O direito à cidade:
Uma reflexão.
Luciano Capistrano
Professor: Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador: Parque da Cidade/SEMURB
Um olhar sobre a cidade
Uns ventos do além-mar
Sopram vozes do poeta lusitano
"Navegar é preciso, viver não é preciso".
E o rio de minha aldeia
Corre ao mar
Levando vidas e sonhos
Das comunidades ribeirinhas
Barquinhos a navegar
Passo da Pátria, Cais da Tavares de Lyra
Portos de uma cidade
A olhar o Alto da Torre
Testemunha ocular de uma expansão urbana
E seus conflitos
Em uma urbe viva
Onde não existe neutralidade
Entre o mar, dunas e o rio
Planos tradutores da cidade que temos
E da cidade que queremos
Desejos.
(Luciano Capistrano)
A cidade de Natal em 1911, tinha aproximadamente 28.000
habitantes, provinciana ainda existia o habito dos "cantões", conversa
de fim de tarde, boquinha da noite, neste ano os natalenses conheceram o
bonde movido a energia elétrica, as intervenções urbanas de
"aformoseamentos", tinha como finalidade inserir a urbe nos novos
tempos, tempos de "civiliza-se". Uma ação modernizadora, nascida, se
assim podemos dizer, com o Plano Polidrelli. Vejamos o que diz o
professor Pedro de Lima:
O Plano Polidrelli poderia ser interpretado, portanto, como uma
resposta da elite natalense, em termos urbanísticos, para as
transformações sócio-políticas que ocorreram no país na virada do
século[XX] (Abolição da Escravatura – 1888, Proclamação da República –
1889). Assim, a Cidade Nova, ainda quando não tenha sido concebida,
explicitamente, enquanto espaços e cenários que expressassem a
modernidade anunciada pelas novas relações sociais (do trabalho livre
assalariado) e políticas (de um moderno Estado republicano liberal),
pode ser identificada como o espaço do novo poder republicano. (LIMA,
Pedro de. Natal século XX: do urbanismo ao planejamento urbano. EDUFRN,
2001, p. 36)
Uma capital, banhada pelo Atlântico, Potengi, e, as dunas a
compor um cenário de beleza, capaz de fazer Henrique Castriciano a
defender a proibição de construção as margens esquerdas, de quem segue
da Igreja do Rosário dos Pretos, da Cidade Alta para a Ribeira, dizia o
criador da Escola Domestica, é preciso preservar a beleza do rio Potengi
para os transeuntes. Lembra Castriciano:
[...] quando para aqui veio o presidente Pereira de Carvalho, em
1853, ainda encontrou, despovoada, entre a alfandega e o morro do
Rosário, uma área de nove mil braças quadradas, dividida por extenso
aterro que facilitava a ida e vinda dos moradores dos dois bairros.
[...] teve a intuição do préstimo vindouro d’esta parte do solo
natalense e pensou na construção de um Passeio onde, segundo escreveu em
longa mensagem, "a par da distração que encontrariam os habitantes
nesse ponto de reunião, poderiam gozar da encantadora vista de um belo
rio, da suave brisa, à sombra de frondosas árvores e da vantagem de
possuir um ótimo cães de desembarque que nada teria a invejar ás outras
províncias..."(Henrique Castriciano: Seleta, textos e poesias.
Organização: José Geraldo de Albuquerque, 1993, p. 224)
O presidente Pereira de Carvalho, conseguiu a aprovação na
Câmara Municipal, de uma Lei proibindo a construção de edificações neste
trecho, correspondente entre a hoje Capitania das Artes e a Igreja de
Nossa Senhora do Rosário dos Negros, infelizmente, essa área "Non
Aedificandi", prevaleceu, apenas, até 19 de dezembro de 1859.
Por sua vez, o mestre Câmara Cascudo, anos depois, escreveria
uma crônica intitulada, "Olhos da Cidade", onde alertava o Poder
Municipal, da importância de ser garantido o direito das camadas mais
humildes em vê as belezas naturais da cidade, assim, não deveria ser
permitido construções que "escondessem" a paisagem natural. Dizia o
mestre Cascudo em 1947:
A valorização dos terrenos ergue a vaidade humana pelas orelhas e
a leva até perto das estrelas. Pelo gosto natural da burguesia não
havia jardim público nem parque, nem alameda, nem miradouro. Tudo era
terreno-para-construir. Interessa apenas o individual, o dependente da
vontade personalíssima. Quem irá lembrar-se do direito de alguém ter
diante dos olhos uma paisagem ridente ou um muro banal? [...]. Essa
possibilidade está se firmando como um direito natural, uma das
prerrogativas de qualquer criatura humana. [...]. Possa esse direito
afirmar-se ao lado do patrimônio natural da cultura, como um fato
visível e próprio da cidade moderna. (OLHOS da cidade, Luís da Câmara
Cascudo, Diário de Natal, 05 de janeiro de 1947)
Bom amigo velho, trago essa questão da democratização do
"olhar" a cidade ou da garantia, preconizada por Henrique Castriciano e
Câmara Cascudo, para fazer uma reflexão sobre a cidade e o direito a
preservação dos recursos naturais. Nossos mananciais rio Potengi, Riacho
do Baldo, rio das Quintas, rio Doce, as lagoas, e, as ZPAs (Zonas de
Proteção Ambiental). O rio Potengi, por exemplo, por ser uma referência
na formação histórica da cidade de Natal, reveste-se de importante
elemento, não apenas natural, mas de memória da urbe. Uma cidade
"ingrata", pois na sua expansão esqueceu do rio e "cresceu" de costas
para seu leito.
Me permita, amigo velho, a fazer uma citação do professor
Raimundo Arrais, voltando no tempo e descrevendo o isolamento da capital
decorrente de sua topografia no início do século XX:
O isolamento da capital era reconhecido pelo governador Alberto
Maranhão, que se referia, em 1904, à necessidade de construir acesso aos
mercados de Ceará-Mirim, Macaíba, Mossoró e Açu para retirar a capital
do estado definhamento [...] O efeito administrativo dessa situação era
evidente [...] O isolamento não apenas afetava o estado, privando-o de
rendas, diminuindo as condições para que a capital estendesse a
legitimidade do poder sobre a extensão do território do Rio Grande do
Norte. (ARRAIS, Raimundo. Da natureza à técnica in FERREIRA, Angela
Lúcia; DANTAS, George (organizadores). Surge et ambula: a construção de
uma cidade moderna. EDUFRN, 2006, p. 121)
A cidade nasceu com um grande desafio que era a sua própria
topografia, cercada por dunas, tendo a companhia do mar e do rio, a
comunicação com o interior da província teria de ser vencida. Neste
processo de feitura do território a urbe, foi se desenhando em um
processo de ocupação, em alguns momentos ordenados em outros
conflituosos.
Amigo velho, a ocupação urbana de Natal se insere na
constante dicotomia ente o crescimento com qualidade de vida,
respeitando o direito à cidade, e, os interesses do mercado de terras,
este principalmente a partir da década de 1940, com o advento da Segunda
Guerra Mundial. O "mercado de terras" avança;
[...] a
partir da década de 1940 até o final dos anos 60, a cidade muda
completamente sua configuração socioespacial, o que acontece
principalmente em face das transformações ocorridas (no início dos anos
19400, com a instalação de bases militares (aérea e naval) em Parnamirim
e em Natal devido à Segunda Guerra Mundial, e o consequente surto de
crescimento e modernização verificado a partir de então, com o
incremento de obras infra-estruturais. (DUARTE, Marise Costa de Souza.
Espaços especiais urbanos: desafios à efetivação dos direitos ao meio
ambiente e à moradia. Observatório das Metrópoles, 211, p.46)
Este curto artigo, "O direito à cidade: uma reflexão", tem um
caráter de provocação, esse é meu objetivo, amigo velho. Façamos os
caminhos trilhados por Pedro de Lima, Henrique Castriciano, Câmara
Cascudo, Raimundo Arrais, Marise Costa, e, os muitos ‘interpretes" da
construção da cidade de Natal, deste dialogo fraterno contribuiremos nos
fóruns formuladores das políticas públicas para a cidade. Nestes tempos
de discursão sobre a regulamentação das Zonas de Proteção Ambiental,
faz necessário este dialogo.