11/10/2017

ENTREVISTA IMAGINÁRIA

José Saramago, não te resignes




texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Um escritor que dizia que, a certa altura, dizer era repetir-se. Dizer sempre o mesmo. Dizia como um gracejo, porque julgava que não tinha mais nada a declarar para além do que estava dito em toda uma obra de tantos livros em que foi dito toda a coisa. Seus romances são ensaios. Ensaios são idéias. Suas histórias são parábolas. E de parábola em parábola se tece a vida.

Português que via Pessoa como um Super-Camões. E costurou a tradição portuguesa de dizer as coisas em literatura compondo a tríade que passou por Camões, ficou em Pessoa e permanece com ele, Saramago. Homem de muitas convicções e narrador de todas as histórias que deveriam ser contadas. Senhor de um amor que passou dos livros e que virou a razão e a dedicatória de todos eles: Pilar. Sua amante, sua companheira, a sua vida. Um homem de convicções de pensamento complexo diante da perplexidade da vida. Um cultuador da língua, porque só a palavra conta.

Décima quinta entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é o escritor José Saramago. Entrevistamos através de um passeio pela sua obra, romances, crônicas, nos cadernos.

Entrevistador: O que dizemos?
José Saramago: Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer a si mesmo não fosse a quinta e mais difícil das aritméticas humanas.

E: E o que dizemos mais?
JS: Querer é poder, como se as realizações bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos.

E: O que resta dizer aos indecisos?
JS: Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta.

E: As entrevistas valem a pena?
JS: O que para outros ainda lhes poderá parecer novidade, tornou-se para mim, com o decorrer do tempo, em caldo requentado. Ou pior, amarga-me a boca a certeza de que quantas coisas sensatas que tenha dito durante a vida não terão, no fim das contas, nenhuma importância. E porque haveria de tê-la? Que significado terá o zumbido das abelhas no interior da colméia?

E: De O Livro dos Itinierários, que lição tirou?
JS: Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.

E: Uma verdade, Saramago?
JS: É bem verdade que nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe.

E: O silêncio, o que é o silêncio?
JS: A fascinação de quem escreve.

E: Saber ler, o que é?
JS: saber ler (descobri-o mais tarde) equivalia a abrir portas para o espírito, mas também em certos casos, a fechar algumas portas dele.

E: A lição do polícia amador de Edgar Poe?
JS: Boa razão tinha aquele polícia amador do Edgar Poe, que dizia não haver melhor modo de esconder uma coisa que tê-la sempre à vista.

E: Qual o tempo do que dura?
JS: O esquecimento de tudo no fundo da garrafa, como um diamante, a embriaguez vitoriosa enquanto dura.

E: Qual o maior dos mitos, ou qual o verdadeiro mito?
JS: O mito do paraíso perdido é o da infância – não há outro. O mais são realidades a conquistar, sonhadas no presente, guardadas no futuro inalcançável.

E: O que é escrever para Saramago?
JS: Escrever é traduzir. Sempre o será. Mesmo quando estivermos a utilizar a própria língua.

E: Algo mais do Livro dos Conselhos?

JS: Enquanto não alcançares a verdade, não poderás corrigi-la. Porém, se a não corrigires, não a alcançaras. Entretanto não te resignes.

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