01/12/2019


DE REPENTE, O VERÃO

Valério Mesquita*

Lendo Chico Xavier, que orava a Deus para não perder o romantismo, mesmo sabendo que as rosas não falam, refleti sobre o verão que está chegando e trazendo com ele os cajus, as acácias e os pau-d’arcos amarelos. Lembrei-me também de rever as crônicas sobre o tema escritas com brilho superior por Newton Navarro, Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Diógenes da Cunha Lima, Luís Carlos Guimarães e Vicente Serejo. Todos, poetas e românticos que ao longo de suas vidas entenderam que a grandeza não consiste em receber elogios, mas em merecê-los por escreverem tão maravilhosamente.
A minha crônica não tem a beleza inaugural de uma manhã de ressurreição, da oração de uma criança, de uma prece de D. Heitor, de uma tarde contemplativa de uma janelinha aberta sobre a imensidão dos campos ou de uma doce e suave madrugada, deusa de todos os poetas. Ela tem o toque metálico do clarim do sentinela; o aviso do anunciante das manhãs e das noites e seus mistérios; do bom dia, boa noite, do guarda noturno e diurno das praças e jardins de Natal; do sinal digitado do faroleiro pastorador de estrelas e de mares; tudo para saudar o advento das acácias, dos cajus, dos pau-d’arcos e de que Natal se cobrirá de amarelo.
A política passou e os seus gladiadores. Vamos remover os horríveis outdoors, fotos e fatos que mancharam a cidade. Recolham-se as bandeiras da guerra aos seus quartéis ou que sirvam de lençóis aos descamisados. É preciso despoluir visualmente Natal para a chegada triunfal dos cajus, das acácias e das flores dos pau-d’arcos.
Que os homens se desarmem de suas propostas solertes e ganhem as praias, levem os cajus e se bastem com o calor da estação e contemplem o mar aceso em lua do poeta Gilberto Avelino, para que possa entender os pontos cardeais da vida. O verão está chegando e janeiro é tempo de sepultar as beligerâncias, as agitações da alma e do coração, como se o ano novo lhes fosse trazer as ilusões de um amor adolescente, o retorno das jovens tardes de domingo ou a nostalgia dos instantes antigos e perdidos de sua profundidade vital. E que venha de repente o verão, mesmo que traga no ventre o filho incestuoso da gripe suína. Deus nos compensará com a mágica contemplação das acácias, dos pau-d’arcos amarelos, róseos, como se multiplicasse o seu talento criador em mil Van Gogh, Rembrandt, Renoir e Picasso.
(*) Escritor.

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