25/09/2014

IHGRN e IPHAN CONVIDAM PARA HOJE

Conferência resgata memória holandesa em época de expedição no RN

Benjamim Teensma ministrará palestra sobre busca de minas de prata no rio Potengi


Benjamin-Teensma---Professor-da-universidade-da-Holanda---WR--(1)
Alvo de muitos massacres durante o século XVII, o Rio Grande do Norte esteve por muitos anos na rota dos holandeses, que buscavam explorar as riquezas existentes no Nordeste brasileiro. Geograficamente estratégico, o estado sofreu a invasão entre os anos 1630 e 1654, devido sua localização, servindo assim de ponto respeitável para o fortalecimento do domínio holandês no Brasil. Mas a importância do estado não era só essa.
A potencialidade do RN no tocante ao fornecimento de provimentos, sobretudo carne bovina e produção açucareira, também interessava aos holandeses. Naquele tempo, ainda havia rumores de que a existência de uma mina de prata em solo potiguar poderia garantir riquezas aos então invasores – situação que teria levado uma comissão composta por militares holandeses, guias tupis e escravos a realizar uma expedição ao longo do curso do rio Potengi.
Essa expedição será tema da Conferência “Os mocós da Itabiraba do Córrego Retorto”, a ser ministrada em Natal na próxima quinta-feira (25) pelo Dr. Benjamin Teensma, professor Emérito da Universidade de Leiden nos Países Baixos. De acordo com o historiador, que veio à capital potiguar a convite do Instituto Histórico e Geográfico do RN e do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a recente descoberta de um relatório feito à época da expedição pode mostrar uma nova abordagem sobre a presença holandesa no RN. A conferência será realizada no Instituto Histórico e Geográfico, a partir das 19h30.
“Existem dois relatórios feitos por oficiais militares na época da expedição que mostram como teria sido realizada a rota pelo grupo explorador. Esses relatórios, hoje preservados em acervo holandês, tratavam das condições do espaço, trajeto e situações enfrentadas pelo grupo”, conta Benjamin.
“Ambos os documentos são bastante fiéis às informações descritas. Entretanto, recentemente, em 1995, foi tornado público um outro relatório feito por um soldado que teria participado da expedição. Fragmentos desse terceiro documento, publicado por um jornal alemão, acrescenta mais informações que torna aquele evento mais interessante para entendermos um pouco da história dos próprios holandeses, como também dos potiguares”, relatou.
O historiador comenta que, em parceria com o potiguar Levy Pereira, especialista em cartografia histórica, fez a transcrição do mais recente relatório para a língua portuguesa, dando condições do cartógrafo realizar um geoprocessamento da rota realizada pela expedição.
“As informações que confrontamos entre os três relatórios nos deu uma nova abordagem de uma época da história vivida. Dessas novas informações do relatório divulgado em 1995 nos mostra, por exemplo, como era o perfil dos holandeses, suas hostilidades, as dificuldades enfrentadas em solo potiguar, doenças acometidas e até modelos de corrupção”, explicou Benjamin Teensma. “Mina de prata eles nunca encontraram. É o que temos garantia de dizer. Mas podemos observar novas ‘heranças’ que eles deixaram”, disse o historiador holandês.
Com pouco tempo de permanência no Rio Grande do Norte, o historiador acredita que a cultura holandesa da época importada para o então ‘Rio Grande’, como era denominado o estado, jamais culminaria entre os povos existentes na região.
“Estamos falando de cultura e sociologia muito diferente entre diversos povos. Os holandeses tinham uma religião hostil e uma língua impenetrável, por exemplo. Muito difícil que eles conseguissem deixar marcas no povo”, disse.
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Postado dia 23/09/2014 às 15h24

24/09/2014

GG


                 R E J E I Ç Ã O   À   P O L Í T I C A
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN

            Sílvio Pons, historiador italiano, professor da Universidade de Roma, veio ao Brasil e lançou seu livro A Revolução global: história do comunismo internacional (1917/1991). Graduado pela Universidade de Florença, dedicou-se ao estudo da política externa da então União Soviética, motivo maior de suas preocupações.

            O autor expõe que foram as guerras o leit motiv das revoluções comunistas do século passado: a Revolução Russa (1917), e a Revolução Chinesa (1949), decorrência da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, respectivamente. Em comparação, o avanço comunista na Indochina, ou a crise do petróleo nos anos 1970, não corresponderam à eclosão de processo revolucionário algum. Ainda antes, na crise de 1929 - o New Deal - o estado americano se valeu das teorias econômicas de Johan M. Keyne, fez intervencionismo, através de verbas públicas combateu o desemprego e fomentou os postulados da economia de mercado. Assegura o professor que as crises do capitalismo não geraram, obrigatoriamente por consequência, os conflitos mundiais. Como se numa figuração jamais esquecida, porém, as relações internacionais dos comunistas ficaram definidas pelas duas grandes guerras, para quem a ideologização da História, vista a partir da era de Stalin, tornou-a um fato violento e, nesse mesmo entendimento, o capitalismo como modelo econômico a superar. Como base na violência dos conflitos e, inclusive, das revoluções, justificava-se a violência histórica. O fascismo tivera por projeto conquista e expansão territoriais.

            Só com a forma necessariamente violenta da prática política haver-se-ia de vencer os tempos duros e assim se alcançar o paraíso. Nada mais justificável do que uma guerra geral mundial e, ao cabo de que, se implantasse a alternativa ao capitalismo, ou seja, a preparação dolorosa com a guerra inevitável. Daí a necessidade do sacrifício como fundamento do autoritarismo.

            Nas duas últimas décadas do século passado, a URSS não viveu uma recessão econômica, mas sofreu uma estagnação, tal como hoje sofre a União Europeia, sem que haja perigo de a Europa ser alvo de uma revolução. Basta ler os periódicos que noticiam a evolução da crise nos países da Zona do Euro: Portugal, Grécia, Itália e Espanha, as propostas assumidas para conter a sangria da crise. Entretanto, a crise na URSS se fundamentou na desagregação provocada pelas contradições entre o Estado Soviético, os demais estados comunistas e o partido. Ocorreu um choque entre o modelo de revolução mundial, ocorrência necessária para que se mudasse o mundo para melhor e os interesses do Estado, em si.

            A ruptura da China com a URSS, exposta a partir do ano de 1960, fez ruir a unidade do movimento comunista mundial, tornando vazio o projeto internacionalista como alternativa ao capitalismo. A força ideológica do projeto global comunista pela via violenta da revolução ofuscou a realidade que insistia em aparecer, mas não interessava à liderança soviética identificar. Veja-se o papel inovador do Partido Comunista Italiano.

            Os avanços e percalços do comunismo chinês podem ser explicados pela via da revolução continuada, do partido e da mudança de sua direção. A partir de 1980, a China abandonou o projeto exclusivo comunista e acolheu o autoritarismo de mercado, com raro pragmatismo nas suas relações. A China repudiou as formulações do comunismo do século findo e aplicou práticas realistas para com a atual economia.

            De forma seletiva, a Rússia imperial – não mais a URSS – permaneceu interferindo nas regiões que lhe fazem fronteira, com interesses definidos, por exemplo, na Síria, diferente de quando está em foco a questão palestina. Ou sua importância energética, fornecedora de gás à União Europeia, através da Ucrânia, onde arregimenta seus saudosos guerreiros, do tempo em que fora parte do bloco soviético. Sublimando seus conflitos para com a China, a Rússia preserva seus interesses sem aparentemente confrontar-se com o poder americano. Por isso, demonstra leniência para com os governos ocidentais, face as peripécias do Irã, da Coreia do Norte e seu partido.

            Os Estados Unidos, porta-voz do liberalismo econômico, no afã demagógico de capitalizar o enfrentamento ao fundamentalismo islâmico, interveem militarmente em condições adversas. Dadas as intervenções duvidosas, que geram ondas de ódio e repulsa, alongam a crise econômica interna, acirrando a divergência entre os democratas e os republicanos. Além do mais, a intervenção no Oriente Médio provoca gastos orçamentários perdulários, com reflexo na economia. Já a Inglaterra, diante da onda de separatismo, vê com preocupação os escoceses aptos a se manifestar pró independência. Por fim, a União Europeia em crise de solidariedade, face a pujança da economia alemã. Nem o banco central europeu, nem a moeda única garantem a unidade, como ocorreu anteriormente em outros conflitos, dada a  presença dos estados mais fragilizados.

A queda do muro de Berlim simbolizou o fim da experiência comunista internacionalista e, com efeito, repercutiu com força na fé das transformações políticas, qualquer que seja o viés ideológico. Afinal, gerações se frustraram com o fim da grandiosa experiência da revolução global que deu seus últimos suspiros com a Glasnost e a Perestróica. É de se esperar a formulação de nova política global, em formas ainda não explicitadas, tal como a que sinalizaram as revoltas do Oriente Médio, a insurgência popular contra a superficial divisão geoeconômica dos califados do petróleo, o poder político estabelecido de fora para dentro após a Segunda Guerra Mundial, a rejeição ao expansionismo do Estado de Israel e o sectarismo religioso na política. Ou até se reconhecer o vertiginoso crescimento da saúde chinesa.
A América Latina permanece no ciclo alternativo de crises econômicas e políticas, de períodos autoritários, de caudilhos desde Samora a Fulgêncio Batista, dos tempos de Perón às tentações de Getúlio. O autoritarismo ronda intermitente a vala comum das republiquetas abaixo do Equador. O temor é a rejeição à política, a partir do que não encontraremos solução para os problemas entre as nações ou as pessoas.    

23/09/2014

DIA 25 DE SETEMBRO - CONFERÊNCIA NO IHGRN

A conferência do Professor BENJAMIN TEENSMA vem sendo esperada com expectativa pelos estudiosos e pesquisadores do Estado.
O tema é por demais interessante: "OS MOCÓS DA ITABIRABA DO CÓRREGO RETORTO" e terá a apresentação do Diretor EDGARD DANTAS e projeções complementares do Prof. LEVY PEREIRA.


O EVENTO MARCARÁ A REABERTURA DO INSTITUTO PARA OS PESQUISADORES E VISITANTES e tem o apoio do INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN-RN.

Uma pescaria no Potengi

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br



Chegamos a Ribeira pouco mais de quatro horas da manhã. As margens do Potengi – no cais Tavares de Lira – vimos diversas luzes que brilhavam sobre a água do rio e moviam-se em silêncio. Eram os candeeiros e lamparinas dos botes e canoas de pescadores que cruzavam o rio, com ajuda da luz da lua cheia, que se derramava sobre o Potengi.
As cores da água se alteravam constantemente, talvez, em função das correntes do rio, que se movia lentamente em sua longa calha até o mar, onde se dissolvia na água salgada.
De onde estávamos, vimos alguns hidroaviões da Condor, que flutuavam no rio largo. Mais a direita, alguns vapores da Lloyd Brasileiro, ancorados, à espera de mercadorias a serem embarcadas.
Dentro de uma daquelas toscas embarcações de pesca um homem rema, enquanto outro permanece de pé, segurando uma rede de pesca com as mãos. A canoa segue a favor da correnteza do rio – ao contrário, exigiria muito esforço. São homens fortes, ágeis, de pele bronzeada pelas suas atividades diárias.
Os peixes, atraídos pela luz das lamparinas, aproximam-se dos barcos e botes. Vez ou outra, a água era irrompida por algum peixe que saltava. Em movimentos rápidos e precisos, os pescadores jogam suas redes nas águas, tentando capturar os peixes que se aproximam sem cautela. De onde estávamos o som das redes rompendo as águas é quase imperceptível. A alvorada aproxima-se e os homens têm pressa.
De repente, algo espadana próximo à canoa de um deles, Simão, um velho pescador de Maracajaú. Atento, ele olha fixamente na direção. Em silêncio, faz um sinal para seu companheiro, que, imediatamente, rema para o local indicado. Simão está atento, tenso.
O barulho do remo cortando a água é o único som audível que chega até nós. Vez ou outra, um peixe salta sobre a superfície da água, em frente à canoa. Aos poucos se aproximam do local.
O velho pescador lança o olhar experiente ao redor da pequena embarcação, procurando algo que denuncie a presença de algum cardume. Em silêncio, inclina-se sobre a água, à procura de algum sinal revelador.
Percebe uma pequena ondulação na superfície, e uma mancha brilhante logo abaixo. Está no meio do rio, mais ou menos na confrontação do Cemitério dos Ingleses. Não tira os olhos do local.
A luz do sol começa a aparecer no horizonte – o dia está clareando. A rede é lançada com maestria, e logo dezenas de peixes se debatem em seu interior.
Agachados na beira da canoa, ele e o parceiro somam suas forças para arrastarem a rede, recolherem o fruto de seu trabalho. Os seus rostos estão crispados e vermelhos, por conta do esforço da árdua tarefa.
Pouco depois, os peixes agitam-se sobre o fundo da embarcação – uma quantidade razoável de pescado. Após acomodarem a rede de pesca num cantinho da canoa, tomam o rumo do Canto do Mangue. É hora de voltar – o sol já emite seus raios fortes sobre as águas do rio, em constante movimento.


20/09/2014

JF

 Manoel Jerônimo Caminha Raposo da Câmara


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

De posse de algumas informações do inventário de Manoel Jerônimo Caminha Raposo da Câmara, podemos recompor parte da sua ascendência e descendência. 
No dia 17 de março de 1884, José Irineu da Costa Pinheiro Filho compareceu à casa de residência do Juiz de Órfãos, Doutor Fábio Cabral de Almeida, como procurador de sua sogra, viúva Francisca Xavier Professora, de sua esposa, Maria dos Milagres Raposo da Câmara, e do seu cunhado, filho órfão de maior (20 anos), Domingos Maria Raposo da Câmara, para prestar juramento do inventário do seu sogro, Manoel Jerônimo Caminha Raposo da Câmara.
Os nomes que aparecem aqui mudam a cada registro. Por volta do ano de 1862, muitas pessoas acrescentaram, ao nome, a palavra Maria, inclusive o próprio Manoel Jerônimo, que faleceu em 27 de janeiro de 1878.
Manoel Jerônimo era filho de Francisco de Borja Soares Raposo da Câmara (falecido em 1857, com 64 anos) e Anna Francisca dos Milagres (neta do tenente Antonio Lopes Viegas). Casou, no ano de 1855, na Matriz de São José de Angicos, com Francisca Xavier Professora, filha de Miguel Francisco da Costa Machado e Anna Barbosa da Conceição, tendo como testemunhas José Teixeira de Souza e João Felippe da Trindade. Este último era meu bisavô e era casado com Francisca Ritta Xavier da Costa, irmã de Francisca Professora.
Nesse mesmo ano 1855 nascia a primeira filha do casal, Maria, que teve como padrinhos o avô paterno, Francisco de Borja e a avó materna Anna Barbosa; no ano de 1856, nascia Miguel, que teve como um dos padrinhos o avô materno Miguel Francisco da Costa Machado; em 1859, nasceu Francisco, que teve como padrinhos Cândido Soares Raposo da Câmara e Maria Florência Raposo da Câmara, solteira, ambos do Assú, mas esse filho  faleceu em  1861, de garrotilho, com 2 anos de  idade; João, outro filho,  nasceu em 1873 e teve como padrinhos José Gomes de Amorim e Dona Anna Maria da Conceição, viúva. Em 1862, faleceu outra Maria, com 1 ano de idade, de estupor. Deve ter nascida em 1861. Na época do inventário, só dois filhos restaram do casamento de Manoel Jerônimo com Francisca Professora.
A madrinha acima, Maria Florência, que era irmã de Manoel Jerônimo, casou, em 1867, com o viúvo Joaquim Varella Venâncio Borges; José Gomes de Amorim, também padrinho em um desses batismos, viúvo de Ana Clarinda Soares de Araújo, casou, em 1866, com Luisa de França Raposo da Câmara, filha de Manoel Felippe Raposo da Câmara (natural de São José) e de Henriqueta Leocádia Raposo da Câmara (irmã de Manoel Jerônimo). Anna Maria da Conceição, irmã de Francisca Professora e viúva, nessa época, do meu tio-bisavô Manoel Jacinto da Trindade, casou posteriormente com Manoel Olímpio Dantas Cavalcanti, filho de Michaela Cândida, outra irmã de Manoel Jerônimo.
Manoel de Borja Raposo da Câmara, irmão de Manoel Jerônimo, casou com Umbelina Maria do Espírito Santo, irmã de Francisca Professora.
José Irineu da Costa Pinheiro Jr., genro de Manoel Jerônimo, era filho de José Irineu da Costa Pinheiro e Dona Josefa Cândida de Azevedo. Sua irmã Maria Irineia foi casada com Emygdio Avelino e, portanto, era primo legítimo de Edinor Avelino.
Pelos editais de proclamas, encontro, no ano de 1891: quer casar civilmente o cidadão Domingos de Borja Raposo da Câmara, filho de Manoel Jerônimo Raposo da Câmara e Francisca Xavier Professora, solteiro, com Maria Segunda de Souza Monteiro, filha legítima de Antonio Monteiro de Souza (Jr.) e sua mulher Maria Jacintha da Trindade, solteira. Os contraentes são naturais e moradores nesta Freguesia de São José de Angicos. 
Maria Segunda era bisneta, pela parte paterna, de Mathildes Quitéria Xavier da Cruz e de Joaquina Maria de Santa Anna, ambas irmãs de Miguel Francisco da Costa Machado, pai de Francisca Xavier Professora. Pela parte materna era neta de Anna Francisca da Trindade, irmã de meu bisavô, João Felippe da Trindade.
Câmara Cascudo, no artigo sobre o advogado José de Borja, escreveu: Um irmão de José Borja era Manoel Jerônimo Raposo da Câmara, casado com d. Francisca Xavier, avós da professora Herondina Raposo da Câmara Caldas de inesquecível  dedicação educacional, casada que foi com Perceval de Faria Caldas. Na verdade, Herondina era filha de Domingos de Borja Raposo da Câmara e de Maria Segunda de Souza Monteiro, e seu marido era João Perceval de Faria Caldas. Um dos filhos desse casal é o escritor Fabiano Cristiano Raposo da Câmara de Faria Caldas.

19/09/2014



A economia no caminho do vinagre

Tomislav R. Femenick – Contador, mestre em economia.

 
            Recentemente fui convidado para almoçar na casa de um casal amigo.  Como manda a praxe, escolhi entre as minhas poucas garrafas de vinho aquela que seria a melhor opção para levar. Era o tipo certo de vinho, da marca certa, da safra certa. Era minha obrigação “fazer bonito” junto a pessoas que cultivam o prazer de uma boa mesa, com um bom vinho. Estava todo correto, até a hora de abrir a garrafa. A rolha tinha um defeito e o lacre não foi capaz de impedir a penetração do ar. Resultado: o vinho vinagrou; um vinho maravilhoso tinha se transformado em apenas um vinagre razoável.
            Esse fato corriqueiro e extremamente particular veio a minha mente quando comecei a analisar alguns dados da economia nacional, referentes a datas que correspondem aos meses recém-passados. A avaliação crítica desses elementos conduziu-me a conclusões que se chocam entre si. Há fatos bons e adequados, porém o viés, o comportamento dos índices no decorrer do tempo, apontam para um futuro se não aterrorizador, mas certamente preocupante.
            O país ainda tem um confortável estoque dólar e euro, as chamadas moedas fortes, que faz com que não exista problema de rolagem de dívida externa, e a inflação não atinge um patamar gritante; fonte das crises tradicionais que sofremos no passado. Todavia, nada garante que esse cenário se sustente por muito tempo. O que realmente preocupa é o “estado de espírito” que contamina o futuro da economia do país, isso em decorrência de fatos concretos.
A expectativa do PIB brasileiro para este ano decresce, em linha de queda sem interrupção, sempre abaixo de 1%. O emprego na indústria registrou um retrocesso de 0,7% em julho e no ano já acumula perda de 2,6%. As montadoras de veículos vêm reduzindo sua produção de maneira contínua. A Nissan suspendeu temporariamente o contrato de trabalho de 279 funcionários. Outras foram mais longe: a Peugeot-Citröen, suspendeu o contrato de 650 empregados e a General Motors de 930 da sua fábrica em São José dos Campos-SP. O setor de caminhões foi o que mais sofreu com as medidas idênticas em agosto, que atingiu as fábricas da MAN, Mercedes-Benz, Ford, Iveco e Volkswagen.
Na quarta-feira passada, o Ibovespa encerrou com queda de 0,81%, acumulando perdas de 5,97% nos últimos seis pregões e o dólar fechou em alta; em três dias a moeda norte-americana acumulou ganhos de 2,10% ante o real. Em agosto passado, a inadimplência do consumidor registrou uma variação de 17,2%, se comparada com o mesmo mês de 2013, e 2,5% acumulada no ano. Esse último fato indica um desaquecimento do modelo de incentivo ao consumo, adotado nos governos Lula e Dilma.
A Moody's, uma agencia de classificação de rating, revisou a perspectiva do Brasil de estável para negativa e para baixo a nota de crédito do BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e HSBC. A causa dessa atitude da Moody's, entre outras, talvez tenha sido os abalos sentidos pelo chamado tripé macroeconômicos: a flutuação cambial, as taxas de juros e a meta anual de superávit “primário” (uma espécie de poupança para pagar os juros da dívida pública) que sofrem interferência conforme seja o interesse momentâneo; a nova matriz de flexibilização econômica do governo Dilma.
Todos esses acontecimentos incutiram nas pessoas, principalmente nos empresários, a incerteza do crescimento e, mais preocupante ainda, a certeza da estagnação econômica. E o estado de espírito é um componente determinante, essencial mesmo, para o desenvolvimento. Consequência: menos investimento, menos emprego, menos consumo.
E para terminar quase como começamos: em agosto, a produção nacional de cerveja registrou a segunda queda consecutiva, com recuo de 7,7%.
Tribuna do Norte. Natal, 14 set. 2014.