Presidente agradeceu a presença de todos e pediu que se fizessem presentes na próxima reunião ordinária de segunda-feira. Para constar, eu,____________________________ CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, Secretário-Geral do IHGRN, lavrei a presente Ata, que após lida e aprovada vai assinada pelos presentes.


Presidente: VALÉRIO ALFREDO MESQUITA;

Vice-Presidente: ORMUZ BARBALHO SIMONETTI;

Secretário-Geral: CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES;

Secretário-adjunto ODÚLIO BOTELHO MEDEIROS;

Diretor Financeiro: EDUARDO ANTÔNIO GOSSON;

Diretor Financeiro Adjunto AUGUSTO COÊLHO LEAL;  

Diretor da Biblioteca, Arquivo e Museu: EDGARD RAMALHO DANTAS. 

13/09/2015

PRIMEIROS FLAGRANTES DA FESTA


 INSTITUTO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO NORTE
PALESTRA SOBRE O DIA DA PÁTRIA E
POSSE DOS NOVOS SÓCIOS

11 de setembro de 2015

O PRESIDENTE VALÉRIO MESQUITA ABRE A SOLENIDADE
Na foto o os confrades Joventina Simões (encoberta), Públio José, Jurandyr
 e Francklin Capistrano, Presidente da Câmara dos Vereadores de Natal,
um dos empossados


JURANDYR NAVARRO DA COSTA PROFERE A PALESTRA
Na mesa, Públio, Valério, Jurandyr, Franklin Capistrano e Zelma Furtado

PRESENÇA DA DIRETORIA
Na foto Ormuz Barbalho, Carlos Gomes, Augusto Leal
 e Roberto Lima, Presidente da UBE-RN

Platéia, vendo-se os novos sócios, entre os quais Francisco Honório 
de Medeiros, orador em nome dos empossados

 Amigas de LÚCIA HELENA a homageiam
Outra visão de LÚCIA HELENA e amigo/amigas, no Largo Vicente de Lemos

 Inácio Magalhães de Sena que recebeu dupla homenagem - Sócio Honorário do IHGRN e Sócio Honorário da Academia Cearamirinense de Letras e Artes "Pedro Simões Neto".

 


Amigos na recepção (Largo Vicente de Lemos

Carlos Gomes, como Cerimonialista
Membros da Diretoria e Pte. UBE-RN








12/09/2015

COMISSÃO DA VERDADE DA UFRN


Neste último dia 8.09.15, com a autorização do Prof. Carlos Gomes, Presidente, foi feita a entrega das pastas com documentos da COMISSÃO DA VERDADE DA UFRN para ficarem depositadas no Departamento de História, até que seja inaugurado o Memorial previsto para o velho prédio da Faculdade de Direito da Ribeira.
   
  




A documentação foi colocada na Estante 811 e foram responsáveis pela transferência e arquivamento, respectivamente:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2T_GYFICMB0_2xi2Jpz6OYnNTQjp9jy85PqG6kBknf0W4uBgtWnNilm0JYPQAGf-itPfs33TlPXZuQtHaer2Y7HcVq5ezhcrs_5J-b9b_5B2WeyBgWHXXTr32xyRDrovjoe8P7I48-c8U/s1600/transparent-95031.png
        
      
Bel. JUAN DE ASSIS, Membro da CV ; KADMA MAIA, Secretária da CV; Estudante MAYANE COSTA, estagiária da CV e IRIS DANTAS, Coordenadora do Laboratório de História da UFRN.


  

A Carta de Américo Vespúcio



Copiada por João Felipe da Trindade
Natal, RN
Do livro “O Brasil de Américo Vespúcio”, de autoria de Riccardo Fontana, Editado pela UnB, extraímos uma carta que interessa a todos norte-rio-grandenses. Ricardo, italiano de naturalidade, casou-se com uma brasileira e veio morar no Brasil. 

Nessa carta a confirmação da posse das terras para o Rei Dom Manuel, que se realizou com o famoso Marco de Touros, que se encontra, hoje, na Fortaleza dos Reis Magos. Mais ainda a história trágica do canibalismo dos nossos índios. Vale a pena ler uma carta escrita de próprio punho por quem esteve aqui na nossa Costa. Aliás, essa foi a segunda vez que andou pelo Rio Grande do Norte, sendo a primeira patrocinadas por Dom Fernando de Castela.

Encontrava-me em Sevilha para descansar de minhas tão grandes fadigas que tinha afrontado nestas duas viagens feitas para o sereníssimo rei Fernando de Castela nas Índias Ocidentais, e com vontade de voltar à terra das pérolas, quando o destino, não contente com as minhas tribulações, não sei como pôs na mente deste sereníssimo rei dom Manuel de Portugal querer  servir-se de mim. Estando em Sevilha sem absolutamente imaginar ir a Portugal, chegou a mim um mensageiro com uma carta de sua Real Coroa, onde me rogava que viesse a Lisboa falar com Sua Alteza, prometendo oferecer-me recompensa. Fui aconselhado a que não fosse, mandei de volta o mensageiro dizendo que estava mal e que, quando me tivesse restabelecido, Sua Alteza, poderia então contar com os meus serviços e faria quanto me ordenasse. Visto que não podia contar comigo, decidiu mandar-me Giuliano di Bartolomeu di Giocondo, residente em Lisboa, com a missão de levar-me de qualquer maneira. O dito Giuliano veio a Sevilha e, por causa de sua vinda e dos seus rogos, fui forçado a vir, de forma que a minha partida foi mal interpretada por quantos me conheciam, pois partia de Castela onde recebera honrarias e o rei me tinha em boa conta; e a coisa pior foi que parti como hóspede sem ser saudado. Apresentando-me diante deste rei,k ele mostrou ter prazer com a minha vinda e pediu-me que partisse com três navios seus que estavam prontos para ir descobrir novas terras. E como o pedido de um rei é uma ordem, tive de consentir em quanto me rogava.

Zarpamos deste porto de Lisboa com três navios de reconhecimento, no dia 13 de maio de 1501, e tomamos nossa derrota diretos à ilha da Grande Canária e passamos, sem desembarcar, à vista dela e dali seguimos costeando a orla da África pela parte ocidental. Nesta cosa nos entregamos à pesca de uma espécie de peixes chamados pargos; ali nos detivemos por três dias e seguimos para costa da Etiópia (África negra), para um porto que se chama Beseneghe (Dacar, Senegal), que se encontra dentro da zona tórrida, sobre o qual o Polo Setentrional se eleva a 14º e meio, estando situado no primeiro clima; ali ficamos onze dias reabastecendo-nos de água e lenha. Com efeito, a minha intenção era navegar para o austro atravessando o golfo (oceano) Atlântico. Partimos deste porto da Etiópia e navegamos com vento sudoeste tomando (a direção) de uma quarta de meio-dia, de modo que, em 97 dias chegamos a sua terra que se encontrava a setecentas léguas para sudoeste do dito porto. Durante esses 97 dias deparamos com o pior tempo que mal poderia enfrentar quem navega no mar, por causa de muitos aguaceiros, redemoinhos e tormentas que nos aconteceram, pois viajamos numa estação muito adversa, devido ao fato de a característica da nossa navegação ser continuamente paralela à linha equinocial (onde no mês de junho é inverno) e descobrimos que o dia era igual à noite e que a sombra era contínua para o sul. Prouve a Deus mostrar-nos uma nova terra, o que ocorreu no dia 17 de agosto (1501). Ali ancoramos à distancia de meia légua, arriamos os nossos batéis e fomos ver se a terra era habitada e por qual tipo de gente. Descobrimos que era habitada por gente pior que animais. Contudo, poderás entender que no começo não vimos, mas percebemos bem que era habitada graças a muitos indícios que se viam. Tomamos posse daquela (terra) por aquele sereníssimo rei. Achamos que era uma terra muito amena, verdejante e de boa aparência. Encontrava-se a 5º par lá da linha equinocial rumo sul e, por isso, não retornamos aos navios e, por termos grande necessidade de água e lenha concordamos em voltar a terra no dia seguinte para nos abastecermos do necessário. Estando em terra, avistamos gente no alto do monte que (nos) observava sem ousar descer, pois estavam nus e tinham a mesma cor e feições dos outros descobertos nas viagens passadas por mim para o rei de Castela. 

Esforçamo-nos com eles para que viessem falar conosco, mas jamais conseguimos tranquilizá-los, tanto que não tiveram confiança em nós. Dada a sua obstinação (e por já ser tarde), voltamos aos navios, deixando-lhes em terra muitos guizos, espelhos e outras coisas à vista deles.

Quando chegamos alto-mar, desceram do monte e vieram (buscar) as coisas que deixamos para eles, mostrando ter grande maravilha. Nesse dia, somente nos abastecemos de água.

Na manhã seguinte, vimos dos navios que a gente fazia muita fumaça em terra, pensamos que nos chamavam, fomos a terra e ali comprovamos que tinham vindo muitas tribos e, não obstante, permaneciam distantes de nós e faziam acenos para que seguíssemos com eles para o interior. Por isso, dois dos nossos cristãos vieram rogar ao capitão que lhe desse licença para correrem  o risco de ir com eles a terra a fim de observarem que gente era e se possuía alguma riqueza ou especiarias ou drogas. Tanto instaram que o capitão foi convencido (a deixá-los ir). Tendo recolhido muito material de resgate, partiram com instruções de não demorarem mais de cinco dias em voltar, pois só por esse período os iríamos esperar.

Encaminharam-se para terra e nós ficamos esperando por eles nos navios. Quase todo dia vinha gente à praia, mas não queriam nos falar. No sétimo dia, fomos a terra e notamos que haviam trazido suas mulheres, e, mal desembarcarmos, os homens daquela terra mandaram muitas delas falar conosco, e visto que não se fiavam em nós, decidimos mandar-lhes um homem dos nossos que era jovem muito oferecido, e nós, para ajudá-lo, entramos nos batéis e ele caminhou em direção às mulheres. Chegando junto delas, rodearam-no, tocando-o e olhando-o e fazendo cara de espanto. Enquanto isto acontecia, vimos uma mulher descer do monte trazendo na mão um grande pau; mal chegou aonde estava o nosso cristão veio atrás dele e, levantando o pau, deu-lhe uma pancada tão violenta que o estendeu morto por terra. Imediatamente as outras mulheres o agarraram pelos pés e o arrastaram para o monte, e os homens desceram à praia e com os seus arcos começaram a atirar-nos setas, infundindo tanto medo em nossa gente (os batéis estavam encalhados em bancos de areia) que, devido às inúmeras setas que se cravavam nos batéis, ninguém conseguia pegar em armas. Não obstante, disparamos contra eles quatro tiros de bombarda, mas sem os atingir. Porém, ouvindo o estrondo, fugiram todos para o monte onde estavam as mulheres despedaçando o cristão e assando-o à nossa vista numa grande fogueira que tinham feito, mostrando os diversos pedaços e comendo. Os homens, por sinais, queriam explicar como haviam morto e devorado os dois, o que muito nos angustiou. Ver com os nossos olhos a crueldade que fazia com o morto foi para todos nós uma injúria intolerável.

Mais de quarenta dos nossos tinham intenção de desembarcar e vingar uma tão cruel morte e um ato bestial e desumano, mas o capitão-mor não quis permitir e nós ficamos cheios de tanta raiva que nos afastamos daquela gente com má vontade e envergonhando-nos muito do nosso capitão.

Partimos desse lugar e iniciamos a nossa navegação entre levante e sueste, e assim íamos costeando e fazendo muitas escalas, sem encontrar mais gente com que quiséssemos conversar. Navegamos tanto que notamos que a terra fazia a volta para sudoeste. Mal dobramos um promontório ao qual demos o nome de cabo de Santo Agostinho, começamos a navegar para sudoeste.

Este promontório dista da referida terra que vimos, onde mataram os cristãos, 150 léguas para levante; e este mesmo promontório encontra-se 8º além da linha equinocial para sul.

Enquanto navegávamos, avistamos um dia muita gente que estava na praia admirando a beleza dos nossos navios, continuando a navegar fomos em sua direção, ancoramos num bom local, desembarcamos com batéis e notamos que esta gente era de melhor nível que a precedente. Embora custasse domesticá-la, fizemos amizade e negociamos com ela. Permanecemos neste lugar cinco dias e ali achamos cássia muito grossa, verde e seca (de altura superior) ao cume das árvores. Decidimos levar dois homens deste lugar, a fim de nos ensinarem a língua; vieram três deles, de livre vontade, para irem a Portugal.

Já cansado de tanto escrever, saiba que partimos deste porto navegando sempre para sudoeste à vista de terra, fazendo continuamente muitas escalas e falando com numerosa gente.

Andamos tanto em direção ao sul que já estávamos para além do Trópico de Capricórnio, onde o Polo Meridional se eleva 32º acima do horizonte. Já havíamos perdido completamente a Ursa Menor, e a Maior aparecia muito baixa e quase se mostrava no limite do horizonte, orientando-nos pelas estrelas do outro Polo Meridional, que são numerosas e bastante maiores e mais brilhantes que as do nosso polo.

Desenhei as figuras da maior parte delas e sobretudo das de primeira e maior grandeza, com a descrição de seus círculos que faziam em torno do Polo Austral e com a descrição de seus diâmetros e semidiametros, como se poderá ver nas minhas Quatro Jornadas.

Percorremos cerca de 750 légua desta costa, ou seja 150 do cabo de Santo Agostinho para o poente, e seiscentos para o sudoeste.

Se quisesse relatar  de novo as coisa que vi nesta costa e aquilo por que passamos, não me bastariam outras tantas folhas.

Nesta costa não vimos coisas preciosas, salvo infinitas árvores de verzino e de cássia e as que produzem a  mirra, e outras maravilhas da natureza que não se podem contar. E sendo já transcorridos dez meses de viagem, e visto que nesta terra não achamos nenhum minério, decidimos afastar-nos dela e seguir, enfrentando o mar em outra parte.

Feita a nossa reunião, foi deliberado que se continuasse aquela navegação que me parecesse oportuna, e foi-me confiado o comando total da armada. Ordenei então que toda a tripulação da frota fizesse reabastecimento de água e de lenha para seis meses, sendo este o período que os oficiais dos navios julgaram possível navegar com tais aprovisionamentos.

Terminado o reabastecimento nesta terra, começamos a nossa navegação para sueste, sendo o dia 15 de fevereiro (1502), quando o Sol se ia avizinhando do equinócio e voltava para este nosso Hemisfério Setentrional. E tanto navegamos com este vento que nos distanciamos tanto que o Polo Meridional se erguia bem a 52º fora do nosso horizonte. E não víamos mais nem as estrelas da Ursa Menor nem as da Ursa Maior. Estávamos já distantes do porto de onde partimos umas quinhentas léguas para sueste, e isto ocorreu no dia 3 de abril. Nesse dia começou no mar uma tempestade tão violenta que nos fez amainar todas as nossas velas, que corriam sobre a árvore nua com muito vento, que era sudoeste com enormes ondas. E o ar estava muito tormentoso e a tempestade era tão forte que toda a frota tinha um grande temor. As noites eram muito longas, tanto que no dia 7 de abril tivemos uma noite que durou quinze horas, pois o Sol se encontrava no final de Áries e nesta região era inverno, como bem podes avaliar.

Prosseguindo nesta tempestade, no dia 7 de abril avistamos uma nova terra, que percorremos por cerca de vinte léguas e observamos que toda ela era uma costa selvagem e não achamos nenhum porto ou população. Julgo que por ser o frio tão intenso nenhum membro da tripulação conseguia encontra defesa ou suportá-lo. De modo que, vendo-nos em tamanho perigo tormenta que mal se podia enxergar, de um para outro navio, por causa das grandes ondas que se formavam e pela forte cerração, decidimos junto com o capitão-mor fazer sinal à frota para que nos alcançasse e nos afastássemos da terra e tornássemos a caminho de Portugal.

Foi uma ótima decisão. Pois certamente, se tivéssemos demorado mais aquela noite, estaríamos perdidos. Com efeito, como recebêssemos o vento de popa, nessa noite e no dia seguinte, voltou tão forte a tormenta que estivemos em dúvida de nos perder e tivemos de fazer ritos e outras cerimônias, como é uso dos marinheiros em tais aflições. Navegamos por cinco dias e, como quer que seja, íamos nos aproximando da linha equinocial e com um tempo e mar mais moderados, e prouve a Deus pôr-nos a salvo de um tão grande perigo. A nossa navegação era com vento entre norte e nordeste, visto que a nossa intenção era ir reconhecer a costa da Etiópia, já que estávamos distante dela 1300 léguas, no golfo do mar Atlântico e, com a graça de Deus, a 10 de maio  alcançamos uma terra a sul que se chama Serra Leoa, onde permanecemos quinze dias concedendo-nos um pouco de restauro. Daqui partimos tomando nosso rumo às ilhas dos Açores, distantes daquele lugar de Serra Leoa cerca de 750 léguas, e chegamos às ilhas no fim de julho, onde ficamos outros quinze dias desfrutando de algum repouso. Dali partimos para Lisboa, de onde distávamos mais de trezentas léguas para ocidente, e entramos neste porto de Lisboa no dia 7 de setembro de 1502 sãos e salvos, graças a Deus, somente com dois navios, pois o outro o queimamos na Serra Leoa, por não poder mais navegar. Levamos nesta viagem cerca de quinze meses, durante os quais navegamos sem ver a estrela do Norte ou a Ursa Maior e Menor, que se chamam de chifre, orientando-nos pelas estrelas do outro polo. Isto foi o que eu vi nesta viagem ou jornada feita para o sereníssimo rei de Portugal.


Marco da Posse de Portugal, trazida por Américo Vespúcio

CRÔNICA DE VALÉRIO MESQUITA



A VACA DE AGATÂNGELO

Valério Mesquita*

Abalos sísmicos, enchentes, insegurança, fugas de presídios, narcotráfico, invasões de terras, crime organizado, violência, saúde sucateada, menor abandonado, fome, esse é o quadro dantesco, a imagem preta e branca do Brasil.
Em meio a tudo isso os supermercados remarcam os preços dos gêneros alimentícios que essa semana atingiram os picos da esperteza, da ganância e da desonestidade. A quem reclamar? Ao PROCON? A Igreja mais próxima? A presidenta Dilma Rousseff ao constatar a  invasão de propriedades rurais nos estados pelos sem-terras, enviou meios para garantir a ocupação. Muitas delas com decisão judicial de desocupação mas os agropecuaristas nunca conseguem o apoio da Polícia Militar para o cumprimento do mandado.
E nos supermercados? Catedrais mundanas do capitalismo explorador da bolsa popular, quem intervirá para baixar os preços? Tropas federais? A lei de Gerson (aquela da vantagem), só protege o governo, que não sabe contabilizar prejuízos. Lembrei-me da história da vaca de Agatângelo, emérito jogador de pif-paf das casas de jogo de azar de Macaíba. Solteiro, mulherengo, Agá, como era mais conhecido, só possuía uma vaca como patrimônio intransferível, inalienável mas constantemente penhorável. Em todos os lances do carteado, empenhava a vaca irresgatável. Perdia quase sempre, para, no dia seguinte, penhorá-la novamente como se fosse uma logo-marca, um fundo infinito, a força de Edir Macedo, a propaganda da Coca-Cola.
Assim como Agatângelo é o assalariado brasileiro, eterno sofredor, emérito caçador de esperanças, de mega-sena e depositante permanente de urnas abertas e ilusórias dos sorteios de shoppings e de secções eleitorais. Vou elegê-lo como símbolo da resistência. Apresentá-lo ao ministro Joaquim Levi com vaca e tudo. O mistério de Agatângelo é a vaca, animal considerado sagrado pelos indianos. Quem sabe se Agatângelo não ensinará a Dilma o segredo de nunca equilibra o rombo do orçamento. Tudo é possível já que avacalharam os preços de todos os produtos e  subiram os juros nos bancos e cartões de crédito. A corrupção é hoje um movimento popular vitorioso.

(*) Escritor.