José Saramago, não te resignes
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra
Um escritor que dizia que, a certa altura, dizer era repetir-se.
Dizer sempre o mesmo. Dizia como um gracejo, porque julgava que não
tinha mais nada a declarar para além do que estava dito em toda uma obra
de tantos livros em que foi dito toda a coisa. Seus romances são
ensaios. Ensaios são idéias. Suas histórias são parábolas. E de parábola
em parábola se tece a vida.
Português que via Pessoa como um Super-Camões. E costurou a tradição
portuguesa de dizer as coisas em literatura compondo a tríade que passou
por Camões, ficou em Pessoa e permanece com ele, Saramago. Homem de
muitas convicções e narrador de todas as histórias que deveriam ser
contadas. Senhor de um amor que passou dos livros e que virou a razão e a
dedicatória de todos eles: Pilar. Sua amante, sua companheira, a sua
vida. Um homem de convicções de pensamento complexo diante da
perplexidade da vida. Um cultuador da língua, porque só a palavra conta.
Décima quinta entrevista da série entrevistas imaginadas,
quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em
seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque
o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já
disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é o escritor José
Saramago. Entrevistamos através de um passeio pela sua obra, romances,
crônicas, nos cadernos.
Entrevistador: O que dizemos?
José Saramago: Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti
mesmo, como se conhecer a si mesmo não fosse a quinta e mais difícil
das aritméticas humanas.
E: E o que dizemos mais?
JS: Querer é poder, como se as realizações bestiais do mundo não se
divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos.
E: O que resta dizer aos indecisos?
JS: Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta
sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando
até chegarmos à outra ponta.
E: As entrevistas valem a pena?
JS: O que para outros ainda lhes poderá parecer novidade, tornou-se
para mim, com o decorrer do tempo, em caldo requentado. Ou pior,
amarga-me a boca a certeza de que quantas coisas sensatas que tenha dito
durante a vida não terão, no fim das contas, nenhuma importância. E
porque haveria de tê-la? Que significado terá o zumbido das abelhas no
interior da colméia?
E: De O Livro dos Itinierários, que lição tirou?
JS: Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.
E: Uma verdade, Saramago?
JS: É bem verdade que nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe.
E: O silêncio, o que é o silêncio?
JS: A fascinação de quem escreve.
E: Saber ler, o que é?
JS: saber ler (descobri-o mais tarde) equivalia a abrir portas para o
espírito, mas também em certos casos, a fechar algumas portas dele.
E: A lição do polícia amador de Edgar Poe?
JS: Boa razão tinha aquele polícia amador do Edgar Poe, que dizia não
haver melhor modo de esconder uma coisa que tê-la sempre à vista.
E: Qual o tempo do que dura?
JS: O esquecimento de tudo no fundo da garrafa, como um diamante, a embriaguez vitoriosa enquanto dura.
E: Qual o maior dos mitos, ou qual o verdadeiro mito?
JS: O mito do paraíso perdido é o da infância – não há outro. O mais
são realidades a conquistar, sonhadas no presente, guardadas no futuro
inalcançável.
E: O que é escrever para Saramago?
JS: Escrever é traduzir. Sempre o será. Mesmo quando estivermos a utilizar a própria língua.
E: Algo mais do Livro dos Conselhos?
JS: Enquanto não alcançares a verdade, não poderás corrigi-la. Porém,
se a não corrigires, não a alcançaras. Entretanto não te resignes.
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