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30/03/2022

 





INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
DO RIO GRANDE DO NORTE

    Tenho a honra e a satisfação de registrar a magnífica solenidade ontem realizada na sede da OAB/RN, comemorativa dos 120 do IHGRN, a posse da nova Diretoria e dos novos sócios efetivos e "honoris causa", estes entregues às personalidades da Governadora Fátima Bezerra e Prefeito Álvaro Dias.
    Presença de muitas autoridades e de público que lotou o auditório onde a solenidade aconteceu.
    Agora, começamos uma nova história, sob o comando da Primeira mulher que preside a Casa da Cultura, advogada JOVENTINA SIMÕES DE OLIVEIRA.
    Parabenizo a organização, os discursos bem desenvolvidos, com especial destaque para a despedida de ORMUZ BARBALHO SIMONETTI e da empossada.
    Considerando a modernização da vetusta Entidade, entendo que não faz mais sentido a continuidade deste BLOG, que já registra um número considerável de acesso, ou seja: 332.106.
    Agradeço a todos aqueles que foram leitores deste meio de informação e os remeto a seguir o próprio site do Instituto.
Um grande abraço deste amigo que conduziu o Blog do IHGRN por muitos anos. 

24/03/2022

 

O PARAÍSO PERDIDO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Aprendi nos compêndios de geografia no Colégio Marista que “o Brasil é um país essencialmente agrícola”. Essa teoria mudou radicalmente nesses últimos 60 anos. Principalmente no Nordeste, grande produtor de cana de açúcar, banana, algodão, milho, feijão, mandioca, etc. Particularizando o Rio Grande do Norte, podemos dizer, sem medo de errar, que o produtor rural está falido.

Quem faliu a atividade agrícola? Ora, o Governo Federal, através dos seus próprios instrumentos: o Ministério da Agricultura, os juros bancários e o calote das usinas de açúcar aos produtores de cana.

O produtor rural é hoje um refém permanente dos bancos oficiais. Além das dívidas padecem as dúvidas do tempo, da ausência de uma política agrícola definida que objetive a produtividade. Quem cair na arapuca do empréstimo agrícola em banco do governo se arrisca a perder a propriedade. Nesses tempos alternativos, para sair do buraco, ou o proprietário rural faz acordo com os sem terra para invadirem sua propriedade, ou, quem tem nome/sobrenome arranja um gancho de um financiamento a fundo perdido, tipo “reflorestamento”, que já salvou, pelo “ladrão”, muita gente boa. O mais, ser produtor rural é padecer num paraíso perdido.

E a SUDENE? Pergunta um idiota chapado. Evadiu-se nas vagas vazias e vadias da incredibilidade, da inconsequência e da incompetência. Morreu de inanição sem se aperceber que a próxima crise mundial será a da escassez de alimento. No Rio Grande do Norte, se não fosse o programa do leite todos os produtores rurais, sem exceção, já teriam se enforcado. Desde o Governo Sarney, quando foi extinto o subsídio agrícola a atividade rural nesse país entrou em colapso. Na ANORC (Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores) ou fora dela, a maioria dos agropecuaristas está vendendo o rebanho para pagar o banco. Para se viver honestamente, tirar da terra o sustento, acreditar que somos essencialmente um país agrícola, sem bandalheira, sem maracutaía, sem empréstimos dadivosos a fundo perdido com o dinheiro do contribuinte, o que fazer? Só há dinheiro para a atividade industrial urbana, fábricas, pólo-gás-sal, etc., e o campo vai se esvaziando, se erodindo...

Dir-se-á que o país todo se urbaniza e as propriedades rurais vão ficar mesmo para os sem-terras que irão se decepcionar e constatar que o trabalho agrícola é mesmo uma atividade marginal nesse país. Aí virá o Evangelho e Cristo dirá novamente: “Naquele tempo...”. O Nordeste será a Galiléia.

 

(*) Escritor.

 

10/03/2022

 

RELEMBRANDO TICIANO DUARTE

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Certos homens adquirem uma visibilidade tão marcante em seu campo de atuação que se tornam imprescindíveis aos seus contemporâneos, na medida em que suas opiniões e convicções passam a determinar modos de ver e de interpretar os acontecimentos da vida social. É que aos olhos deles nada daquilo que importa passa ao largo.

Assim vejo e identifico o meu primo-irmão Ticiano Duarte. Desde a antiga Rua 13 de Maio, depois Princesa Isabel, quando o conheci efetivamente e melhor, lá pelos idos de 1950. De 1954, em diante, fui revê-lo na Rua Voluntários da Pátria, no 722, Cidade Alta, telefone 2901. Ele era já expressão do “bate-papo” no Grande Ponto, seu fiel ancoradouro, onde se tornara notário público e destemido navegante das ruas e avenidas da política potiguar. Bacharel em Direito da Faculdade de Maceió, tornou-se decano do jornalismo da imprensa potiguar, atividade da qual desfrutou de ilibada notoriedade por sua isenção e imparcialidade nos juízos dos acontecimentos da política. Seumemorialismo ganhava ritmo de crônica e embasamento de historiador. Em seus escritos é possível intuir aquele saber de experiências, traço que distingue o verdadeiro homem de visão de um mero prestidigitador de quimeras.

Foi presença fecunda na imprensa norte-rio-grandense. A colaboração de Ticiano Duarte para a Tribuna do Norte rendeu, numa primeira seleção, o livro “Anotações do meu caderno” (Z Comunicação/Sebo Vermelho, 2000), reunindo os principais fatos políticos dos últimos 70 anos do século passado no Rio Grande do Norte. A precisão das análises, a escolha dos protagonistas, a evolução dos acontecimentos e o retrospecto dos episódios que marcaram profundamente as vicissitudes da política potiguar encontraram ali o seu cronista mais atento e informado, imparcial e verdadeiro. Nesse livro, objetivamente intitulado “No chão dos perrés e pelabuchos”, avultam as mesmas qualidades que consagraram “Anotações do meu caderno”, com a única diferença de que agora ele se deteve com mais vagar na descrição de perfis e na análise comparativa dos fatos, mesmo separados por décadas. Vultos inesquecíveis da vida pública estadual, como Djalma Maranhão, Georgino Avelino, Café Filho, Aluízio Alves, Odilon Ribeiro Coutinho (“mistura de tabajara e potiguar”), Tales Ramalho (“paraibano por acidente, norte-rio-grandense pelas grandes ligações familiares, e pernambucano por adoção”) são algumas das estrelas de primeira grandeza dessa constelação de escol. Cronista, para quem a política não pode se dissociar da ética, sob pena de naufragar nos desmandos de governantes e correligionários, Ticiano fez o elogio dos políticos exemplares perfilando a figura de Café Filho porque, justifica, “o povo espera dos homens públicos exemplos. E alguém disse, com muita propriedade, que o importante não é só pregar moral apenas para os outros, censurando nos outros o que silencia entre amigos e parceiros”. Ao fazer o elogio da lealdade e da coerência, ele retirou do limbo o nome de Walfredo Gurgel, ressaltando que “o seu governo foi um exemplo de seriedade no trato e na gestão da coisa pública. Todo o Rio Grande do Norte sabe desta grande verdade, mesmo seus adversários não podem omiti-la, por mais que o tenham combatido no campo das ideias e das diferenças partidárias”.

Em “No chão dos perrés e pelabuchos” ainda é possível encontrar silhuetas de políticos esquecidos pela História, mas preservados, por exemplo, numa Acta Diurna de Luís da Câmara Cascudo, como Hermógenes José Barbosa Tinoco, deputado do Partido Liberal que a voragem do tempo soterrou; os entreveros entre pelabuchos e perrés que incendiaram o paiol das agremiações políticas dos anos 1930, que não escaparam à argúcia focada por Ticiano sobre os atores da nossa história.

Ele propõe e reforça as teses daqueles que defendem a necessidade de uma urgente reforma política a fim de repor o país nos trilhos da ética e inaugurar uma nova era na vida política brasileira. O seu olhar espelha nesse livro o brilho e a lucidez dos seus brancos cabelos, como testemunhos da vida e do mundo.

(*) Escritor

 

 


 

WALTER, SOUTINHO E O CAMINHAR DA VIDA

Tomislav R. Femenick – Jornalista

 

No longínquo ano de 1955, eu e o meu amigo Walter Gomes inventamos de abrir uma agência de publicidade em Mossoró. Ambos trabalhávamos no jornal O Mossoroense, dirigido pelo “velho” Lauro da Escossia e seu filho Lauro Filho. Eu, como repórter, e ele, com uma coluna diária que misturava tudo: crônica social, política, negócios etc. Só não falava de casos policiais. Dizia que dava azar. Então resolvemos encontrar um meio de ganhar alguns trocados a mais, publicando cadernos especiais. Dessa ideia saíram edições sobre indústria, comércio, agricultura e administração pública.

Nos reuníamos nas mesas do Bar Suez, da ACDP e, vez ou outra, nos cabarés Brahma e Copacabana. As ideias que ali nasciam precisavam ser aprovadas por Lauro Filho, que geralmente aceitava nossas sugestões. Só me lembro de um veto: um lançamento que propusemos de um caderno sobre a vida alegre no Alto Louvor, o bairro do alto meretrício. Além de escrever os textos, nós tínhamos que conseguir os anúncios. Aí é que nós ganhávamos uma comissão, sobre o faturamento dos anúncios.

            Um ano depois, nós, eu e Walter Gomes, resolvemos institucionalizar o negócio e criamos a Propag; se não a primeira, seguramente a segunda empresa de publicidade do Estado, com registro na Junta Comercial, endereço, instalações, telefone (na época um artigo de luxo), secretária e outras coisas mais. O problema era que não tínhamos dinheiro para isso tudo. Fomos para o Bar Suez para ruminar a solução. De repente, junta-se a nós um cidadão de quem não me lembro o nome, e resolveu a questão, dizendo: “homem de dinheiro em Mossoró é Soutinho”. Não dissemos nada, mas ficamos olhando um para o outro. Logo fomos, ligeirinhos, falar com Francisco Ferreira Souto Filho, com quem tínhamos amizade. Expusemos a nossa necessidade de grana para fundar a empresa e, por isso, queríamos um financiamento do Banco de Mossoró, então controlado por ele. “E se a empresa quebrar?” – Perguntou-nos. Então viramos sócios; Eu, Walter Gomes e Soutiho. A Propag viveu até eu fazer concurso e passar para assumir o cargo de escriturário no Banco do Nordeste.        

Mas a vida dá muitas voltas. Walter foi para o Rio de Janeiro, voltou para Natal e depois se instalou em Brasília, sempre perseguindo as notícias e suas fontes. Eu pedi demissão do BNB, entrei em outros negócios e, depois, deixei minha terra natal e fui para São Paulo, afastei-me do jornalismo e entrei de cabeça no mundo dos altos negócios, via auditoria contábil, econômica e administrativa. Uma vez recebi sua visita em meu escritório na Av. Paulista e ele foi jantar na minha casa. Quando eu ia à Brasília, também o visitava. Quanto a Soutinho a distância nos unia. Ele e Edith eram padrinhos de batismo da minha filha. Sempre que ia a Mossoró, visitava-o em sua casa, onde uma vez, se me recordo bem, provei um impensável soverte de pitomba.  

Porém, nada é mais inexorável do que o caminhar da vida em direção à morte. Tudo o que é vivo anda nessa direção. Desde os gigantes baobás africanos e nordestinos, até os diminutos vírus. Um dia todos desaparecerão.

Em poucos dias foram-se desta existência Walter, o buscador de fatos e notícias desta “República Surrealista” do Brasil, e Soutinho, o realizador e desbravador das lides salineiras. Um perseguia os homens que fazem as leis, que as executam e, também, que impõem o seu cumprimento. O outro buscava fazer com que o sal se transformasse em uma riqueza da nossa terra, fazer com que o nosso se transformasse no sal da nossa vida.

O que nos entristece, mais ainda, é viver em uma época de tantos homens sem serventia e ver que, logo eles, homens de valor exemplar, tenham nos deixado.

 

Tribuna do Norte. Natal, 10 mar. 2022.

03/03/2022


MACAÍBA DE ANTIGAS CANÇÕES E VELHOS FOLIÕES



Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

 

 

Nestor Lima era um macaibense da gema que foi “cônsul honorário” do município de Parnamirim. Era a quem recorria quando consultava a bússola do tempo, da tradição, das vertentes e das nascentes de nossa Macaíba. Revisito Nestor Lima para, através dele, penetrar na máquina de sua memória. A nossa cidade, nas artes, conheceu o clássico e o popular. Macaíba foi cidade aristocrática nos anos 20, 30, das bandas de músicas José da Penha e a do Grêmio, pontificados nas figuras dos chefes políticos Neco Freire e Major Andrade. A fina flor da sociedade exercitava a música, o teatro e o canto, o que conferia a Macaíba a fama de cidade cultural. Vicente Andrade no trompete, violino e piano; Orlando Ubirajara e Rosalvo ao violino e piano; Euclides Ribeiro, saxofonista; Abílio Monteiro, trombonista; João Leiros no contrabaixo; Luiz Marinho de Carvalho, grande trompetista e pianista; João Lins e Luiz Martins, violonistas inexcedíveis; Valdemar Barros, virtuoso pianista Era a época, onde em cada rua do centro da cidade, existiam um ou dois pianos. 

 

Nos dias de hoje, não existem um sequer. Nos anos 40 e 50, se destacaram em todo o município os famosos conjuntos regionais que interpretavam a música popular brasileira. Celebrizaram-se Nestor Lima, Cornélio Mangabeira, José Alves, José Cabral, Luiz Marinho, Manoel Domingos, Chicozinho, Carlito, Nizário Máximo, José Leiros, Sebastião Melo, Airton Feitoza. Todos formavam uma escola de batutas que hoje não se vê mais. Como também jamais se reeditarão os conjuntos teatrais que tanto sucesso fizeram em Natal, começando pela figura maior de Joca Leiros, seus filhos Zé Leiros, Wilson, Nozinha, Luiz Marinho e os filhos Gutemberg e Aidée, Antônio Coelho, Alice Lima, Hiran e Célia Lima, José Muniz, e Aguinaldo Ferreira. E para fechar o leque cultural, uma plêiade de cantores que enchiam de canto e encanto as noites macaibenses, do quilate de Salvador Galvão, Joanete Ribeiro, Edson Silva, Dorothy Moura, Aliete Muniz, Luiz Vieira, Cecília Marinho e Laíde Máximo. 

 

Mas o carnaval macaibense nos anos prefalados, era o desaguadouro natural dos afluentes culturais da época. Não se pode esquecer os clubes de cordão: "Os Remadores", os "Vassourinhas", o “Coco-Zambê” do caboclo velho e as madrugadeiras "Maxixeiras", anunciadoras primeiras do carnaval, comandadas por Lula Ramos. Dos blocos, o Zé Ludovico que caminhava à frente pelas ruas, nos seus 1,80 de altura impertigável, imperturbável e inabordável, apesar de toda a folia ao redor. O de Pedro Pixilinga, que anos passados resistiu, no mesmo passo e compasso como há 40 anos atrás, a Escola de Samba de Zé de Papo, sambista incorrigível. As tribos de índios, bagunças, troças, tudo faz sentido hoje relembrar, abrindo alas para todos passarem na sempre comovida recomposição de um tempo que nunca mais se repetirá.

 

(*) Escritor

 

28/02/2022

 

A terceira via
​Quando fui fazer doutorado (PhD) no Reino Unido, em 2008, o jusfilósofo Ronald Dworkin (1931-2013) andava por lá. Era professor no University College London – UCL. Era muito badalado. Recordo-me de haver ido xeretar uma de suas palestras. Ele faleceu na amada Londres, de complicações de uma leucemia, não muito tempo depois. Uma pena.
​Dworkin nasceu em Worcester, Massachusetts, nos EUA. Estudou nas universidades de Harvard (bacharelado e doutorado) e de Oxford. Coisa de primeira qualidade. Foi assessor no Judiciário americano. Advogou em Nova York. Foi professor na Yale University. Sucedeu a H. L. A. Hart (1907-1992) na cátedra de filosofia do direito da Oxford University. Pontificou lá por 30 anos. Foi finalmente professor na New York University e no University College London, além de ter dado cursos em outras universidades mundo afora.
​Filósofo, jurista e constitucionalista, Dworkin foi muito atuante no debate público no mundo anglo-saxão, em jornais e em publicações especializadas. Mas Dworkin é sobretudo o autor de alguns clássicos da ciência do direito. “Taking Rights Seriously” (1977), “A Matter of Principle” (1985), “Law’s Empire” (1986), “Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality” (2000) e “Justice for Hedgehogs” (2011) são os mais célebres. É fácil encontrá-los, com os títulos “Levando os direitos a sério”, “Uma questão de princípio”, “O império do direito”, “A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade” e “A raposa e o porco-espinho: justiça e valor”, em edições honestas da Martins Fontes.
​A obra de Dworkin é variada. É até difícil de compreendê-la e, muito mais, de resumi-la. Mas podemos apontar dois núcleos.
​O primeiro está na sua defesa de uma justiça distributiva, materialmente igualitária, desenvolvendo um veio que vinha de Aristóteles (384-322 a.C.) e chegava no seu conterrâneo John Rawls (1921-2002). Vai longe Dworkin nessa busca de uma igualdade material. De fato, o princípio da igualdade perante a lei, como um dogma político e jurídico, é ouro. Mas ele não pode ficar apenas no plano normativo. Tem seu lugar, talvez o de maior destaque, na solução materialmente igualitária de casos concretos na vida em sociedade.
​E assim chegamos ao segundo aspecto da filosofia de Dworkin. Um jusnaturalismo moderado. Ou, como li em “Little Book of Big Ideas – Law” (A & C Black Publishers Ltd., 2009), de Robert Hockett, “uma terceira via”, entre as visões positivistas e jusnaturalistas.
​Metodologicamente, Dworkin trabalha sua teoria do direito “como uma teoria acerca de como os juízes decidem os casos concretos”. Para decidir, os juízes devem considerar o que está na lei e nos precedentes judiciais. Parece óbvio e assim o diz Dwokin em “Levando os direitos a sério” (Martins Fontes, 2002): “as teorias da decisão judicial tornaram-se mais sofisticadas, mas as mais conhecidas ainda colocam o julgamento à sombra da legislação. Os contornos principais dessa história são familiares. Os juízes devem aplicar o direito criado por outras instituições; não devem criar um novo direito”. E aqui temos uma visão positivista do direito.
​Se o dito acima é o ideal, ele nem sempre é possível. Dworkin afirma que as regras do direito “são quase sempre vagas e devem ser interpretadas antes de se poder aplicá-las aos novos casos. Além disso, alguns desses casos colocam problemas tão novos que não podem ser decididos nem mesmo se ampliarmos ou reinterpretarmos as regras existentes. Portanto, os juízes devem, às vezes, criar um novo direito, seja essa criação dissimulada ou explícita”. Dwokin fala em buscar a “melhor interpretação moral”, o “melhor para a comunidade” e, ao fazê-lo, os juízes devem agir estabelecendo normas que, “em sua opinião, os legisladores promulgariam caso se vissem diante do problema”. E aí está o seu viés jusnaturalista.
​Todavia, para Dwokin (e temos o semipositivista), “é muito comum que o legislador se preocupe apenas com questões fundamentais de moralidade ou de política fundamental ao decidir como vai votar alguma questão específica. Ele não precisa mostrar que seu voto é coerente com os votos de seus colegas do poder legislativo, ou com os de legislaturas passadas”. Um juiz não deve mostrar esse tipo de independência total. Ele deve associar sua decisão às decisões que outros juízes tomaram no passado. A força da sua decisão deve estar baseada não só na sua “sabedoria”, mas, também, na “equidade” de tratar casos semelhantes do mesmo modo.
​E, dito tudo isso, temos um Dworkin tanto terceira via como igualitário. Grande nome.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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24/02/2022


 JOSÉ VASCONCELOS DA ROCHA

 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (Conselheiro do América F.C.)

José Vasconcelos da Rocha foi uma criatura com uma história singular. Natural de Guarabira-PB, nascido a 23 de dezembro de 1935, filho de Adauto Ferreira da Rocha e de Marluce de Vasconcelos da Rocha, buscou vencer na vida por vários caminhos, a política onde foi Deputado Estadual (PTN), eleito no período de 1959 a 1967, onde alcançou a condição de Presidente da Assembleia e  2º Vice Presidente. Fez parte do grupo de deputados que criou a “Assembleia do Museu”, quando da dissidência dos correligionários de Dinarte Mariz contra o Governo Aluízio Alves. Foi vice-prefeito de Goianinha, de 1958/1959.

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Alagoas, tendo colado grau em 2 de dezembro de 1963, tornou-se advogado militante e depois Ingressou no cargo de Juiz do trabalho de 2ª Instância, ocupante de vaga destinada a representante da OAB/RNN, nomeado através do decreto Presidencial de 14 de novembro de 1991, tomando posse em 15 de junho de 1992, sendo eleito o 1º Presidente do Tribunal Regional do Trabalho – TRT da 21ª Região.

Em sua vida encontrou algumas pedras no caminho, a teor da época do movimento militar que derrubou o Presidente João Goulart em 1964, quando, por força de um discurso em defesa da manutenção do governante constitucional logrou a indignação de alguns militares e foi procurado para prestar justificativas, quando então foi obrigado a fugir de um cerco à sua casa, fugindo para sua terra natal, acompanhado do advogado Hélio Vasconcelos e dos acadêmicos de direito Danilo Bessa e Berenice Freitas.

Retorna a Natal, mas antes fez contatos importantes com figuras proeminentes do Estado, como Dinarte Mariz, Odilon Ribeiro Coutinho e com militares conhecidos - general Omar Emir Chaves, o coronel Mendonça Lima, foi até ao IV Exército, em Recife. Lá, conhecia o coronel Valmir Alves da Nóbrega, que o informou “aqui não há nada contra você”. Com Odilon contatou com o general Terra Ururahí, e tudo terminou bem.

Aposentado como desembargador federal, retornou à advocacia e passou a atuar com grande fervor ao esporte, mais exatamente ao seu América Futebol Clube, de onde foi Presidente e Presidente do Conselho Deliberativo até os dias presentes. Ergueu o a Arena América, que recebeu o seu nome, repetindo sua ação de construção, como o fez com a sede da Justiça Trabalhista em Natal, quando integrante daquela Corte.

Com ele, eu tive convivência no América e retornei aos quadros de sócio, apagando uma grande deselegância contra mim praticada e que me levou a abandonar o clube. Na nova fase fui convidado para minutar um projeto de novo Estatuto do Clube, aprovado por uma Comissão e depois aprovado pelo Conselho Deliberativo, com emendas oferecidas por outros associados.

Soube do seu problema de saúde e falecimento hoje, pelo meu filho Rocco José, em seguida confirmado pelo Conselheiro do América Odúlio Botelho, posto que ando um tanto desligado do noticiário, uma vez que estou dividindo a minha residência entre Natal e Cotovelo.

Fiquei muito abalado e, de imediato, no calor da emoção, resolvi fazer esta homenagem ao companheiro americano e amigo Zé Rocha. Deus o receba em sua Casa Celestial.

Olhe, lá estará lhe esperando outro americano, meu pai José Gomes da Costa (Zé Gomes), que foi quem adquiriu o terreno onde hoje está plantada a sede do América.

23/02/2022

 

ORIANO: ÚLTIMA ESTROFE

 


Valério Mesquita(**)

mesquita.valerio@gmail.com

 

Direi pouco sobre Oriano de Almeida. Outros falarão melhor porque conviveram de perto com o seu talento e a sua vida. Cláudio Galvão, Diógenes da Cunha Lima, por exemplo, Maria Luiza Dantas, Sanderson Negreiros, Enélio Lima Petrovich (que inaugurou o Memorial Oriano Almeida no anexo do IHGRN em 2001), se já não dissertaram, o farão, com certeza, com brilho e propriedade. Resolvi pronunciar-me porque gosto de pontuar atitudes e assumir gestos quando vejo algo que me desagrada. Fui à Academia de Letras me despedir do seu corpo, na sua tarde derradeira e melancólica. Não apenas movido pelo dever de colega acadêmico ou por solidariedade cristã, mas porque efetivamente ele foi um compositor e intérprete maravilhoso para a honra e orgulho do Rio Grande do Norte, cujo povo não “está nem aí”. No recinto, durante os discursos de despedida, pouquíssimos presentes.

Aí começou a nascer em mim a necessidade de protestar, de me indignar, de não me calar. Comentei com Genibaldo Barros, Armando Negreiros e Ernani Rosado que ali estavam: é o menor público da vida de Oriano, quando deveria ser o maior. Ele que havia conquistado as plateias milionárias, exigentes e refinadas do mundo inteiro não conseguia reunir para o último adeus a intelectualidade de sua terra. Quanta ironia, quanto paradoxo a vida nos ensina. O maior intérprete do mundo da obra de Chopin, que encantou os palcos da arte musical, gênio da música, compositor, ocupante da cadeira nº 13 que pertenceu a Câmara Cascudo, estava finalmente esquecido. Havia atingido a “verdadeira imortalidade”. Já escrevi que Natal sofre de ataraxia, indiferença. É pobre de sentimentos. 

Chegou um momento, no velório, que Diógenes preocupou-se com os circunstantes para conduzir o esquife do salão ao veículo funerário. A maioria era mulheres entre reduzido grupo de sexagenários em débito com o teste ergométrico. Afirmo, sem qualquer preconceito, que talvez tenha faltado a Oriano a passagem por uma banda de forró. Resta a esperança de que o nome, a importância do que fez como musicista, intérprete, compositor e escritor não desapareça. Não tenho dúvidas de que Oriano Almeida é maior do que os ausentes. A sua obra tem abrangência nacional e internacional. Simples, não buscava os refletores da fama. Ela vinha até ele. Nem o elogio fácil.

Já disse que na vida quando se passa dos 60 ou 70 anos, torna-se estatística. Diferente dos países mais civilizados. E Oriano se foi com 83. Fica para os pesquisadores, memorialistas e estudiosos da música e da obra que ele nos lega, a tarefa permanente de afirmar que Oriano Almeida vive. Na frase, que não é minha e nem sei de quem, mas que eu gosto de lembrar: “Não se acaba o homem. Constrói-se a cada dia sua performance”.

 

(*) Artigo publicado no livro “Inquietudes”

(**) Escritor

 


13/02/2022

 



Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-06

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

UM DOMINGO DE PAZ E SOL

        Depois de uma sexta-feira diferenciada, que trovejou e alagou o primeiro andar da minha casa, com uma chuva diferente, o que nunca havia acontecido desde que a construí, Cotovelo (há mais de 30 anos), tudo volta à sua normalidade, permitindo retomada das atividades quase 100%, embora registrando alguns pequenos danos em ruas sem calçamento, um início de incêndio numa mercearia em frente ao Posto de Gasolina que, segundo comentam, teria sido o resultado de um raio.

        No sábado fui ao vale do Pium (já no território de Nísia Floresta), com Carlinhos para abastecimento da casa com frutas e legumes – tudo legal.

        Eis que chega o domingo e com ele a Paz e a claridade do Deus Sol, em toda a sua exuberância. Levantei-me cedo e deixei Carlos Neto hibernando no ar condicionado.

        Na varanda da casa tive a oportunidade de assistir a Missa na Igreja de Santa Luzia, celebrada pelo Padre Sidney, transmitida pela rádio web Mar e Campo, do nosso estimado amigo Octávio Lamartine. Em seguida, ainda emocionado com as mensagens recebidas fiz minhas comunicações, por celular, com o filho e filhas que momentaneamente não estão nesta querida praia, e o fiz com muita emoção, porque a religião nos oferece milagres espirituais.

        Um café farto feito por Carlinhos e Valéria, sem faltarem as costumeiras vitaminas de mamão com abacate, leite vegetal e fibras, depois um cafezinho feito na hora com fruta-pão e com o olhar pidão de Luma (nossa bulldog francês).

        Dando continuidade às minhas meditações, vislumbrei a minha mesa santuário, com os Santos da devoção da minha sempre saudosa Therezinha, cujo retrato ornamenta esse recanto sagrado, que tem em destaque uma pintura de Jesus orando e outra do Padre Pio e, em minha cadeira de balanço herdada da saudosa companheira, dei uma vista ao pequeno jardim e logo me deparo com o fiel beija-flor, cuja descendência há mais de 30 anos faz parte da geografia emocional do lugar e as cadeiras desarrumadamente dispostas, juntamente com as redes enroladas nos armadores, algumas bolas dispersas pelo chão e o sentir da brisa que nos premia neste recanto da casa. Em seguida fui beijar o mar, que estava com sargaço – coisas da fase da lua.

        Lembrei-me, então, daquela conhecida música – “Minha casa é tão bonita, que dá gosto a gente ver, tem varanda, tem jardim... minha casa que tem tudo, tanta coisa de valor, minha casa não tem nada [vivo só sem meu amor]”. Fiz adaptações à letra original de Minha Casa, de Joubert de Carvalho.

        Mas, domingo é dia de alegria – VIVA A VIDA.

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08/02/2022

 


 

Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-05

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

REVISITANDO A CASA DE PEDRA DE PIUM

        Neste último sábado resolvi revisitar a Casa de Pedra de Pium, equipamento histórico que tantas vezes mereceu crônicas e entrevistas minhas ao longo dos últimos anos.

     Minha primeira decepção foi constatar que, apesar dos apelos e até da celebração de uma missa no final do ano passado diretamente daquelas ruínas históricas, com a presença do arcebispo Don Jaime, o acesso piorou muito, agora mais do que nunca o pequeno trecho não passa de um caminho de animais, com a pior qualidade que se possa pensar, sem nenhuma possibilidade de manobra quando alguém se arrisca a ter acesso por veículo com alguma calibragem, pois será dificílimo algum dos veículos recuar.

     Essa agora “aventura” que fiz, com familiares, permitiu que reexaminasse o sítio histórico e agora fizesse algumas retificações: primeiro, houve plantação de árvores frondosas que retiraram a visão que existia para o mar, como anteriormente anunciei, qual seja, a visão da costa desde o contorno de Pirangi para Cotovelo quanto desta praia para o contorno de Ponta Negra, tirando o sentimento de que aquela construção secular daria uma visão da enseada capaz de avistar qualquer possível inimigo; segundo, em meu sentir, houve o agravamento da movimentação de algumas pedras que fazem parte daquele complexo; houve o aterramento, na marra, da passagem de fios de nascentes de água de um lado para o outro da estrada de acesso – essa que considero própria para animais.

      O lado positivo é que o vale está preservado com criação de gado, coqueirais, plantações de verduras, frutas e hortaliças, ainda longe do agrotóxico.

       Existem resquícios de algumas construções não concluídas de possíveis espigões ou condomínios fechados, ou mesmo mansões inadequadas para a paisagem bucólica a ser preservada, estes/estas depredados, já sem telhados, portas e janelas, enfim abandonados.

       Desconheço qualquer intervenção da Prefeitura de Nísia Floresta no sentido de regulamentação do uso do solo naquela localidade.

        Assim, convoco os interessados para resolvermos essa pendenga, entrando em contato com os possíveis proprietários (família Galvão) e depois com a Fundação José Augusto e com a Prefeitura de Nísia Floresta, aproveitando o momento político de breves eleições, sempre no intuito único de preservação da história.


 

Qual a finalidade?
O grande penalista Basileu Garcia (1905-1986), em suas “Instituições de Direito Penal” (vol. I, tomo I, editora Saraiva, 2010), certa vez anotou: “Castigar ou punir, expiar, eliminar, intimidar, educar, corrigir ou regenerar, readaptar, proteger ou defender – eis verdadeiros verbos que, na diversidade das opiniões, indicam as finalidades possíveis do Direito Penal e, através destas, as raízes da sua existência. Para precisar essas finalidades, elaboram-se doutrinas, reunindo maior ou menor número de adeptos. E algumas tiveram irradiação tão ampla, que passaram a constituir escolas, as quais intentaram delimitar-se pela fixação de toda uma série de ideias centrais sobre as mais graves questões da nossa matéria”.
Mas qual é mesmo a finalidade do direito penal?
Especificamente, qual é a finalidade da pena ou sanção, já que a ratio do direito penal gira muito em torno desta, que é a resposta do Estado na sua labuta contra a criminalidade?
A pena já foi “encarada” de diversas maneiras, é claro. Basicamente, há os absolutistas (“pune-se porque pecou”, segundo Basileu Garcia), os utilitaristas (“pune-se para que não peque”) e os adeptos de uma teoria mista (“pune-se porque pecou e para que não peque”). E aqui já me afasto de gente como Claus Roxin (1931-), que sugere “excluir” a retribuição da teoria penal contemporânea em prol de uma quase exclusividade da prevenção/ressocialização como finalidade da pena. Embora eu também registre aqui que sou fã, em grande medida, de Roxin e do seu princípio da insignificância ou bagatela.
Pondo de lado considerações pouco ortodoxas, quase nada jurídicas, do tipo “bandido bom é bandido morto” (e aqui a finalidade do direito penal seria apenas “apagar um CPF”, como se diz estupidamente por aí), acredito que podemos sistematizar as finalidades da pena, sem as complicações artificialmente criadas pelos juristas, em quatro grandes eixos.
Para tanto, farei primeiramente uso do direito italiano, como homenagem ao país que nos deu as duas primeiras grandes escolas do direito penal, a clássica e a positiva. Segundo registra a “Enciclopedia del Diritto” (Editora De Agostini, 1994), à luz do Código Penal Italiano, a pena tem múltiplas finalidades, das quais as principais são: “(a) preventiva [geral]: visa prevenir o cometimento de crimes, visto que a previsão da sanção criminal representa um contraestímulo ao crime; a pena, portanto, tem uma função dissuasora, pois o potencial delinquente sabe que, se você cometer um determinado crime, corre o risco de uma determinada punição; (b) punitiva: a punição tem a função de punir o autor do crime; a este respeito, se fala de uma função retributiva, visto que constitui uma contraprestação pelo crime cometido, e é de fato proporcional à sua gravidade; (c) reeducativa ou ressocializante: a pena visa reeducar o autor do crime e favorecer sua reinserção social; para este fim, muitos institutos operam como semidetenção, liberdade condicional para serviço social, trabalho dentro da prisão etc”.
Faço apenas mais algumas considerações. A primeira é que devemos acrescentar, à finalidade preventiva geral, que é dissuasora para todos os potenciais delinquentes (assim pedagógica para todos), uma (d) finalidade preventiva especial, para aquele que cometeu o crime específico, que, além de supostamente dissuadido de cometer novos crimes (afinal, foi razoavelmente penalizado quando o cometeu), estará impedido de cometer esses crimes, uma vez que estará detido e afastado da sociedade (partindo aqui do pressuposto de que lhe foi aplicada uma pena ou medida privativa de liberdade).
A segunda consideração é que minha sistematização está de acordo com o nosso direito criminal. Afinal, determina o Código Penal brasileiro, no seu art. 59, in fine, que o juiz aplicará a pena “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. E a Lei de Execuções Penais, logo no art. 1º, complementa dizendo que a execução penal “tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Bom, nada melhor do que seguir a lei para não sofrermos uma sanção ou pena.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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