22/09/2013


A dimensão de um estadista
Cláudio Emerenciano (Professor da UFRN)

 
As mudanças são precedidas de sonhos. É o triunfo do espírito e da luz. Em todo e qualquer lugar. A humanidade dá saltos e retoma sua marcha de evolução. Sempre inspirada em utopias. Que moldam novas realidades e deixam suas marcas. Os laços humanos dão sentido e força às formas de aprimoramento individual e coletivo. Quanto mais se eliminem os grilhões e a degradação do homem, mais largo é o caminho de realização dos sonhos, que se amontoam e se renovam desde o nascer dos tempos. Viver é mudar lentamente. Crescer em todas as dimensões. Sempre e sem descontinuidade numa ascensão cultural, ética, moral e espiritual. A busca da Luz.
 Não importam o tempo e o espaço onde desabrocham, formam-se e se revelam a vocação, o caráter, a visão e a consciência cívica de um estadista. De um pequenino lugar, num amontoado de casas, que abrigam homens, mulheres e crianças, ao qual dão o nome de vila, povoado, cidade pequena ou lugarejo, com relações humanas marcantemente típicas e provincianas, chantadas e vinculadas à terra e à natureza, suas crenças, seus desafios e seus sonhos se confundindo com o usufruto peculiar da vida, desponta alguém que, um dia, há de revolucionar, mudar, dignificar e opulentar sua pátria e seu povo. Essas pessoas, que se agigantam ao longo da vida por servir e ampliar o bem comum, agregando também conhecimentos, valores, ideais, exemplos, percepções e caminhos novos à sociedade, enquanto vivem tipificam o ser estadista. Assim foi Juvenal Lamartine de Faria. Desde os tempos como aluno do padre e senador Britto Guerra em Caicó. Até à construção do legado como professor, jurista, homem público, legislador, tribuno, sociólogo, escritor, jornalista e memorialista. O caráter e o sentido da modernidade repousam na partilha e evolução do que é bom para todos. Pelo menos no essencial - dizia o gênio inimitável de André Malraux. Ensejando sua ascensão em todos os sentidos. Há líderes que revelam e encarnam sentimentos nacionais. Ou expressam um estado de espírito comum a um povo, nações e até a uma civilização. Ou ainda mais: interpretam, durante algum tempo, em circunstâncias excepcionais, o clamor e as esperanças do gênero humano. Que podem manifestar-se, singularmente, num lugar, numa região ou num país. Até alçar-se à universalidade.
O Rio Grande do Norte e o Brasil devem muito a Juvenal Lamartine de Faria. Antes de governar o nosso Estado, como deputado e senador, ombreado a Eloy de Souza e José Augusto, propôs soluções definitivas para a região nordestina, particularmente no semi-árido. Aluno e discípulo de Clóvis Beviláqua na tradicional Faculdade de Direito do Recife, mais tarde, como deputado, colaborou com o mestre na elaboração do Código Civil Brasileiro, sobretudo na parte relativa ao Direito das Coisas. O grande José Augusto Bezerra de Medeiros, primo e seu antecessor no governo do Estado, assim resumiu o depoimento sobre sua atuação: “Lamartine ocupou todas as funções eletivas no Rio Grande do Norte. Executivo, chegou a governador. Legislativo –deputado e senador federal, e Judiciário, como juiz de Direito de Acari. Em qualquer desses três ramos da atividade pública ele foi uniforme, isto é, só tinha uma diretriz – o cumprimento do dever”. Lamartine, pioneiramente no Brasil, através do deputado estadual Adauto Câmara, institucionalizou o voto feminino no Rio Grande do Norte. (na época a legislação eleitoral era estadual). Também foi responsável por transformar o nosso Estado (de 1926 a 1930) num pólo da aviação civil, com campos de pouso em quase todos os municípios. A ele se deve as gestões e ações que resultaram na escolha de Parnamirim para sediar um grande aeroporto. Seu governo deflagrou uma revolução urbanística em Natal, apoiando o prefeito Omar O’Grady e o urbanista Giácommo Palumbo na concepção e implantação do primeiro plano diretor, demarcando-se para a posteridade seus bairros, ruas e avenidas. Redes de saneamento foram iniciadas e uma agressiva implantação de açudes e poços tubulares, retomadas no governo de Rafael Fernandes, cinco anos depois de sua deposição pela Revolução de 30. Curiosamente, Juvenal Lamartine professava os ideais do Movimento, mas se manteve leal ao Presidente Washington Luís, de quem era amigo e exercera a função de seu líder no Senado. Em 1927, Washington Luís o convidou para ser ministro da Fazenda. O convite foi recusado por preferir governar o Estado. Poucos políticos foram tão perseguidos por Getúlio Vargas quanto Lamartine, provocando seu exílio na França de 1930 a 1933.  Ao retornar, organizou com José Augusto e Eloy de Souza, entre outros, o Partido Popular. Parafraseando Tancredo Neves: “O exílio era o toque que faltava para compor a imagem histórica de Juvenal Lamartine”. Um homem com a dimensão de estadista.                

21/09/2013


Cordeiros e Carneiros


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG

As mesmas águas, que fizeram submergir a Ilha de Manoel Gonçalves, expulsaram de lá seus habitantes e visitantes para diversas localidades, como Macau, Pendências, Oficinas, Rosário, Cacimbas do Viana, Curralinho e outras tantas. As coisas da natureza e a natureza das coisas vão tecendo o destino das pessoas, juntando-as e separando-as, tudo ao mesmo tempo. A cada instante, o mundo é redesenhado. O caos reordena a natureza.

Aquele porto, no meio do mar, onde tantas embarcações ancoravam e por onde tantas pessoas, das mais diversas nacionalidades e localidades circulavam, com seus negócios e afazeres, jaz submerso no oceano e esquecido pelas autoridades. Nem um farol e nem um marco está presente onde foi a nossa Atlântida. Por onde andam os remanescentes daquele povo que transitava ou residia na Ilha esquecida? Quantos sabem que seus antepassados passaram por lá?

Pesquisando em velhos livros da Cúria, vou repassando a antiga história do nosso povo e dos nossos heróis esquecidos. Vez por outra encontro, através de seus descendentes, velhos conhecidos. Em uma dessas viagens, nos livros da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, encontro o batismo de Eliziário, que me fez recordar o lisboeta Eliziário Antonio Cordeiro, lá da Ilha de Manoel Gonçalves. Paro e vou examinar o registro, em busca de algum elo com o povo que lá vivia.

Aos vinte e três dias de junho de mil oitocentos e setenta e três, o Reverendo Coadjutor Pro-Pároco Joaquim Francisco do Nascimento batizou solenemente Eliziário, nascido a seis de maio do mesmo ano, filho legítimo de Manoel Martins de Oliveira e Rita Xavier Bezerra. Padrinhos, o Reverendo Padre Francisco Constâncio da Costa e Francisca Jeracina Cordeiro. E para constar fiz este assento. José Herôncio da Silveira Borges, Coadjutor Pro-Pároco.

Esse Manoel, acima, deve ser o filho de Eliziário Antonio Cordeiro e Antonia Silvéria de Oliveira, ele de Lisboa, ela da Serra de Martins, que nasceu aos trinta de outubro de mil oitocentos e trinta, e foi batizado na Ilha de Manoel Gonçalves. Nas minhas hipóteses, Antonia Silvéria de Oliveira era filha do capitão Silvério Martins de Oliveira e Joanna Nepomucena. Dona Joana, que viúva residiu um tempo na Ilha, era filha do capitão Manoel Ignácio de Carvalho e Anna Josepha Joaquina de Albuquerque, residentes na Serra de Martins. Lembramos que o capitão Silvério e Dona Joana  foram sepultados na Igreja do Bom Jesus das Dores, aqui na Ribeira do Potengi.

Um dos filhos de Eliziário, com o mesmo nome, casou em 1869, na Barra de Mossoró, com sua parenta Antonia Cordeiro de Carvalho, filha de Gorgonio Ferreira de Carvalho e Anna Joaquina Cordeiro.

Em outro registro encontro que aos vinte e oito de dezembro mil oitocentos e três, era batizado Raymundo, que nasceu aos vinte e sete de novembro do mesmo ano, filho de José Martins Cordeiro e Victoriana Joaquina Pinheiro, tendo como padrinhos Pedro Liberato Bimont e dona Maximiana Synphronia da Costa. Esse José Martins deve ser, também, um dos filhos de Eliziário Antonio Cordeiro e Antonia Sivéria.

Raymundo, que virou Raymundo Rodrigues Cordeiro, casou em 30 de novembro de mil oitocentos e noventa e cinco, aqui na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, com Francisca Viterbina Gomes Carneiro, filha de João Viterbino Gomes Carneiro e Maria Florentina Carneiro de Mello, perante as testemunhas Nicoalu Bigois e Luis Ferreira França.

Esses Carneiros são velhos conhecidos nossos. João Viterbino e Maria Florentina casaram em 1871, com dispensa de consanguinidade, ele filho de Manoel Gomes Carneiro e Francisca Xavier de Miranda Henriques, e ela filha de João Gomes Carneiro de Melo e Anna Joaquina Teixeira de Souza, que viveram um tempo em São Gonçalo e, depois, foram para Cacimbas do Viana. Francisca Bela, uma irmã de Maria Florentina, foi batizada em Macau, em 1848, e casou na Fazenda Conceição, em 1864, com meu tio-bisavô Cosme Teixeira Xavier de Carvalho. Maria Leocádia, outra irmã de Maria Florentina, casou em Angicos, em 1861, com José Odorico da Costa Ferreira, filho de Antonio Martins Wladislau da Costa e Antonia Teixeira de Sousa.

Em outro artigo já discutimos que João Gomes Carneiro de Melo descendia do lisboeta João Gomes Carneiro e de dona Anna Ferreira de Miranda.
Você que é Cordeiro ou Carneiro pode descender desses portugueses. Você já encontrou seus passos no passado?



OS ÍNDIOS POTIGUARES E HOLANDESES

Isabel Pinto











ÍNDIOS POTIGUARES E OS HOLANDESES



Com muita frequência, ainda escuto de alguns que os índios potiguares se aliaram aos holandeses com muita facilidade, vez que eram tratados pelos flamengos com muito respeito e cordialidade..
Na verdade é necessário retroceder um pouco na história para entender como essa “amizade” foi construída.
Sabe-se que o interesse da Holanda pelo Brasil era o lucrativo comércio de açúcar lastreado nos engenhos localizados no Nordeste. Para obter o controle sobre esses engenhos era necessário o domínio do território, e, para tanto os holandeses traçaram estratégias para a invasão das terras portuguesas, muito antes da época em que tal fato efetivamente ocorreu.

Cabe ressaltar que, no Nordeste, já existiam aldeamentos administrados pelos jesuítas, com a missão da catequese da população indígena. Assim, os índios já tinham conhecimento do cristianismo.
Por volta de 1624, Manoel de Morais, jesuíta que depois se tornou calvinista e se mudou para Holanda, forneceu dados para os holandeses sobre a população indígena e ainda, recomendou que o tratamento com os índios deveria ser mais liberal do que com a população negra (escravos africanos).
Segundo ele, a religião seria um elemento fundamental para a conquista do território, a exemplo do que havia feito os jesuítas, acrescentando que a evangelização (calvinista) seria uma aliança política com indígenas para fins militares, na luta contra os portugueses.
Assim, em 1625, antes mesmo do período de dominação holandesa no Nordeste Brasileiro (1630-1654), começou a ser colocado em prática um plano, que ao final de tudo apresentou-se bem sucedido.
Seis índios foram levados para Holanda onde, além de aprenderem a língua, foram doutrinados e se “converteram” ao calvinismo.
Quando os holandeses conquistaram Pernambuco, esses índios, que passaram 5 anos na Europa, foram mandados de volta e funcionaram como interpretes e líderes na luta contra os portugueses.
Dentre eles estava PIETER POTI (PEDRO POTY), um cacique potiguar que foi um grande aliado dos holandeses. Outro foi Gaspar Paraupaba.
Para os holandeses tais índios não eram “amigos”, mas apenas parceiros na luta contra os portugueses para a conquista do território que possuía interesse econômico, já que a exploração do açúcar, pela Companhia das Índias Ocidentais, era um grande negócio.
Sergio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, fala sobre as tentativas de atrair os indígenas para a fé reformada, mas completa que os holandeses escravizavam e vendiam índios brasileiros nas Antilhas.

Assim, faz-se necessária uma visão crítica e isenta de “nuanças cor-de-rosa” para análise de fatos históricos. Os indígenas foram tratados, tanto os portugueses como os holandeses, apenas como mais um instrumento de conquista do território que se mostrava economicamente viável.
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(BLOG GENEALOGIA SERTANEJA)











20/09/2013



Um passeio matinal pela Ribeira 

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br

Neste último domingo cheguei cedo à Ribeira, indo ao encontro de coisas que tinha visto no passado e não queria esquecer. Ainda do alto da “Ladeira de Marpas” observo os telhados dos antigos prédios, o rio, e o céu. O sol dá seu espetáculo costumeiro ao surgir, como por encanto, sobre as águas do Potengi que banha o bairro.

Pelo horário, as ruas estão bem calmas. Uma ótima ocasião para rever os velhos prédios onde funcionaram casas comerciais e repartições públicas, hoje extintas. A história do bairro ribeirinho desaparece dia a dia, em meio às ruínas e desamparo.

Porém, com devoção, encaminho-me vez ou outra para andar por ali, na esperança de avistar novamente as luzes do progresso e a revitalização tão prometida.

Caminho na esperança de encontrar no chão ou diante de algum prédio antigo alguma velha lembrança, como, por exemplo: um daqueles envelopes azuis da marca Elco, com bordas enfeitadas por bandeirinhas em azul-marinho e vermelhas, com os dizeres “Luftpost” e “Par Avion” impressos, tão comuns em Natal por ocasião da II Grande Guerra.

O sol começa a esquentar e afugentar das ruas os últimos bêbados e desocupados, que fazem do bairro o seu refúgio noturno. Continuo andando, como se fosse possível trazer de volta as passagens do passado.

Alguns passarinhos deixam os seus abrigos e com trinados alegres desfrutam da liberdade e cantam, talvez, anunciando o novo dia que chega. Os pássaros alegram-se com o sol, caçando frutinhas e vermes para levar aos filhotes que os aguardam nos ninhos.

Prossigo a caminhada solitária, pois a nostalgia dos tempos que se foram não me abala. Continuo o passeio pelas ruas antigas e mal cuidadas, impregnadas dos perfumes da manhã e da brisa suave que vem do rio. Noto, com pesar, que a fuligem persistente enegrece as fachadas seculares de alguns prédios mal cuidados.

Chegam-me lembranças de outros tempos – os quais, com certeza, não voltarão mais. Continuo a observar, em muda desaprovação, as ruínas dos prédios antigos, que tinham sido utilizados em atividades produtivas e agora declinam pelo abandono. Parece-me que estou a folhear um velho álbum de fotografias, com folhas amareladas pelo tempo.

Da esquina da Rua Chile avisto um velho conhecido – o Rio Potengi que corre, sem pressa, de encontro a bela ponte estaiada da Redinha.

À minha direita, a Rua Dr. Barata, lembro-me que, em 1942, aquela rua foi o centro da elegância de Natal, com belas lojas, cafés, e casais tranquilos que passeavam durante as tardes. Era o “footing natalense”. Surpreendo-me com suas condições atuais. Parece-me que está entregue ao mofo do esquecimento coletivo.

Detenho-me frente a um antigo prédio abandonado e entregue a voracidade das ervas daninhas. Pelo visto, não demora a ruir.

Prossigo pela Rua Frei Miguelinho e deparo-me com o Beco da Quarentena transformado em uma cloaca pública, criadora de insetos. De longe, observo o “cajá das raparigas”, cheio de frutos. Porém é impossível me aproximar.

Volto para Av. Tavares de Lira e detenho-me onde funcionou “Zé das Canetas”, ao lado da barbearia de Chico Gororoba; a Agência Pernambucana, frente à Livraria Internacional de João Rodrigues, nada disso existe mais.

Até quando a Ribeira continuará o seu declínio?!

19/09/2013


UMA GRANDE DAMA
Lúcia Helena Pereira (*)

Cada um de nós guarda no coração e na memória, os seus mitos interiores, suas paixões, seus afetos, suas lembranças diletas. E eu não sou diferente.
Em criança elegi esses mitos, como a simbologia de tudo que mais amei, admirei e preservei.
Tive a minha avó paterna - Madalena Antunes-, a única que conheci e tanto admirei e de quem guardo as lições impecíveis que nenhuma circunstância apaga. Quando se encantou, Deus emprestou-me outra avó - Maria Olívia de Vasconcelos Dutra, mãe de Mariazinha, esposa de um oficial da Marinha. Tive o meu avô paterno de quem pouco me lembro, mas, acima dele, papai do céu me deu o vovô Maiorana (imigrante italiano}, dono da Casa Vesúvio, na rua João Pessoa, que teve verdadeiro amor por mim.
Tive tios maravilhosos, primos do mais dócil afeto, e, assim, a vida me mimoseou com essas felicidades. Sempre irreverente, fugi dos preconceitos de só amar os familiares maternos. Aboli isso de minha vida e fiz minhas escolhas, passando a admirar os meus eleitos.
MINHA TIA - ODETTE RIBEIRO PEREIRA
Ela nasceu em São José de Mipibi/RN e ainda criança perdeu seus pais, ficando sob a tutela dos tios: Gal. Jacinto Carrilho e Zulmira Ribeiro Dantas, morando com eles na vila militar em Realengo/RJ, depois, em Grajaú/SP. Seguindo o curso do seu destino, veio morar com o irmão mais velho - Antonio Basílio Dantas Ribeiro, em Ceará-Mirim/RN. Nesse ínterim conheceu aquele por quem se enamorou - Ruy Antunes Pereira -, casando-se aos 28 anos. Tiveram cinco filhos: Olavo Ruy, Adelmo e Maria, que foram a óbito, ainda pequeninos, ficando, Ruyzinho e Denise.
A minha tia Odette tinha muitos dotes: tocava piano divinamente, fazia doces saborosos, escrevia singelos versos e era mestre na arte de fazer pãezinhos, cuja receita levou com ela. Era exímia costureira. Fazia lindos trajes para a filha Denise, sobretudo em época de veraneio na praia de
Muriú, confeccionando vestidos, blusas e shorts para a filha amada. Era uma pessoa alegre e virtuosa. Durante os veraneios costumava formar grupos de sua amizade, para um bom carteado.
Ao longo do tempo, era admirável observar a sua bela vaidade: sempre bem vestida, usando saltos altos, jóias, sem descartar, jamais, os perfumes franceses, tendo, como predileto, “Fleur de Rocaille”. E era, acima de tudo, uma pessoa muito simples e de fácil convivência.
Teve três irmãos: Antônio Basílio, Inácio José Ribeiro e Jair Dantas Ribeiro, seu mais especial irmão e amigo, ex- ministro da guerra no governo de João Goulart.
Usou sempre do melhor carinho com os sobrinhos, os quais, retribuíam com amizade e afeição.
Guardo da minha tia, acima de tudo, a sua elegância moral e física. Uma mulher dotada de princípios honestos, jamais se perdendo nesses caminhos. Nunca se queixava de nada e tinha, em especial, a arte de sublimar as intempéries da vida. Estava sempre cheia de alegria. Sua casa, na avenida Deodoro, tinha a sua própria personalidade, a contar pelo jardim com os jarros abundantes dos mais belos espécimes vegetais. E ali ela recebia parentes e amigos, para lanches deliciosos, numa casa confortável e bem cuidada.
Tio Ruy, que adorava ler e escrever, ficava no andar de cima, nas horas dessas tertúlias da esposa Detinha, (como a chamava carinhosamente) onde ele tinha sua escrivaninha e instrumentos para os seus momentos epistolares.
Quando me casei e nasceu o meu primogênito - ABEL - tio Ruy e tia Odette foram visitá-lo e levaram lindos presentes. Mas tio Ruy logo reclamou: ”ora, filha, o nome dele devia ser Abel Neto, uma homenagem a Bebé” (Abel Antunes Pereira, meu pai e irmão dele). Mas expliquei-lhe que meu marido não quis perder seu sobrenome.
Adorava as visitas de tia Odete à minha casa no Condomínio Jardim Nova Dimensão. Tínhamos as afinidades maiores do coração, e era um verdadeiro deleite ouvi-la falar na bondade do meu pai e na grandeza como mamãe nos educou. Geralmente ela chegava às 15:30, com o motorista - Sr. José - e saía às 17:30. Jamais faltou um bom assunto, ela era um rio sempre cheio. E eu vibrava ao vê-la descrever os vestidos de sua época, os bailes, as marrafas de marfim que as mulheres usavam nos cabelos, as músicas, os leques madrilenos, as luvas de seda, e as grandes valsas que me levavam a imaginar la belle époque de la France...
Adorava os filhos: Ruy Pereira Júnior e Denise Pereira Gaspar, o genro Arnaldo Neto Gaspar, a nora e os netos, aos quais se referia com o olhar iluminado: “Ah! Lucinha, serão eles a continuarem nossas vidas”...
Não me lembro de alguma vez ter visto a minha tia triste. O sorriso estava tatuado em seus lábios, além de gostar de brincar com as coisas que ela achava engraçadas. Ela foi uma pessoa especial em minha vida, dela guardo o sentimento especial do amor que não conhece limitações e aumenta, à medida em que os anos vão passando, como se fosse uma caravana de ideais, num deserto iluminado.
E, diga-se, ela foi, acima de tudo, uma grande dama!
Gostei de fazer essas consignações por um motivo bem simples: a saudade, que é a riqueza do sentimento humano. Em vez de lágrimas, a música da poesia, como a canção de uma ave que passa por nós, no mistério das coisas impressentidas, que são a maneira de Deus escrever versos que acabam em poesia.
(*) Escritora



V E R Í S S I M O   D E   M E L O
Gileno Guanabara

Uma das grandes figuras humanas da Cidade do Natal, com o devido resguardo às demais, trata-se do professor Veríssimo de Melo. Não pertenci exatamente a sua geração. Encontramo-nos e mantivemos uma convivência admirável. Poderia chamá-lo de enfiteuta do universo, numa paródia dirigida a pessoas ilustres que sob colunas praticam os rituais maçônicos: um Ticiano Duarte, por exemplo. Eis o personagem objeto dessas travessas linhas. Um intelectual, irmão e boêmio, “bon vivant”, contador de casos e arquivista da memória que comungou com nós outros.
Ainda quando a Redinha se arvorava em praia de veraneio, idos de 1950, na parte banhada pelo Rio Potengi, a que chamávamos de Praia do Maruim, se descortinava o ir e vir das lanchas de Luis Romão e dos botes à vela, desde o cais Tavares de Lyra ao “trapiche” de madeira xantado no beiço do rio. Transportavam os renitentes veranistas durante o dia. Nos chamados dias úteis, as noites eram soníferas. Nas de sextas-feiras até o domingo, porém, mudava tudo. Os senhorios reuniam-se com as famílias e vizinhos nos alpendres. Os violões e cavaquinhos em punho e haja seresta. Entre uma e outra talagada as modinhas eram revisitadas. Somente com a amanheçênça do dia, o raiar do sol em suas primeiras luzes, sinalizava o toque de recolher. Os instrumentos musicais só seriam retomados à tardinha, à aproximação da próxima noitada, uma nova tertúlia.
Comandavam a trupe os violonistas irmãos Holdão e Sebastião (Yo Yô) Botelho e o pai, Israel. Mabel Augusta ao desafio das cordas vocais. Ofélia, Lourdes Nascimento (rádio-atriz), Elmo, Toinho, Seminha, Socorro, Tancredo Fonseca e José de Almeida, reciclavam a cantoria das histórias de amor mal curado. Walter Canuto e sua irmã lourdinha, em diapasão com os demais, afinavam “Praieira dos meus amores”, ao final batendo retirada com “Chão de Estrelas” ou a valsa “Branca”.
Pela madrugada, de candeeiros a gás iluminando as veredas, a comitiva seguia pândega, em visitas cantarolando, a tocar para quem se propunha a abrir suas portas e comungar com os empertigados seresteiros o momento solene do Reisado: “Oh de casa, Oh nobre gente/Despertai e ouvireis/Que da parte do Oriente/São chegados os três Reis”//”As festas batendo às portas/A vós veem as festas pedir/Porque desse seu pedido/Não havereis de eximir”//”Eu só peço boas festas/a quem consagra amizade/As pessoas lindas e belas/Dotadas de prosperidade”...
Numa noite, ao regalo de uma dessas visitas, o dono da casa era exatamente Veríssimo de Melo. Abertas as portas, já se encontravam sobre a mesa as bebidas e o tira-gosto apropriado para o momento. Os violões logo tronitoaram seus acordes à disposição de quem iniciasse a cantoria. Veríssimo desfilou a composição de sua autoria, letra e melodia, de nome “Caju”. Dizia assim: “Caju nasceu pra cachaça/Pirão pro peixe nasceu/mulher nasceu pro amor/ Pro amor também nasci eu.” Guardei desde antão a imagem do bom anfitrião que se me apresentou Veríssimo, o irmão de Protásio, filhos do seu Eufrásio Melo que morava na Rua da Palha, no bairro da Cidade Alta, ao tempo do Café Magestic e do Cinema Royal.
No Curso de Sociologia da Fundação José Augusto, assisti às aulas de Veríssimo na cadeira de Etnologia Cultural, haja vista sua condição de professor do Museu de Antropologia da Universidade Federal. A mesma verve, a mesma graça de bem viver.
Os seus escritos e estudos foram tantos sobre tipos e fatos de época. Tive acesso a uma história de boemia que o próprio vivenciou. Segundo seu relato, havia chegado a casa às três e meia da manhã, portando um long-play, uma gravata amarela, um livro - “O Pequeno Príncipe” - e um violão, este o que mais o incomodava pelo denuncismo da hora. Bateu na porta da casa e, enquanto aguardava, ficou a meditar qual a reação que teria de enfrentar, para responder a sua mulher diante da inevitável pergunta: “sabe que horas são estas ?
A pergunta ouvida, entretanto, foi outra: “que perfume é esse?...”, e Vivi respondeu: “É francês, legítimo. Uma delícia.”. Em seguida passou a desvencilhar-se dos objetos, com as devidas explicações: “O long-play é para quando consertarmos a eletrola. A gravata amarela é para combinar com aquele paletó azul marinho. Bem, o livro é para Fernandinho, pois traz algumas aquarelas lindas do autor que se chama Saint-Exupery. O violão você já conhece...”.
Veríssimo estranhou a pergunta que não lhe fora feita: “de onde teria vindo ?”  Então o melhor seria antecipar-se e explicar de onde estava vindo: “Estive com o embaixador do Japão. Um homem excelente. Chegou hoje a Natal. Veio num navio de guerra japonês. Foi lá que me deram esses objetos.
Eis que a pergunta fatal, não esperada, fustigou a madrugada: “E você sabe falar japonês ?, perguntou confusa a sua mulher. Veríssimo esperou, se recompôs e respondeu: “Bem, falar eu não falo, mas tenho um amigo que fala divinamente.”. E novamente a dúvida: “E quem é esse seu amigo que fala japonês ?” A resposta veio sábia e instantânea: “É Romildo Gurgel. Ele fez um curso de Jiu-Jitsu, no Rio de Janeiro. E imagine, quem sabe jiu-jitsu aprende a falar muito bem o japonês”.
Dito assim, Veríssimo concluiu: “Eu é que não pratico nem uma coisa e nem outra”. E arrematou: “Sabe de uma...Eu vou é dormir”. E a mulher se deu por satisfeita e o aconchegou, tal um inocente sob o frio da manhã que despertava.

18/09/2013

FAMÍLIA DO DESEMBARDOR FLORIANO CAVALCANTI
DEPOIMENTO DE EMMANOEL CAVALCANTI

PARA A POSTERIDADE


Desembargador FLORIANO CAVALCANTI
LANÇAMENTO
27 SET
19 horas
Livraria SARAIVA