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31/12/2019
Plano infalível
É muito comum, nesta época de virada de ano, planejarmos o futuro. E
somos quase todos como aquele cara de “A vida é dura”, na voz do nosso
Benito di Paula (1941-), que “inventa sempre um plano infalível o tempo
inteiro/Só pensa em rios de dinheiro/Mas, quando chega a hora de fazer o
que ele quer [leia-se o final do ano seguinte]/É com a mesada da
mulher”. Eu mesmo já tenho meus planos para 2020: lançar um livro,
terminar outro, montar um blog e, disparadamente o mais importante, sair
de um bocado de grupos de WhatsApp.
Não resta dúvida de que
planejar nossas vidas é bom, sobretudo quando isso vai além da mera
definição de metas – como nos casos jocosos acima, o da música e o meu
–, mensurando-se também a realidade, estabelecendo-se um plano de ação,
acompanhando-se os resultados etc.
Mas será que temos um real
controle sobre nossas vidas e o nosso futuro? Será que esse
“planejamento” funciona mesmo? E sempre? É claro que planejar ajuda, mas
hoje estou cada vez mais certo de que o acaso, para o bem ou para o
mal, tem um papel crucial nas nossas vidas.
Outro dia – aliás,
por mero acaso – dei de cara com dois pensadores e suas respectivas
teorias, que, transpostas e reinterpretadas do plano para o qual foram
desenhadas para o nosso cotidiano, explicam bem o que quero dizer.
Um deles é Nassim Nicholas Taleb (1960-), libanês, mais economista que
filósofo, com a sua “A lógica do cisne negro” (2007). Para Taleb, por
mais que pensemos o mundo como um lugar ordenado, a frequência com que
eventos inesperados se dão nos mostra que não sabemos a verdadeira causa
das coisas. Inspirado em David Hume (1711-1776) e no problema da
indução, Taleb define o “cisne negro” como um evento insuspeitado, que
se dá contra todas as expectativas, e que tem um enorme impacto na
história e na vida das pessoas. Segundo ele, a história da humanidade
foi forjada por grandes eventos inesperados.
O outro é o
esloveno Slavoj Zizek (1949-). Nascido na pequena Liubliana, à época
pertencente à Iugoslávia comunista, Zizek publicou um livro denominado
“Acontecimento” (2017), no qual ele indaga se somos mesmo senhores do
nosso destino, sobretudo num mundo tão dinâmico como o atual. Ele
entende que não, tendo no “acontecimento” – esse termo/conceito novo,
que significa uma ruptura social radical, uma crença religiosa, uma
experiência emocional e por aí vai, que abala a vida comum, fazendo com
que nada permaneça igual, mesmo que não nos apercebamos disso – a
explicação para tanto.
Dou dois exemplos de “acontecimentos”
recentes para ilustrar o que exponho. Um deles é a morte inusitada do
apresentador Gugu Liberato (1959-2019). Tudo ia muito bem com ele e a
família. Fama e dinheiro. Um dia qualquer, a queda. E tudo muda para
aquela família. O outro é a final da Copa Libertadores entre Flamengo e
River Plate. Jogo ganho para os argentinos. Como planejado. No fim, três
minutos e dois gols mudaram a história dos clubes e de seus jogadores.
Dos vencedores, com certeza, para melhor; já a dos perdedores, não
podemos dizer o mesmo.
Bom, de minha parte, quanto aos meus
planos para 2020, sei que as coisas podem dar errado. Pode aparecer um
“cisne negro”. E não tenho como vencer o “acontecimento”. Só não posso
falhar com a saída dos grupos de WhatsApp. Aqui, para a minha própria
saúde mental, o plano há de ser infalível.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCLMestre em Direito pela PUC/SP
26/12/2019
O capitalismo ‘made in USA’ e o nosso
Tomislav R. Femenick –
Mestre em economia, com extensão em sociologia e história – Do IHGRN
O filósofo francês
Michel Aglietta (1988) diz que
os Estados Unidos nasceram com um aparato ideológico nas relações socioeconômicas:
a liberdade de produzir sem entraves criados pelo Estado e instituições que são
reguladas por princípios que formalizam as relações econômicas. Além do que, o
ordenamento legal expressa a liberdade e igualdade do indivíduo, enquanto agente
econômico.
Essa talvez seja a
grande diferença da história das duas nações: enquanto os Estados Unidos,
embora escravistas, nasceram sob a égide do capitalismo e da república, o
Brasil se tornou independente sob um regime monarquista e com uma economia eminentemente
escravocrata. Com a abolição da escravidão e a proclamação da República, houve
o início de uma nova matriz econômica, porém sem atingir a profundidade
necessária à transformação das estruturas, que somente caminhou para a realidade
capitalista após a revolução de 1930, quando o governo federal direcionou as
atividades econômicas para a industrialização.
Assim tínhamos o Estado
brasileiro atuando em duas dimensões distintas, que em alguns pontos sofrem
intersecção ou confronto. No plano coletivo (político), o Estado exercia o “poder” pela instrumentação de “controles”, objetivando a sua “perpetuidade”. No plano individual,
das relações de troca, o que se buscava eram vantagens (o excedente econômico),
pela sempre maior “eficiência”,
em relações tipicamente dissolvíveis. Aqui cessa o paralelismo ideológico entre
a economia brasileira e a economia norte-americana, pois lá o Estado não
interfere tão intensamente nas relações de produções e não tem atuação como
agente-produtor.
Focando a atenção na
agricultura e na indústria dos dois países, evidenciam-se as contradições mais
acentuadas entre eles. Nos Estados Unidos os produtores agrícolas, mesmo os que
faziam a economia da fronteira, nunca fizeram agricultura de subsistência,
sempre produziam para o mercado. Aqui também sempre se produziu para o mercado.
Cana-de-açúcar, fumo, mate, algodão, café, por exemplo, sempre se destinaram
para o mercado; o mesmo acontece com a soja, laranja, melão etc. Entretanto,
ainda hoje, uma parte considerável de nossas unidades agrícolas se voltam para
a agricultura de subsistência.
A industrialização dos
EEUU está entrelaçada à própria história daquele país. Lá a grande indústria, com
produção em larga escala, foi o resultado natural – como causa e efeito – do
crescimento da nação. Por aqui, o processo industrial se deu só a partir da
primeira metade do século passado e se acelerou na década de 50, pelos
empreendimentos do então presidente Juscelino Kubitscheck. Entretanto, entre
1961 e 1967, o Brasil entrou em crise social e refreou o crescimento econômico
que vinha do período anterior. Findo esse interregno, segundo Celso Furtado
(1983), a indústria brasileira voltou a crescer, como resultado “de uma política governamental muito
bem-sucedida, que visa atrair as grandes empresas transnacionais...”.
Os três aspectos aqui
abordados – o ordenamento legal, a agricultura e a indústria – não esgotam o
paralelismo comparativo da industrialização dos Estados Unidos e do Brasil.
Poder-se-á estender este estudo com a incorporação de novos elementos e fazer
correlações sobre o desenvolvimento dos meios de comunicação viária (lá as
estradas de ferro em direção ao oeste, aqui as ferrovias do café; lá e cá as
rodovias dos anos 50 e 60) etc. Entretanto os principais campos de investigação
para a ampliação deste cenário comparativo talvez sejam as políticas
educacionais dos dois países, bem como a formação e a atuação dos políticos e
dos partidos políticos.
No mais, tem-se que pôr
em relevo a diferença do caráter da atividade empresarial dos capitalistas
norte-americanos e brasileiros. Lá eles enfrentam o mercado sem dificuldades
criadas pelo Estado e sem sua ajuda; aqui eles têm que enfrentar as
dificuldades criadas pelo aparato estatal e, no mais das vezes, somente têm
condição de obter êxito se contarem com incentivos do próprio governo. Lá os
empresários exitosos são quase que heróis nacionais; aqui alguns formadores de
opinião os veem quase que como marginais.
Tribuna do Norte. Natal, 25 dez.
2019
Manoel de Barros – o poeta onírico
Escutando as coisas boas que ainda circulam nas redes de
divulgação nacional, atento, me deparo com os comentários de filósofo,
educador, palestrante, escritor e pensador Mário Sérgio Cortella (1954) sobre o
poeta Manoel de Barros.
Afinal, quem foi e o que representou o poeta cuiabano para a poesia brasileira no século XX?
Manoel Wenceslau Leite de Barros (Manoel de Barros – 1916-2014)
nasceu em Cuiabá/MT, no ano de 1916. Em 1937, debutou na poesia com o livro
intitulado “Poemas Concebidos sem Pecados”. Em 1996, publicou a sua mais
conhecida obra, o Livro sobre Nada. Em 1986, o poeta Carlos Drummont de Andrade
o reconheceu como o maior poeta brasileiro vivo.
O filólogo Antonio Houaiss, assim se expressou sobre a
poesia de Barros: “A poesia de Manoel Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões oníricas num
primeiro instante logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético
muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor”.
Somente em 1980 seu trabalho foi valorizado nacionalmente,
graças à divulgação e ao reconhecimento de suas obras pelo desenhista,
humorista, dramaturgo, poeta, escritor e jornalista Millôr Fernandes, quando o
poeta passou a receber vários prêmios literários, como o Jabuti, em 1987, com “O Guardador de Águas”;
seus livros passaram a ser publicados
e valorizados em outros países, como Portugal, Espanha e França.
O poeta faleceu aos 97 anos, na cidade
de Campo Grande/MS.
Transcrevo para o deleite dos leitores alguns pensamentos
criativos das suas geniais poesias que navegam entre o sonho e a racionalidade.
· Tudo que não invento é falso.
· Há muitas maneiras sérias
de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
· Tem mais presença em mim o que me falta.
·
Melhor
jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
·
O
meu amanhecer vai ser de noite.
·
Meu
avesso é mais visível do que um poste.
·
Sábio
é o que advinha.
· Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
·
Aonde
eu não estou as palavras me acham.
·
Quero a palavra que sirva na boca dos
passarinhos.
·
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
·
O
artista é erro da natureza.
·
Beethoven
foi um erro perfeito.
·
Por
pudor sou impuro.
·
A
minha diferença é sempre menos.
· Não preciso do fim para chegar.
·
Do
lugar onde estou já fui embora.
·
Uso
a palavra para compor meus silêncios.
·
Tenho
em mim um atrazo de nascença.
·
Meu
quintal é maior do que o mundo.
·
Palavras
que me aceitam como sou – eu não aceito.
·
Tenho
“desapetite” para inventar coisas prestáveis.
·
Sobre
o nada eu tenho profundidades.
·
A
poesia está guardada nas palavras – é tudo
que eu sei.
·
Para
mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo das coisas).
· Não posso mais saber quando amanheço ontem.
·
Meu
órgão de morrer me predomina.
·
A
minha independência tem algemas.
ELE
CHEGOU.
NASCEU
O SALVADOR DA HUMANIDADE
Por:
Carlos Roberto de Miranda Gomes*
Num ambiente de extrema simplicidade, tendo em vista que as
portas não se abriram para abrigar a Sagrada Família, numa manjedoura, veio ao mundo
aquele que seria a redenção da humanidade, cercado por pessoas humildes e
animais. Seu nascimento é renovado a cada ano como forma de reviver aquele
momento sublime e permitir a reflexão dos habitantes da terra.
Ao reverso disso, as cidades se enfeitam com luzes e
enfeites, cercadas de festas custosas para comemorar a vinda de Papai Noel, com
os seus presentes, numa atitude inteiração paradoxal, com exposições de
presépios apenas como ostentação de beleza.
Nada disso, porém, tira o brilho dos cristãos verdadeiros que
comemoram o renascimento do Cristo Jesus com reverência e reflexão sobre os
problemas da vida e do mundo, ainda em conflito, com fome, necessidades
básicas, sem terra ou lar condigno para as pessoas, fazendo mutirões para a
prática da caridade, doando alimentos e brinquedos para as crianças, com o
mesmo espírito de humildade do nascimento originário do Menino Deus.
Este comentário não tem a finalidade de criticar as festas,
mas sugerir que o principal motivador de tudo seja JESUS e não ídolos
importados, que poderão conviver o momento, mas como coadjuvante, pois as
crianças o adoram e o aguardam. É uma questão de tempo e de educação.
Particularmente, nossa família fez a sua festinha, exatamente
numa manjedoura improvisada no Recanto de THEREZA, erguido no meio do seu
jardim, dando ênfase ao nascimento do Redentor, com preces e leituras apropriadas,
honrando exatamente o costume familiar, que tinha em THEREZINHA ROSSO GOMES a
responsável por tudo.
Sem falsidade – para mim foi um dia de saudade, para a
família também, superada com a invocação do DEUS MENINO pedindo sua intervenção
para o conforto da alma da nossa pranteada e ao mesmo tempo nos
confraternizando com simplicidade e verdade.
O tempo, agora, não é o mesmo, porque a lembrança e a saudade
dela estão vivos em todos nós. Mas a vontade de servir supera as agruras e
continuamos com a missão de praticar a fraternidade, a solidariedade e a
caridade.
FELIZ NATAL E UM ANO NOVO
RENOVADO PARA O AMOR E A PRÁTICA DO BEM.
*escritor
24/12/2019
O que fazer?
Duas circunstâncias me levaram a este
artigo. O Natal e um livro com o qual topei dia desses. No período natalino, é
comum fazermos doações – ou aumentarmos, se é o caso da pessoa já doar durante
o ano – a quem mais precisa. Algo muito positivo, por sinal. E o livro a que me
refiro é “A máfia dos mendigos: como a caridade aumenta a miséria”, de um tal
Yago Martins. O autor é pastor batista e teria fingido “ser morador de rua”
para explicar “por que nossas tentativas de vencer a pobreza continuam
fracassando”. O livro tem até algumas sacadas interessantes. Mas, percorrendo
suas páginas, topa-se com uma visão política predefinida e preconceitos de toda
sorte. Cita, para não dizer mimetiza, mas num contexto completamente diverso,
Theodore Dalrymple (pseudônimo de Anthony Daniels, 1949-) e a sua “A Vida na
Sarjeta – O círculo vicioso da miséria moral” (“Life at the Bottom: The
Worldview that Makes the Underclass”, 2001). É um livro tendencioso. “Biased”,
diriam os ingleses. Disso não gostei mesmo.
De toda sorte, lembrei-me de que o assunto
– esse das doações a pessoas na rua – é mesmo polêmico. E, assim, lembrei de um
filósofo de que gosto bastante e até já citei aqui: Peter Singer (1946-),
australiano, autor de “Liberação animal” (“Animal Liberation”, 1975) e de
“Ética prática” (“Practical Ethics”, 1979) e considerado o fundador daquilo que
hoje chamamos de “direitos dos animais”. Mas Singer não é apenas um defensor
dos animais. Ele também estuda a pobreza e o sofrimento no mundo. Quer
combatê-los. Por isso, somando-se o fato de também defender o aborto e a
eutanásia, ele é considerado um “homem perigoso”.
Para combater a pobreza, Peter Singer é a
favor das doações. Mas o é de uma forma bem peculiar. Na década passada, Singer
publicou “Quanto Custa Salvar Uma Vida? – Agindo agora para eliminar a pobreza
mundial” (“The Life You Can Save – Acting Now to End World Poverty”, 2009), um
livro que trata exatamente da polêmica questão das doações como forma de
combater a pobreza e o sofrimento no mundo. Embora estejamos diante de uma
discussão que perdura há bastante tempo, Singer toma uma posição claramente a
favor das doações. Entretanto, ele propõe que isso se dê de forma mais ampla,
organizada e regulamentada, através de organizações e organismos humanitários
encarregados para tanto. Para ele, bem menos importante – na verdade, menos
eficaz – é tirarmos nossos sapatos e darmos na rua a alguém que deles precise
do que doarmos o valor desses sapatos, de modo sistemático e organizado,
através de agências especializadas, para ajudar pessoas em situação de
vulnerabilidade, estejam essas pessoas perto de nós ou mesmo mundo afora. E
aqui já enxergamos o caráter utilitarista da filosofia de Singer.
E Peter Singer também parece concordar com
o argumento de que dar dinheiro ou comida diretamente, sobretudo nas ruas, gera
dependência. Esse tipo de doação deveria se dar apenas em casos de catástrofes,
como incêndios, grandes secas, inundações etc. É mil vezes melhor fomentar a
produção de alimentos e demais fontes de riqueza pelas próprias pessoas ou pela
comunidade, seja essa comunidade a nossa ou mesmo outra a milhares de
quilômetros de distância. “Melhor do que dar o peixe, é ensinar a pescar”, já
dizia o velho ditado. Mas isso, sabemos, não é tão fácil assim.
O problema é que temos, todos nós, uma
tendência de olharmos sempre para o que nos está mais próximo. Nossa família,
nossos amigos, nossa comunidade, o momento. “A caridade começa em casa”, é
verdade. Ademais, a presença de uma criança faminta na esquina de nossas casas
– ou de um animal, para quem é amante da natureza – nos é muito mais tocante do
que as estatísticas sobre a pobreza e a fome no mundo, sobretudo se isso diz
respeito a comunidades distantes da nossa. Isso sem falar que doações a
agências humanitárias podem nos parecer como gotas no oceano, que podem até se
perder na burocracia e na roubalheira de estilo, sobretudo se comparadas àquela
doação que mata uma fome aqui e agora.
Na verdade, Peter Singer defende um
“altruísmo eficaz”, incentivando pessoas a trabalhar com formas mais eficientes
de ajudar quem precisa. Ele sabe que doar faz bem também para quem doa. Fazer o
bem, já pregava o Buda (Sidarta Gautama, 563a.C.-483a.C.), enche nossos
corações de alegria (pelo menos os corações das pessoas normais). Mas Singer
aponta evidências concretas de um melhor aproveitamento dos recursos com ações
sistemáticas e racionais, defendendo que os resultados – muitíssimo melhores a
longo prazo e para um número bem maior pessoas – são mais importantes que a
recompensa moral momentânea.
E se a pergunta do título deste artigo é
“o que fazer?”, Peter Singer parece simplesmente responder que nossas doações
devem se basear menos na emoção e mais na razão. Eu acho a sacada de Singer
excelente (muito embora não consiga ficar insensível ao sofrimento próximo a
mim, desde já confesso). Só espero que, concordando com ele, pregando a doação
para ONGs e agências humanitárias, eu também não seja considerado, nestes
tempos bárbaros em que vivemos, um sujeito deveras perigoso.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s
College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
SOMAR PARA DIMINUIR A POTESTADE MALIGNA
Valério Mesquita*
A mídia impressa e eletrônica tem
especulado bastante sobre o litígio do cristianismo no Brasil, realçando o
crescimento da religião evangélica em detrimento da católica. O ato deplorável
é a exploração do tema como se existisse uma contenda tal e qual um campeonato,
no qual a Santíssima Trindade fica em segundo plano. Até parece uma campanha
publicitária de produtos de consumo, tais como veículos, bebidas, dentifrícios
e saponáceos. Ou, mesmo, dois partidos políticos cortejando a preferência
popular.
Lamento que
o insensato jogo pela exclusividade do legado de Jesus Cristo seja disputado ao
pé da cruz da sua crucificação da mesma forma como os soldados fizeram com a
sua túnica. As duas igrejas com os seus dogmas, suas reflexões e interpretações
das Sagradas Escrituras, devem guardar, cada uma, sua integridade sem se
desviarem para os modismos religiosos apenas com o fito de conquistar adeptos.
Entendo que esse pode ser um caminho perigoso. A insensata busca é a da
prosperidade espiritual. É necessário discernir em que direção evangélicos e
católicos estão caminhando. A Bíblia fala de dois caminhos, o da bênção e o da
maldição (DT. 11.26) e de duas portas: a estreita e a larga (MT. 7.13). O que
deveria preocupar as igrejas é o número crescente de simpatizantes e sectários
do homossexualismo no
país. As paradas gays em São Paulo, reúnem milhões de pessoas.
Tenho assistido na televisão programas
abusivos que transformam a doutrina dos católicos e crentes em shows de
entretenimento, os quais exaltam mais o homem do que a Deus. Esquecem que “o
evangelho de Cristo é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”,
como está escrito em Romanos 1.16. É preciso ter em mente que os valores
terrestres e passageiros sejam desprezados e contemplados os valores eternos. A
maneira de viver dos cristãos, honrando e obedecendo a Palavra é o que
interessa. Basta de tanta dispersão, choques e escaramuças. Se pudéssemos
aferir como nos julga hoje, lá no céu, o Cristo Jesus que se prepara para
voltar ao mundo, diante de toda essa cisão conflituosa, como nos sentiríamos?
É possível que esse fermento dos desvios
doutrinários esteja ganhando espaço nos tabernáculos e templos licenciosos,
assinalando diferenças, elevando cifras e conquistando desavisados sem
evangelização. Uma espécie de bem-aventurança contraditória de ruidosos deste
mundo, cujo destino é o reino do caos. Onde ficam os bens espirituais em meio à
parafernália do mundo religioso relativista? Recomendo aos católicos e aos
evangélicos uma leitura completa do capítulo 12 da 1ª Epístola de Paulo aos
Coríntios. As igrejas cristãs devem competir contra Lúcifer e não entre si. A
televisão comercial, com todo o seu poder catalisador, é instrumento diabólico
porque financia o pecado, o materialismo e o deboche dos valores espirituais.
Já não bastam o judaísmo, o budismo, o islamismo que se rivalizam e contestam
no mundo o crescimento do Novo Testamento? Lembrem-se que o Pai, o Filho e o
Espírito Santo dos católicos e dos evangélicos são o mesmo Deus de todos.
Unamos-nos todos no voto de um Feliz Natal, pois o que Deus criou o homem não
separará!
(*) Escritor.
21/12/2019
SENHOR, NÃO DEIXE QUE O MUNDO O SUPERE!
Valério Mesquita*
As Sagradas Escrituras, desde Gênesis,
registram a participação direta de Deus na condução do povo escolhido. Abraão, Elias,
Jacó, Moisés, Josué, Davi, Salomão e os relatos dos profetas Samuel, Ezequiel,
Daniel, Jeremias, Isaias, Zacarias, Malaquias, todos narram fatos: vários
ouviram a voz de Deus e foram inspirados nos seus ensinamentos e procedimentos.
Receberam mensagens divinas através dos anjos, foram guiados, sofreram e
quantos não morreram até a chegada do Messias? Quantas batalhas vitoriosas não
foram travadas pelo povo judeu que, depois, foi escravizado por inúmeras
potências estrangeiras até a fase dominadora dos romanos, quando Jesus nasceu?
Numa medida extrema para salvar o mundo apodrecido daquele tempo, Deus enviou o
seu filho Jesus com a missão da boa nova a fim de tirar os pecados dos homens e
remir a humanidade degenerada.
Mas estava
escrito que, cumprida a missão, o Cristo seria crucificado para depois ascender
ao Pai. Ressuscitado, Ele ainda permaneceu na Terra ultimando junto aos
apóstolos suas recomendações finais, cujo ponto alto foi a unção do Espírito
Santo para todos eles enfrentarem o imenso mundo hostil e ímpio que estava
deixando. Em verdade, não fosse o milagre da transferência do Espírito Santo,
teria sido impossível aos apóstolos realizarem a ingente tarefa de pregação e
de cristianização. E Paulo de Tarso se destacou entre todos como o mais sábio e
operoso obreiro. Hoje, a humanidade se repete no tempo. A imensa maioria do
globo terrestre não é cristã. A obra evangelizadora não atingiu seus objetivos
na Ásia e no Oriente, barrada pelo islamismo, o budismo, o bramanismo, além dos
regimes políticos de exceção da era stalinista, hitlerista e maoísta, entre
outros da mesma escória.
Que razões poderiam ser elencadas? Teria
sido a divisão das correntes do cristianismo no Século XVII? A ligação, à
época, da Igreja Católica com os governos absolutistas e colonialistas da
Europa que se dispuseram a impor coercitivamente o domínio político e religioso
aos gentios da Ásia, África e Oriente? As igrejas cristãs teriam optado pelo
regime de “cada um por si e Deus por
todos”, na presunção de que a divisão do rito, da obediência, da
interpretação discrepante, bíblica e
dogmática da descentralização – a doutrina e a evangelização não se espalhariam
mais pelo mundo?
O fato é
que, do século XX para cá, o poder econômico tem se concentrado nas mãos dos
maus em todas as esferas. Por maior que seja o esforço dos evangélicos e
católicos de recriarem o universo, persiste a impressão de que a humanidade
sucumbe ao poder do demônio. Na sua primeira vinda, Jesus redimiu o mundo dessa
escravidão, comissionando aos discípulos anunciar as duas opções: crer para se
salvar ou descrer para a condenação. Tudo está em Mateus 7.13 e Marcos 16.16.
Todavia, para essa segunda e definitiva etapa, vejo, como leigo, que se torna
imperativo que o Senhor amplie pelo Espírito Santo a tarefa dos seus discípulos
no mundo de hoje. Daquele tempo de Jesus para a ultramodernidade dos nossos
dias, o número da população global atingiu a casa dos bilhões; a máquina
mortífera da comunicação de massa e o dinheiro permanecem com os ímpios e
pecadores que destroem o trabalho ”formiguinha” dos discípulos hodiernos; nos
tempos bíblicos a intolerância cristã dos chefes de estado era o óbice; ao
passo que na atualidade as ações da intolerância estão nas leis e nos códigos
que se dobram, nos costumes, nos lares, nas ruas, de modo que somente o esforço
do Espírito Santo, com maior intensidade e vigor, haverá de derrotar o Diabo
novamente. Por isso, não deixo de orar: “Senhor,
não deixe que o mundo o supere”. Um Feliz Natal para todos!
(*)
Escritor.
O parlamento e
seus desvios, opus 2
Tomislav R. Femenick – Jornalista – Do
IHGRN
O Brasil já teve várias duplas dinâmicas e
vitoriosas. Pelé e Garrincha, nas Copas de 1958 e 1962; Pelé e
Coutinho, no Santos, nas décadas de 1950 e 60; Rivaldo
e Ronaldo, em
duas Copas do Mundo, em 1998 e 2002; Romário e Bebeto, na Copa América de 1989.
Houve várias outras, mas nada supera a dupla Batoré e Nhonho, no Congresso
Nacional. Batoré, também conhecido como Davi Alcolumbre
(DEM-AP), é o presidente do Senado e, por decorrência, do Congresso Nacional.
Nhonho, ou Rodrigo Maia (DEM-RJ), é o presidente da
Câmara dos Deputados.
Ambos vieram do
baixo clero do Congresso, eram parlamentares com pouca
expressão política. O primeiro assumiu o cargo num movimento para evitar a
reeleição de Renan Calheiro, o esperto que foi engolido pela própria esperteza.
Davi responde a dois inquéritos no STF. Rodrigo foi investido na atual posição
na esteira do escândalo de Eduardo Cunha, que teve o mandato cassado
pelo plenário da Casa. E, também, responde a inquéritos na Polícia Federal. Em
síntese, nenhum dos dois teve mérito próprio para ocupar o cargo que tem. É
esse o Congresso que temos.
Esses senhores presidem instituições com
características ímpares. Ali todo mundo ganha muito e trabalha pouco. Nessas
duas casas do povo (pois somos nós, “os iguais, menos iguais”, que pagamos as
contas de suas senhorias) é praxe que só se trabalha dois dias por semanas; em
casos extras podem ser mais que isso. E ninguém tem o ponto cortado; eles são
“os iguais, mais iguais”. É por isso e por outras coisas que, de vez em quando,
alguém tem o desplante de chamar o nosso parlamento de “casa de mãe Joana”.
A Constituição Federal garante que “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se [...] a igualdade...”. Lindo de se dizer e ouvir. Entretanto, igual à
história contada em A Revolução dos Bichos, de George Orwell (1980), há aqueles
iguais que são mais iguais que outros. Vereadores, deputados e senadores têm as
verbas de gabinete durante todo o seu mandato, têm uma penca de assessores
parlamentares que nada mais são (há exceções) que cabos eleitorais trabalhando
o tempo todo para sua excelência, têm as verbas dos fundos partidário e
eleitoral, bem como suas verbas orçamentárias. Tudo para se fazer presente à
memória e aos bolsos dos eleitores que se vendem por qualquer ilusão ou
qualquer “tostão furado”. Agora eu pergunto: como podem os outros cidadãos
competir com essa máquina de triturar novas lideranças?
Em nossa Câmara Municipal e em nossa
Assembleia Legislativa tivemos casos escabrosos que resultaram em condenações
de “representantes do povo” e prisões de funcionários de “altos escalões”. Vez
ou outra deputados e senadores são condenados e até perdem seus mandatos. No
entanto, tudo permanece como dantes no quartel de Abrantes.
Agora a pergunta que
está contida em nossa garganta: E o que fazer? Parafraseando Max Weber (1997), “todo conflito no
parlamento implica não somente numa luta por questões importantes, mas também
numa luta pelo poder pessoal”, mas “quer
amando, quer odiando a política parlamentar – não podemos afastá-la”. Em
outras palavras: ruim com as casas parlamentares, pior sem elas.
Então,
a tarefa é reformular nossos legislativos. Não é tarefa fácil, pois essa
transformação depende dos mesmos vereadores, deputados e senadores que
transformaram nossas casas congressuais em quase casas de tavolagem. Há que
montarmos uma estratégia. Primeiro não reeleger os fichas-sujas, os meio-sujos
e até os quase-sujos. Segundo, para receber o nosso voto, não basta que o
candidato tenha o viés ideológico igual ao nosso; ele tem que ser
explicitamente honesto (não devemos ter bandidos de estimação). Terceiro, e o
mais difícil, devemos também ser honestos e não vendermos nossos votos por
quaisquer duas colheres de mel coado ou dez mil reais autênticos.
Alguém
há de dizer que sou apenas mais um sonhador, um pobre inocente. A minha avó, lá
na quentura de nossa terra natal, já dizia: o idealista é uma besta quadrada, o
pessimista um chato de galocha e o realista é aquele que luta pelo que quer,
embora o que queira seja uma miragem refletida lá longe, no horizonte.
Tribuna
do Norte. Natal, 19 dez. 2019
19/12/2019
DE CONFRATERNIZAÇÃO
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN IHGRN <ihgrn.comunicacao2017@gmail.com>
Caros confreiras e confrades,
O
IHGRN fará a sua confraternização de final de ano, HOJE dia
19/12/2019, no Largo Vicente de Lemos (Jardins do IHGRN), com início
previsto para as 17 horas.
A adesão será no valor de R$ 50,00
(cinquenta reais), que servirão para o pagamento de um serviço de
buffet, com direito a salgadinhos, água, água de côco, refrigerante,
wisky e espumante para um brinde entre os sócios. Também teremos o som
de Tita dos Canaviais.
Os que se dispuserem a participar de um "amigo Secreto", deverão trazer uma lembrancinha.
O valor de R$ 50,00, referido anteriormente, deverá ser depositado na conta do Buffet, conforme especificação abaixo:
Banco do Brasil S/A
Agência 1845-7
Conta Corrente 383-1
BRUNO DANIEL FERNANDES CANUTO DE SOUZA
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
17/12/2019
O parlamento e seus desvios
Eu sempre tive muito respeito pelo
parlamento. Isso por duas vertentes. Primeiro por herança familiar. O
meu primo Vicente da Mota Neto foi deputado federal em duas legislaturas
(1946 e 1950) e deputado estadual também por dois mandatos, além de
prefeito em Mossoró. Seu irmão, Francisco Mota, foi vereador por várias
legislaturas consecutivas e também prefeito. Isso para não falar do meu
bisavô, o Cel. Vicente da Mota, que foi intendente do Município, e de
seus filhos Francisco Vicente Cunha da Mota e Luiz Ferreira Cunha da
Mota, o Padre Mota, o primeiro, intendente e prefeito e o segundo,
também prefeito da cidade.
Depois há a minha formação humanística,
iniciada em casa e aprendida com os ensinamentos do meu padrasto Xavier
Vieira, ex-seminarista jesuíta (quase padre), advogado, poliglota e
funcionário do Banco do Brasil, numa época em que isso diferenciava quem
ostentava essa condição. Foi ele que me levou a conhecer os filósofos
gregos, os pensadores do iluminismo, principalmente Descartes, Francis
Bacon, John Locke, Rousseau e Spinoza. As ideias eram amplas e as
apreendi esparsamente. No entanto, delas retive o conceito básico do
sentido da democracia: a organização política da sociedade que reconhece
o direito de cada cidadão de participar da gestão dos assuntos
públicos. Aprendi, ainda, que a prática desse entendimento se dá através
dos parlamentos municipais, estaduais e federal.
Teoricamente, no Brasil também é assim. Está lá na Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos”.
O problema é a prática. Um povo que elege seus representantes Tiririca,
Agnaldo Timóteo, Romário e outros que tais, que ameaça eleger Luciano
Huck, Datena e outros quejandos e já elegeu o rinoceronte Cacareco,
espera o que do seu parlamento?
Todavia o problema é bem maior. Os nossos vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores são “experts”
em criar vantagens para si mesmos. Regalias impensáveis em quaisquer
órgãos que se respeitem. São verbas de gabinetes, auxilio disso e
daquilo, tratamento médico-odontológico para suas senhorias e
familiares, sem teto de gasto. Recentemente o deputado Marco Feliciano
gastou R$ 157 mil com dentista e nós é que pagamos a conta. Quando
presidente do senado, Renan Calheiros fez um implante capilar e tentou
espetar em nosso bolso as despesas com o serviço de estéticas e de
transporte em avião da FAB.
Mas são as verbas de gabinete que correm
soltas e sem fiscalização. Faz tempo que eu e muita gente só recebemos
aqueles cartões de Natal e de parabéns pelo aniversário de antigamente,
pelo correio enviados por deputado e senador. Sabem porquê? Eles têm
verba para gastar com os serviços dos Correios. Nada sai de suas contas.
As verbas de ressarcimento com o uso de gasolina não são conferidas por
ninguém; basta apresentar as Notas Fiscais. Dizem que há Excelências
cujos gastos anuais com combustível davam para ir à lua e voltar, mais
de uma vez.
Acha pouco? Então vamos falar das
viagens ao exterior, ditas a serviço. Elas acontecem o ano tudo. Levam
nossos representantes a todos os cantos do planeta. Do topo do mundo a
lugares exóticos. No entanto as viagens preferidas são aquelas que
incluem cidades do chamado circuito Elizabeth Arden: Roma, Paris,
Londres e New York. Dizendo que vão a congressos, seminários e comissão
de estudos, deputados e senadores mal aparecem nesses certames. Preferem
passear, conhecer ou rever lugares famosos, frequentar os melhores
restaurantes, assistir o cancan do Moulin Rouge, os musicais da
Broadway, visitar o Museu do Louvre, ir ver o Papa na praça do
Vaticano, andar nos ônibus de dois andares e fazer compra na Harrods de
Londres. Isso tudo fazendo selfies que depois serão entregues às
respectivas assessorias, para as divulgar no Face, no Twitter e no
Instagram.
Tudo às custas de nós, os trouxas, os otários que os elegemos.
As contradições (IV)
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
No nosso papo da semana passada, tratamos dos critérios para a solução
das contradições ou antinomias jurídicas: o hierárquico, o de
competência, o cronológico e o de especialidade. Em regra, fazendo uso
desses critérios, isolada ou conjuntamente, o aplicador do direito
deverá encontrar uma solução para a aparente antinomia.
Entretanto, os critérios de solução das antinomias jurídicas acima
referidos, na medida em que levam em conta apenas uma das
características das proposições em conflito – hierarquia, competência,
cronologia ou especialidade – são limitados. Como explica Victoria
Iturralde Sesma em “Aplicación del derecho y justificación de la
decisión judicial” (Editora Tirant lo Blanch, 2003), isoladamente, “o
critério hierárquico resolve as contradições entre enunciados de nível
hierárquico diferente, mas igualmente competentes, de igual generalidade
e publicados num mesmo momento; o de competência, entre enunciados em
que um deles provém de autoridade incompetente, mas que são ambos de
mesmo nível hierárquico, de igual generalidade e foram publicados num
mesmo momento; o cronológico, entre enunciados publicados em momentos
diferentes, mas de mesmo nível hierárquico, de competência e de
generalidade; e o de especialidade, entre enunciados de graus de
generalidade/especialização diversos, mas de mesmo nível hierárquico,
igualmente competentes e publicados num mesmo momento”.
Na
verdade, os casos de antinomias jurídicas normalmente possuem
descoincidências em mais de uma dessas características, como, por
exemplo, quando uma das normas em conflito é hierarquicamente superior,
mas cronologicamente anterior, e a outra é hierarquicamente inferior,
mas cronologicamente posterior. Aqui a contradição vai além do conteúdo
dos enunciados, chegando aos próprios critérios a serem utilizados para
as suas soluções. E, a depender do critério adotado, se terá soluções
diversas. Essas contradições, que se dão ao nível dos próprios critérios
de solução, são chamadas de “antinomias de segundo grau”.
Existem alguns critérios para solucionar essas antinomias de segundo
grau (embora não todas, como se verá a seguir). São, portanto,
“metacritérios”, que se prestam a resolver antinomias entre critérios.
Grosso modo, podemos dizer que (i) o critério hierárquico prevalece
sobre os critérios cronológico e de especialidade. Damos como exemplo o
caso de um conflito entre uma norma constitucional e uma lei ordinária
posteriormente editada. Temos uma antinomia entre os critérios
hierárquico e cronológico, que facilmente se resolve em prol do primeiro
(se usássemos, equivocadamente, o critério cronológico, daríamos amparo
à norma ordinária). Aliás, do contrário, o princípio da hierarquia das
normas perderia o seu sentido, com Kelsen (1871-1973) se revirando no
túmulo da sua “pirâmide”. Semelhantemente, podemos afirmar também que
(ii) o critério de competência prevalece sobre os critérios cronológico e
de especialidade. O contrário seria ilógico. “Apenas em caso de
conflito entre enunciados [de autoridades igualmente] competentes
poderão ser utilizados os critérios da especialidade e cronológico”, bem
anota Victoria Sesma.
Mas nem sempre a coisa é assim, tão preto
no branco. Peguemos o caso da (iii) antinomia de segundo grau entre os
critérios cronológico e de especialidade, sendo uma das normas posterior
e geral e a outra anterior e especial. A primeira seria privilegiada
pelo critério cronológico; a segunda, pelo critério da especialidade. Em
regra, é verdade, terá lugar o brocado ou metacritério latino “lex
posterior generalis non derogat speciali” (“a lei geral posterior não
revoga a lei especial anterior”). Entretanto, esse é um caso que admite
exceções, a depender dos conteúdos e dos desideratos das normas em
conflito. Como explica Victória Sesma, “não se pode estabelecer uma
regra clara em relação ao conflito entre os critérios cronológico e de
especialidade, que deverá ser resolvido, caso a caso, pelo aplicador do
direito. Um dos fatores a ter em conta nestes casos é a maior ou menor
justificação do enunciado especial, avaliando se ele contém uma
normatização verdadeiramente justificada ou uma discriminação sem
fundamento algum”. E esse dilema, pode ter certeza, não é incomum.
E ainda há a questão do aparente (iv) conflito entre os critérios
hierárquico e de competência. Qual prevaleceria? Aqui, penso, estamos
diante de um falso dilema. Esse conflito (de segundo grau) inexiste. O
fundamental é estabelecermos se estamos diante de um conflito
hierárquico ou de competência. Se é de competência, este critério
prevalece, como na relação entre uma lei de determinado estado da
Federação e a Constituição de outro. Aquela pode prevalecer, se
competente para tanto. Mas se é uma relação hierárquica, em algum âmbito
de aplicação coincidente, a norma superior deve prevalecer, como no
conflito entre uma norma do Código Penal (diploma “competente” por
excelência para definir delitos e penas) e a Constituição Federal.
De toda sorte, uma coisa é certa. No caso extremo de antinomia de
segundo grau sem metacritério para solução – e podemos até imaginar um
conflito entre dois enunciados de mesma hierarquia, igualmente
competentes, cronologicamente coincidentes e com o mesmo grau de
generalidade –, o juiz terá de decidir, optando por um deles. Dizem que
pelo mais “justo”. Só não me perguntem o que “justo” significa. Embora
com tantos anos na lida, ainda não sei bem o que danado isso é.
Marcelo Alves Dias de SouzaProcurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP