18/07/2013

"LUMEN FIDEI" (LUZ DA FÉ)

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)

A primeira Carta Encíclica de Francisco dá o tom de seu estilo pastoral, apesar do projeto inicial ter sido concebido por Bento XVI, que ali traçou algumas ideias. No entanto, o uso de certas expressões, a riqueza de imagens a que faz referência, algumas citações de autores antigos e modernos fazem desse texto uma introdução ao pensamento do atual Pontífice, permitindo melhor compreensão de sua visão teológica.
No documento, Francisco emprega três verbos: caminhar, construir, confessar. São os mesmos de sua primeira homilia aos cardeais, no dia seguinte de sua eleição. De certa forma, podemos dizer que a encíclica está estruturada sobre este eixo. Dividida em quatro capítulos, mostra que se deve continuar a experiência que a Igreja viveu durante O Ano da Fé, com tantos fatos significativos.
Há encíclicas que se tornaram famosas pelo seu conteúdo, por exemplo, a Rerum Novarum, de Leão XIII (1891). Outras passarão à história pelo caráter inédito de sua gênese. É o caso da Lumen Fidei. O texto escrito “a quatro mãos” tem de insólito o fato de que os dois protagonistas estão vivos: um papa emérito e outro reinante. Não seria um caso sem precedentes, se Bento XVI fosse falecido, pois a primeira Carta de Ratzinger (Deus caritas est) utilizou material póstumo de João Paulo II. A novidade, portanto, está no fato da Lumen Fidei ter dois coautores. É o que expressa Francisco no começo do documento: Bento XVI “já tinha completado praticamente uma primeira redação desta carta encíclica sobre a fé. A ele agradeço de coração e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, acrescentando ao texto algumas contribuições”.
No século XX, Pio XI bateu recorde em matéria de encíclicas, escrevendo quarenta e uma. No entanto, Francisco é o papa que publica a primeira em menos tempo, quase quatro meses, após ser eleito. Mais rápido ainda que João Paulo II, ao escrever Redemptor hominis, no sexto mês de seu pontificado
Desde sua eleição como Papa, Bergoglio vem insistindo sobre a centralidade da fé. Parece-nos que seu programa está sintetizado na última parte da encíclica: “A luz da fé não nos leva a esquecer dos sofrimentos do mundo. Quantos homens e mulheres de fé receberam a luz das pessoas que sofrem! São Francisco de Assis, do leproso; a beata Madre Teresa de Calcutá, dos seus pobres”. 
Talvez pudéssemos resumir a Lumen Fidei em poucas palavras: um humanismo evangélico. “A fé não é a luz que dissipa todas as nossas trevas, mas é uma lâmpada que guia nossos passos na noite e isto basta para o caminho. Não é prestar assentimento a um conjunto de verdades abstratas, mas fazer a vida entrar em comunhão plena com o Deus vivo”. A fé não é obscurantista, tampouco intransigente. É a primeira vez que um papa fala nisso, contradizendo a tese de alguns: “o catolicismo não pode se separar da intransigência”.  Na Lumen Fidei, o Papa diz claramente que o católico não pode ser arrogante. Ao contrário, deve ser humilde, pois se refere a uma verdade que não lhe pertence: o Deus do Amor e da Misericórdia. Sem dúvida, é uma mensagem cheia de paz, sabedoria e bondade.
Francisco, pouco a pouco, está ocasionando mudanças na Igreja e na relação desta com a sociedade. Seus gestos têm mostrado uma nova face do catolicismo. Assim o fez, quando afirmara que deseja uma Igreja pobre e para os pobres ou anunciou que “para minha própria saúde mental, fico morando em Santa Marta, porque não quero viver isolado”. Ou, ainda, quando, em audiência para seis mil seminaristas,  noviços, num discurso improvisado, proferiu estas palavras: “dói ver uma freira ou um padre com o último modelo de carro”. Em Roma, há quem antecipe que, após a Lumen Fidei, logo virá outra, tendo como eixo a bem-aventurança bíblica dos pobres.

AS ROCAS



AS “ROCCAS”                                      Gileno Guanabara.

As Roccas, mantida a grafia da época, foi um dos primeiros bairros da Cidade do Natal.  Possível que o nome tenha derivado de “rocha”, os arrecifes em que foi construída a Fortaleza dos Reis. Começava desde o “Alto da Castanha”, ao Noroeste do morro e vinha margeando em dunas curvas, até a Praia do Canto do Mangue. Ocupava uma área de terrenos alagados. Casas e coqueiros vistos nas partes altas, enquanto as casas de frente eram banhadas pelas águas do Rio Potengi, dando-lhe a aparência de canais venesianos. Na lembrança dos mais antigos, as Roccas fora “cama de baleia”.

 A principal artéria chamou-se de Rua São João, nome derivado das fogueiras e da animação das festas de São João. No alto do morro foi edificada a capela de São João, o nome do padroeiro. Apesar de as águas do Rio Potengi banharem o eito das casas, formando canais, não impedia de ser a Rua São João a mais movimentada. Sua população era composta de operários e pescadores, conhecidos por “canguleiros” dada o consumo do peixe cangulo.

Além da Rua São João, a Rua Dr. Pereira Simões, direcionada no sentido do Nascente, foi também importante para a consolidação do Bairro. Seu nome original era “Rua Cordão Azul”. Iniciava-se às margens do Rio Potengi, provavelmente onde se edificou o cais do porto, passando pela Estação da Estrada de Ferro Central, indo até o alto do Monte Petrópolis, onde está o Hospital Onofre Lopes (ex-Hospital Juvino Barreto). Tem provavelmente hoje o percurso que vai pela atual Rua do Motor, passando onde está situada o Clube Araruna de Danças Semi-Desaparecidas.

Das primeiras ruas tem-se ainda a “Rua Paraense”. Eam poucas casas edificadas pelo capitão João Fernandes de Almeida, conhecido por “Joca do Pará”, policial truculento e de muita valentia, de que derivou o nome da Rua, correspondente a atual Rua Expedicionário José Varela.

Mais ao Norte da Praia do Canto do Mangue existia a praia denominada “As Limpas”, à margem direita do Rio Potengi, entre o canal que separava as dunas do Forte dos Reis Magos. “As Limpas” corresponde hoje à sede do Iate Clube e do quebra-mar ao longo do Quartel de Regimento de Obuzes do Exército.

Ao Sul de “As Limpas” foi edificada durante a Segunda Grande Guerra a base de abastecimento e manutenção dos hidroaviões que pousavam no Rio Potengi. Na margem do Rio, havia a torre de controle e a pista de acesso, através de que eram rebocadas as aeronaves. O declive de acesso, nos quais os aviões eram içados do Rio Potengi, designou o local que ficou conhecido como “A Rampa”. A desativação da “Rampa” ocorreu com a construção da Base Militar de Parnamirim.

Em direção ao centro, no lugar mais alto de “As Limpas”, foi construída a capela de Santo Reis, por iniciativa dos Capitães Julião Bento da Costa e Antônio Milhomens. Durante o dia de Santo Reis - dia 06 de janeiro – os católicos acorriam em romaria à capela, a pé, a cavalo, ou através do Rio Potengi. O percurso de dois quilômetros era feito em pequenas embarcações a remo, devidamente enfeitadas, até as “Limpas”, a fim de participar da missa e outros atos religiosos.

“Canguleiro”, nascido na “Roccas”, João Café Filho defendeu operários, criou sindicatos e fez política. Revolucionário de 1930, se pronunciou contra o golpe do “Estado Novo” de 1937. Perseguido, exilou-se na Argentina. Foi eleito, no ano de 1950, Vice-Presidente da República. Com o suicídio de Vargas, assumiu o cargo de Presidente. Moradores ilustres das “Roccas”: “Toré”; “Saquinho”,“Badidiu”; “Biró”, “Paulo Izidro”, e “Jorginho”, foram estrelas do futebol anteriores a Pelé.

O Bairro das Roccas é o berço das manifestações culturais. As comemorações de Santo Reis; de São João; os cultos de “Umbanda”; o carnaval dos cordões e das tribos de índios, são parte do calendário da cidade. Cornélio Campina preservou, durante anos, o Clube Araruna de Danças Antigas e Semi-desaparecidas. Na atividade gastronômica, o pirão escaldado da cabeça de peixe representou o prato predileto servidos nas peixarias de mesas rústicas, de chão batido e cobertas de palha da Rua São João.

Desde cedo a atividade industrial do algodão e da fibra de agave se instalou nas Roccas (Anderson Clayton; Whorton Pedrosa; Machine Cook; João Câmara). Outros espaços se incorporaram desde os campos cultivados da Lagoa do Jacó: o Estádio do João Câmara; a Vila Ferroviária, interligados ao “Areal” e ao Monte Petrópolis.

 À Feira das Rocas acorriam os moradores das praias de Pitangui, Barra do Rio e Muriu. Embalados pelos ventos do mar, adormeciam nas areias do morro de Genipabu.  Cedo atravessavam o Rio Potengi.  Traziam cestas de camarão, peixe moqueado, mangaba, cambuim, ubaia doce, pitomba e beiju de mandioca. O Mercado Público e a feira semanal, que se realizavam na Rua Almino Afonso (STTU), passaram para o pátio do Mercado das Roccas, local onde permanecem até hoje.

17/07/2013

JORNAL "HORA DO POVO" IV




8. A Prisão do Marechal Hermes
               
Às 23h, por ordem do Presidente da República, o marechal Hermes é preso e recolhido ao 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha. A afronta viria colocar mais lenha na fogueira, e sua libertação, ao meio-dia do dia 4, não detém a marcha dos acontecimentos.
A truculência empregada pela oligarquia cafeeira para sufocar o questionamento à fraude eleitoral que patrocinara voltava-se contra ela.
O líder das bancada fluminense, senador Irineu Machado, pronuncia inflamado discurso que conclui dizendo:
"Espero dos acontecimentos e da história os grandes dias em que arrancaremos desse pântano mefítico a nossa nacionalidade. Será essa, ainda uma  vez, a obra  grandiosa do Exército".
Também o líder da bancada gaúcha na Câmara Federal, deputado Otávio Rocha, não poupa adjetivos para incentivar a resposta revolucionária que está prestes a ser desencadeada:
"De joelhos, nunca. De pé e de frente eu encaro o ditador...  fiquem para todo e sempre malditos os que... tiveram a ilusão de que os césares eram eternos e o poderio da Terra o supremo bem"..
                A única pessoa a quem foi permitido visitar o Marechal Hermes, durante a sua estada de dezessete horas na prisão, foi o ex-presidente Nilo Peçanha. A conversa foi reservada e não há relato sobre o que foi discutido. Porém o marechal Hermes não deixou o 3º Regimento de Infantaria com a mesma firmeza de propósitos que havia demonstrado até antão. Talvez porque Nilo de alguma forma o tenha feito entender que tanto ele quanto o governador Borges de Medeiros, que até então vinham apoiando seus pronunciamentos, consideravam inoportuno o recurso à insurreição naquele momento.
            Borges formalizaria essa posição em manifesto publicado no dia 7, no jornal gaúcho A Federação:
"Nada mais absurdo nem mais condenável do que corrigir uma violência com outra violência"...
                Declarando-se "solidário com os vencidos", Nilo Peçanha empregaria seus últimos vinte meses de vida na defesa dos tenentes rebelados, e em conversações que conduziriam à eclosão de novo levante, na cidade de São Paulo, dando início à Revolução de 1924.
                 
9. O Forte Está Pronto
À noite, cerca de duzentos oficiais, praças e voluntários civis começam a cruzar os portões do Forte, para reforçar a sua guarnição. Às 22h toda uma bateria do Forte do Vigia, situado na outra extremidade da praia de Copacabana, bairro do Leme, integra-se nesse esforço. São 54 homens comandados pelo tenente Fernando Bruce.
Às 23h30 o general Bonifácio Gomes, comandante do 1º Distrito de Artilharia de Costa, chega ao Forte com ordem expressa de destituir o capitão Euclides Hermes do comando da unidade. Vem acompanhado do capitão José da Silva Barbosa, a quem pretende investir na função. Ambos são presos.
Uma companhia do 3º Regimento de Infantaria, que havia sido deslocada para apoiar a missão do general, é intimada a recuar. O tenente Mário Carpenter, que integra a companhia, confraterniza com os revoltosos e também adere ao levante.
À 1h15 de 5 de julho, um disparo para o céu anunciava o compromisso do Forte Copacabana com a revolução. Conforme o combinado, as outras fortalezas deveriam confirmar o apoio disparando também os seus canhões. A resposta é o silêncio.
Mas o Forte não se deixa impressionar. Seus canhões alvejam a desabitada ilha de Cotunduba. Depois começam os tiros para valer: os dois primeiros, dirigidos ao 3º Regimento de Infantaria e ao Forte do Vigia.
10. O Levante da Escola Militar
               
Às 23h do dia 4 teve início o levante da Escola Militar de Realengo. Por iniciativa do corpo de oficiais instrutores, composto por diversos protagonistas das futuras rebeliões tenentistas, entre os quais os tenentes Victor César da Cunha Cruz, Ricardo Hall, Caio de Albuquerque Lima, Edmundo Macedo Soares e Juarez Távora, cerca de 600 cadetes de várias armas entram em forma e começam a ser armados e municiados.
Patrulhas foram destacadas para vigiar a residência de oficiais sabidamente contrários ao movimento.
Foram detidos o comandante da Escola, general Monteiro de Barros, e um cadete que se recusou a participar do levante.
À meia-noite, sob o comando do coronel Xavier de Brito, diretor da Fábrica de Cartuchos de Realengo e veterano da campanha de Canudos, a Escola deslocou-se pela estrada São Pedro de Alcântara em direção à Vila Militar - a 10 quilômetros de distância. Antes de alcançar a parada de Magalhães Bastos,  um elemento de ligação trouxe a informação de que toda a tropa aquartelada na Vila estava de prontidão, e sob o completo controle dos oficiais governistas.
            Cinqüenta anos mais tarde, Juarez Távora descreveria o episódio, com as seguintes palavras:
"Soube-se mais tarde que apenas alguns elementos de uma Companhia do 1ºRegimento de Infantaria haviam sido sublevados por um dos seus   oficiais, o tenente Frederico Cristiano Buiz....
Diante dessa grave situação, o comando da Escola deslocou a marcha da Coluna para ocupar posição no morro da Caixa d'Água, com bom domínio sobre toda a Vila  Militar... Ao clarear do dia 5, o comando da Escola determinou o disparo de alguns tiros de shranpnel da artilharia, sobre os quartéis da Vila... A reação não demorou... Por volta das 9h, a situação estava claramente definida; toda a tropa da Vila se movimentava contra a Escola. Entre os elementos desta já havia um morto - o cadete Fedorval Xavier Leal - e um outro ferido... Seria insensato e desumano prosseguir naquele duelo desigual... A retirada foi feita em ordem".
                       

16/07/2013

GESTOS DO PAPA FRANCISCO

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO (pe.medeiros@hotmail.com)
São Francisco de Assis converteu-se, ao ouvir o Crucifixo da capela de São Damião lhe dizer: “Francisco, vai e restaura a minha casa. Ela está em ruínas” (cf. Legenda Maior II, 1). No inicio, não entendeu a revelação e tomou ao pé da letra as palavras, reconstruindo a igreja da Porciúncula. Após meditar e rezar, compreendeu que se tratava de algo espiritual: reconstruir a “Igreja que Cristo resgatou com seu sangue” (op.cit). Foi então que começou um movimento de renovação da Igreja. Morou com os hansenianos e de braço com um deles percorria as ruas e estradas, anunciando o Evangelho. Não era sacerdote, mas simples leigo. Os papas de sua época proibiam aqueles que não eram ordenados de pregar. Por isso, quase no final de sua vida, aceitou ser diácono para se tornar ministro da Palavra de Deus.
O Cardeal Bergoglio inspirou-se na vida do Santo de Assis. Percebeu uma Igreja mergulhada em ataques, críticas e escândalos. Então, sentiu que tinha como missão restaurá-la. Por isso, Francisco não é apenas um nome, escolhido pelo Papa. É muito mais. Representa uma visão de Igreja simples, pobre, humilde e maternal, que trata a todos indistintamente como filhos.
São Francisco foi obediente à Igreja, mas, seguiu seu próprio caminho, ensinando um evangelho de pobreza, caridade e simplicidade. Bento XVI, ainda quando era simples padre, escreveu que a vida do “Poverello de Assis” é um “protesto profético”. Não fez discursos, pronunciamentos eloquentes, simplesmente mostrou uma nova face da Igreja, voltada para os que sofrem, despojada, preocupada com o Evangelho e não com a honra e a glória.
Na sua primeira aparição em público, Francisco mostrou que tem em mente uma Igreja fora dos palácios e dos símbolos do poder. Não usou a mozeta, bordada e com brocados de ouro. Chegou simplesmente vestido de branco e com a cruz de bispo. Pediu humildemente que rezassem por ele. Somente após orar com o Povo de Deus, abençoou os fiéis reunidos na Praça de São Pedro. Aparece como servidor, “servo dos servos de Deus”, como se escreve nos documentos oficiais da Igreja. Evitou a pompa e a exaltação. Passou uma imagem de serenidade, ternura, bondade e amor. Irradiava paz e confiança Não usou da retórica vaticana. Falou como um pastor ao seu rebanho.
Recentemente, alguns jornais italianos publicaram uma foto do Papa preparando-se para celebrar uma missa, cujos convidados eram os jardineiros e o pessoal de limpeza do Vaticano.  No início da celebração, pede a todos que rezem em silêncio por ele e por todos. Levanta-se da cadeira presidencial e vai sentar-se no final da capela para fazer sua  oração. Prefere que contemplem a verdadeira razão da sua existência: o Cristo Eucarístico. Na foto, vê-se a diferença entre o lider e o chefe. Este sempre se coloca em evidência, pondo-se à frente para que todos o vejam e lhe obedeçam. O líder sabe quando sentar atrás. É capaz de desaparecer no momento oportuno, para que outros cresçam e se voltem para quem é verdadeiramente importante. Na fotografia, o admirável Francisco está de costas.  Talvez muitos desejassem vê-lo de frente, mas quis ficar naquela posição e volver a face para Cristo, o irmão de todos.
Quantos chefes, até mesmo eclesiásticos, terão a postura de ir sentar-se numa cadeira, no fundo da sala? Terão coragem e humildade de voltar às costas aos aplausos, aos cliques dos fotógrafos, aos microfones, às câmeras, aos elogios, às palmas e mostrar um coração despido de vaidade e ostentação?

Natal no início do século XX



Elísio Augusto de Medeiros e Silva


Empresário, escritor e membro da AEILIJ


Natal no início do século XX vivia a tranquilidade de seus dois bairros: Ribeira e Cidade Alta. Cidade de topografia pequena, pouco mais de 20.000 habitantes compunham o seu acervo populacional.

A Ribeira terminava na Rua Silva Jardim, nas proximidades do atual cais do Porto. Depois, as Rocas, bairro de pescadores isolados pelo mangue. Em 1908, foi criado o bonde, puxado a burros, passando com um curioso tilintar nos trilhos lembrava o som de uma campainha.

A luz elétrica havia sido instalada em 1911, no segundo mandato de Alberto Maranhão, mas alguns ainda usavam a iluminação a gás acetileno. Nesse ano foram criados os bondes elétricos.

Nessa época, surgiram na cidade os primeiros gramofones, RCA Victor, movidos à manivela, e de voz desagradável, rouquenha.

As serenatas nas noites escuras tinham os seus autores preferidos: José Lucas, Aristóteles Deolindo Lima, ao lado de violinistas não menos famosos, como Heronides França e Cavalcanti Grande.

Nas residências os “assustados” eram alegres, divertidos, porém dentro do maior respeito, indo até no máximo meia-noite, quando já se narrava o local da próxima festa.

As poesias tinham os seus declamadores, um costume muito em moda em nossa Capital.

Na Ribeira, nas proximidades da Igreja do Bom Jesus, havia a lapinha mais famosa do bairro, frequentada pelo poeta Ferreira Itajubá, que ali fazia as suas exibições.

Na época, existiam vários cantões na Cidade Alta e Ribeira, e cada um tinha seu feitio próprio, onde os amigos conversavam de tudo. Alguns, até de política.

Na Avenida Rio Branco existia um cantão que ficava na residência do Urbano Hermilo, onde não se falava de política, e sim de arte, literatura. Os frequentadores mais assíduos eram: Alberto Maranhão, Celestino Wanderley e Segundo Wanderley (irmãos), Manoel Dantas, Pinto de Abreu, Henrique Castriciano e Pedro Soares.

Os rapazes vindos do interior para a Capital, a fim de estudar, hospedavam-se nas repúblicas.

O “Diário de Natal”, de Elias Souto, circulava, e a sua redação funcionava na Rua da Conceição – era um jornal oposicionista a Pedro Velho.

O jornal “A República” também já circulava, sob a direção de Pedro Velho. Depois, surgiu a “Gazeta do Comércio”, direção de Pedro Avelino e Augusto Leite, tendo a sua sede à Rua 13 de Maio.

As roupas da época eram de tecido francês ou inglês, pois tudo que era bom era importado - o País ainda era carente de indústrias. A moda normalmente era ditada por figurinistas franceses.

A garotada daquele tempo usava canivetes Rodgers. Não existiam judô, nem caratê, as brigas eram resolvidas no murro, pau ou rasteira. As brigas domésticas, entre irmãos, eram resolvidas pelos pais na base da vara de goiabeira.

O carnaval de rua ainda era na Avenida Tavares de Lira e na Praça Leão XIII, ambas na Ribeira. Apenas em 1936, ele passaria para a Cidade Alta, primeiro na Rua Vigário Bartolomeu, e depois na Avenida Rio Branco.

Em Natal, sempre havia um circo na cidade, cujos palhaços e trapezistas davam uma volta, anunciando o espetáculo noturno e gritando: “O palhaço o que é?”. A garotada respondia: “É ladrão de mulher”. “Hoje tem marmelada?”. “Tem sim, senhor”.

Já se jogava ping-pong em Natal nos melhores clubes da época. O rádio era coisa nova, e televisão nem existia.

Nas antigas livrarias da Ribeira, os livros de Machado de Assis, Humberto de Campos, Euclides da Cunha, Dostoiévski eram os preferidos da pequena elite literária.

A moda que se iniciava entre os rapazes era tocar violino, flautas e clarinetes. As moças preferiam o piano.

Na Ribeira todos aguardavam ansiosos a chegada dos trens e, ocasionalmente, dos cargueiros que vinham descarregar e apanhar mercadorias no Porto.

O comércio da Ribeira atraía os fregueses da Capital e os que vinham do interior para as compras. Na Rua Frei Miguelinho, a firma Góes & Filho vendia ferragens para luz de acetileno (arandelas, zinco, cotovelos, torneiras e carbureto), ao lado de óleos, tintas e perfumarias.

Com a abertura do cinema Polytheama, inaugurado em 1911, novos hábitos começaram a surgir entre a população, que descobria uma moderna opção de lazer – o cinema mudo.

À noite, as famílias reuniam-se nas calçadas com os vizinhos e amigos para a prosa habitual, que se encerrava às vinte e uma horas. A partir desse horário, só os boêmios ficavam nos bares e casas de prostituição.

Na Ribeira, os palacetes lindos e imponentes, recuados e com estilo próprio, ladeavam a Praça Augusto Severo, de jardins amplos e bem cuidados, assim como o coreto, que a tudo assistia.

Assim diz a memória do tempo!


                                   CONVITE
A Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN -  convida Vossa Excelência para a palestra FORMAÇÃO JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESARIAIS, a ser proferida pelo Doutor Tomislav R. Femenick , no próximo dia 19/07 (sexta-feira) às 10h, no Auditório da Procuradoria Geral do Estado, situada à AV. Afonso Pena, 1155, Tirol, Natal-RN.
Sobre o palestrante  
Tomislav é escritor, jornalista,mestre em Economia, pela PUC/SP, com extensão em Sociologia e História; pós-graduado em Economia Aplicada para Executivos, pela FGV/SP e Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Cidade de São Paulo. É Professor universitário, Auditor, Consultor e Perito Contábil e Especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias. Membro da Academia Norte-rio-grandense de Ciências Contábeis e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
É autor, com cerca de 40 obras e seus livros são adotados por importantes universidades brasileiras
ALEJURN
Telefax (84)3232-2898 

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15/07/2013

JORNAL "HORA DO POV O" III




5. O Plano Revolucionário
Fechadas as portas à saída política, a solução revolucionária passa ao centro da cena. O plano que vai sendo arquitetado tem por objetivo  estratégico a obtenção do controle sobre 1ª Divisão de Infantaria, sediada na Vila Militar, para, com base nela, organizar uma coluna revolucionária que marchasse até o Catete e depusesse o governo.
Os revoltosos acreditavam que com apoio no 1º Regimento de Infantaria e em unidades situadas nas proximidades - Escola Militar de Realengo, Batalhão Ferroviário, Batalhão de Engenharia, Escola de Aviação - seria possível forçar o 2º Regimento de Infantaria e demais corpos da 1ª Divisão de Infantaria a se integrarem ao movimento.
Obtido esse resultado, o marechal Hermes, escoltado por um piquete do 15º Regimento de Cavalaria, assumiria o comando da coluna que iniciaria o seu deslocamento pelo eixo ferroviário da Central do Brasil. Na região do Méier, previa-se um confronto com as tropas da Marinha, do 1º Regimento de Cavalaria Divisionária, da 3ª Companhia de Metralhadoras Pesadas e do 3º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar.
A vanguarda revolucionária suportaria o choque, enquanto a retaguarda, tomando o rumo de Jacarepaguá, se deslocaria pela estrada do Pica-Pau, em direção à Tijuca, visando a Zona Sul, por onde avançaria sob a cobertura dos canhões do Forte Copacabana e da Fortaleza de Santa Cruz, também previamente sublevados, para alcançar o Palácio das Águias, bairro do Catete, sede do governo federal.
Hermes da Fonseca Filho, biógrafo do marechal, apresenta a seguinte avaliação:
"Esse plano não deixava de ser bem estruturado, pois enquanto o combate no Méier empolgasse as atenções do governo, levando-o a concentrar ali todos os reforços, o ataque revolucionário diversionista pelo lado Tijuca-Copacabana-Gávea desenvolver-se-ia a toque de caixa".
O plano previa também a sublevação da guarnição federal de Mato Grosso, chefiada por seu comandante, o general Clodoaldo da Fonseca.
6. O Fechamento do Clube Militar
Durante o mês de junho, a tensão política se eleva. O governador de Pernambuco protesta contra a intervenção de Epitácio Pessoa nas eleições daquele estado. O presidente alega inocência. O incidente, porém, desencadeia uma escalada que culmina no levante de 5 de Julho.
Uma concorrida Assembléia do Clube Militar, realizada no dia 28 de junho, aprova por aclamação o telegrama do marechal Hermes ao coronel Jaime Pessoa, comandante militar de Recife, recriminando a intervenção do Exército nos incidentes contra o governo estadual, provocados pelos Pessoa de Queirós, sobrinhos de Epitácio. Os jornais de Recife estampam o texto do documento. A violência em curso já havia provocado a morte do dentista Tomás Coelho, com um inconfundível tiro de fuzil mauser que convulsionara o estado.
Diz o telegrama:
"O Clube Militar está contristado pela situação angustiosa em que se encontra o Estado de Pernambuco, narrada por fontes insuspeitas que dão ao nosso glorioso Exército a odiosa posição de algoz do povo Pernambucano. Venho fraternalmente lembrar-vos que mediteis nos termos dos artigos 6º e 14º da Constituição, para isentardes o vosso nome e o da nobre classe à que pertencemos da maldição de nossos patrícios... Não esqueçais que as situações políticas passam e o Exército fica".
                Em sua resposta, o coronel Pessoa, também parente de Epitácio, comete a imprevidência de sublinhar que estava agindo por ordens superiores - "outro não é nem será meu intuito que obediência à lei e autoridades constituídas". A indiscrição expõe e deixa furioso o presidente da República.
No dia seguinte, o coronel é forçado a pedir demissão do comando da 6ª Região Militar. Epitácio incumbe também o ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, de interpelar o marechal Hermes sobre a autoria do telegrama que considera desrespeitoso à sua autoridade.
Em 1º de julho, o marechal e a diretoria do Clube Militar reafirmam sua responsabilidade sobre o telegrama. O governo anuncia, então, duas decisões explosivas. O fechamento do Clube Militar por seis meses, baseado na Lei Adolfo Gordo, que autorizava a interdição - a bem da moral pública - de casas de tavolagem e lenocínio, antros de vigaristas e rufiões, sociedades de cáftens e anarquistas. A outra seria uma medida disciplinar, sob a forma de repreensão, contra o marechal Hermes, que repele pronta e energicamente a punição dirigindo-se à Epitácio nos seguintes termos:
"Considerando que a minha alta patente e a condição de chefe do Exército nacional me conferem tacitamente o direito de aconselhar e encaminhar na senda honrosa, sempre trilhada pelas forças armadas, àqueles oficiais que porventura possam ser mal orientados... declaro à vossa excelência que não posso aceitar a injusta e ilegal pena que me foi imposta"..
            No dia 2 de julho, Hermes preside a tormentosa Assembléia do Clube Militar, na qual o tenente Gwyer lança a dramática advertência: "estamos às portas da revolução". Naquele momento, mais que desejo ou vaticínio, essa era a constatação de um fato.
7. Preparativos Finais
                Condenando o decreto de suspensão do Clube e a repreensão ao marechal Hermes, o Correio da Manhã publica um editorial incendiário, no dia 3 de julho, onde  afirma:
"Afinal o crime do marechal Hermes e do Clube Militar foi o de terem em documento público aconselhado o respeito a Constituição... Não é preciso mais nada para saber que entramos num estado revolucionário da pior espécie, aquele em que é o agente da ordem que o provoca e entretém. O fechamento do Clube Militar toma o caráter de uma medida em que só se vê o fel que amarga as resoluções de pura vingança"..
O ultraje aos militares e oposicionistas em geral não ficaria sem resposta.
No bairro do Leme, o general Joaquim Inácio em reunião com cem revolucionários, civis e militares de todas as armas, que vinham há meses preparando o levante, fixa o seu início para uma hora da madrugada do dia 5. 
Um dos presentes à reunião era o tenente Antônio de Siqueira Campos, brilhante oficial do Forte Copacabana. Nascido numa fazenda de café, em Rio Claro, interior de São Paulo, leitor assíduo de textos sobre a história do Brasil e                          a revolução mexicana de Villa e Zapata, ocorrida na década anterior, Siqueira, com 24 anos de idade, seria o protagonista da epopéia que o transformaria no grande baluarte do Movimento Tenentista.
Das seis fortalezas que guarnecem a baía da Guanabara, Copacabana (1ª Bateria Isolada de Artilharia de Costa) era a mais moderna. Com suas cúpulas protegendo gigantescos canhões de 305 milímetros, o Forte Copacabana era o que dispunha de maior poder de fogo. Sua guarnição estava sob o comando do capitão Euclides Hermes, filho do marechal Hermes.
Os revolucionários contavam também como certa a adesão da Fortaleza de Santa Cruz (2º Regimento de Artilharia). As demais - Vigia, Laje, São João e Pico - dependeriam da evolução dos fatos. Mas Copacabana e Santa Cruz, pela localização e potência de fogo, eram as principais unidades de artilharia da Capital da Federal.
A 3 de julho, o Forte acelera os preparativos para a revolução. A despensa é abastecida com víveres para um mês; barricadas com centenas de sacos de areia são erguidas em pontos estratégicos; a guarda é reforçada. Siqueira Campos minara diversas áreas do terreno, desde o portão da guarda até o farol. Concentra-se, agora, em recuperar o holofote da unidade.