A dimensão de um estadista
Cláudio Emerenciano (Professor da UFRN)
As mudanças são precedidas de sonhos. É o triunfo do espírito e da luz. Em todo e qualquer lugar. A humanidade dá saltos e retoma sua marcha de evolução. Sempre inspirada em utopias. Que moldam novas realidades e deixam suas marcas. Os laços humanos dão sentido e força às formas de aprimoramento individual e coletivo. Quanto mais se eliminem os grilhões e a degradação do homem, mais largo é o caminho de realização dos sonhos, que se amontoam e se renovam desde o nascer dos tempos. Viver é mudar lentamente. Crescer em todas as dimensões. Sempre e sem descontinuidade numa ascensão cultural, ética, moral e espiritual. A busca da Luz.
Não importam o tempo e o espaço onde desabrocham, formam-se e se revelam a vocação, o caráter, a visão e a consciência cívica de um estadista. De um pequenino lugar, num amontoado de casas, que abrigam homens, mulheres e crianças, ao qual dão o nome de vila, povoado, cidade pequena ou lugarejo, com relações humanas marcantemente típicas e provincianas, chantadas e vinculadas à terra e à natureza, suas crenças, seus desafios e seus sonhos se confundindo com o usufruto peculiar da vida, desponta alguém que, um dia, há de revolucionar, mudar, dignificar e opulentar sua pátria e seu povo. Essas pessoas, que se agigantam ao longo da vida por servir e ampliar o bem comum, agregando também conhecimentos, valores, ideais, exemplos, percepções e caminhos novos à sociedade, enquanto vivem tipificam o ser estadista. Assim foi Juvenal Lamartine de Faria. Desde os tempos como aluno do padre e senador Britto Guerra em Caicó. Até à construção do legado como professor, jurista, homem público, legislador, tribuno, sociólogo, escritor, jornalista e memorialista. O caráter e o sentido da modernidade repousam na partilha e evolução do que é bom para todos. Pelo menos no essencial - dizia o gênio inimitável de André Malraux. Ensejando sua ascensão em todos os sentidos. Há líderes que revelam e encarnam sentimentos nacionais. Ou expressam um estado de espírito comum a um povo, nações e até a uma civilização. Ou ainda mais: interpretam, durante algum tempo, em circunstâncias excepcionais, o clamor e as esperanças do gênero humano. Que podem manifestar-se, singularmente, num lugar, numa região ou num país. Até alçar-se à universalidade.
O Rio Grande do Norte e o Brasil devem muito a Juvenal Lamartine de Faria. Antes de governar o nosso Estado, como deputado e senador, ombreado a Eloy de Souza e José Augusto, propôs soluções definitivas para a região nordestina, particularmente no semi-árido. Aluno e discípulo de Clóvis Beviláqua na tradicional Faculdade de Direito do Recife, mais tarde, como deputado, colaborou com o mestre na elaboração do Código Civil Brasileiro, sobretudo na parte relativa ao Direito das Coisas. O grande José Augusto Bezerra de Medeiros, primo e seu antecessor no governo do Estado, assim resumiu o depoimento sobre sua atuação: “Lamartine ocupou todas as funções eletivas no Rio Grande do Norte. Executivo, chegou a governador. Legislativo –deputado e senador federal, e Judiciário, como juiz de Direito de Acari. Em qualquer desses três ramos da atividade pública ele foi uniforme, isto é, só tinha uma diretriz – o cumprimento do dever”. Lamartine, pioneiramente no Brasil, através do deputado estadual Adauto Câmara, institucionalizou o voto feminino no Rio Grande do Norte. (na época a legislação eleitoral era estadual). Também foi responsável por transformar o nosso Estado (de 1926 a 1930) num pólo da aviação civil, com campos de pouso em quase todos os municípios. A ele se deve as gestões e ações que resultaram na escolha de Parnamirim para sediar um grande aeroporto. Seu governo deflagrou uma revolução urbanística em Natal, apoiando o prefeito Omar O’Grady e o urbanista Giácommo Palumbo na concepção e implantação do primeiro plano diretor, demarcando-se para a posteridade seus bairros, ruas e avenidas. Redes de saneamento foram iniciadas e uma agressiva implantação de açudes e poços tubulares, retomadas no governo de Rafael Fernandes, cinco anos depois de sua deposição pela Revolução de 30. Curiosamente, Juvenal Lamartine professava os ideais do Movimento, mas se manteve leal ao Presidente Washington Luís, de quem era amigo e exercera a função de seu líder no Senado. Em 1927, Washington Luís o convidou para ser ministro da Fazenda. O convite foi recusado por preferir governar o Estado. Poucos políticos foram tão perseguidos por Getúlio Vargas quanto Lamartine, provocando seu exílio na França de 1930 a 1933. Ao retornar, organizou com José Augusto e Eloy de Souza, entre outros, o Partido Popular. Parafraseando Tancredo Neves: “O exílio era o toque que faltava para compor a imagem histórica de Juvenal Lamartine”. Um homem com a dimensão de estadista.